Alvaro Bianchi
Em 1974, o Brasil vivia o fim do governo de Emilio Garrastazu Médici, o mais repressivo de todos os governos militares. O golpe de 1964 completava dez anos, e a pujança do modelo de crescimento acelerado, chamado de “milagre”, parecia aos observadores mais superficiais, ainda inabalada. Os primeiros sinais da crise se faziam sentir, entretanto. O modelo de desenvolvimento baseado no endividamento externo passou a gerar sérios desequilíbrios na balança de pagamento com a crise do petróleo de 1973 e os juros da dívida cada vez mais elevados.
Os primeiros sinais de insatisfação não vieram, entretanto dos trabalhadores da cidade e do campo e sim da burguesia e das camadas médias da sociedade. Os setores comercial e financeiro começaram por elevar o tom das críticas ao que consideravam ser uma “estatização da economia” promovida pelos militares por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento, enquanto os industriais temiam que a desaceleração econômica, a redução das encomendas estatais e e a elevação dos juros estrangulassem seus lucros. Na imprensa a “oposição empresarial” ganhava espaço e fazia ouvir sua moderada voz, manifestando seu apoio aos militares, ao mesmo tempo que reivindicava que sua opinião fosse levada em conta nas definições de política econômica.
A insatisfação era, entretanto, mais forte nas universidades. O movimento estudantil havia sofrido uma dura derrota em 1968 com a queda do Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE) que deveria ser realizado em Ibiúna. Honestino Guimarães, presidente da UNE, foi preso e desapareceu em 1973, depois de ter sido preso e encaminhado ao Centro de Informações da Marinha (Cenimar). Mas o movimento dava seus primeiros passos em direção à reorganização. Pequenas manifestações começaram a ter lugar, geralmente contra as arbitrariedades das autoridades universitárias e aos poucos as entidades começaram a ser reorganizadas. Encontros setoriais como o dos estudantes de engenharia foram realizados e viraram palco para a discussão do movimento.
A esquerda se encontrava, entretanto, extremamente fragilizada e vivia sua pior fase. Milhares estavam no exílio. Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), morreu em um tiroteio na Alameda Casa Branca, em São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969, durante uma emboscada comandada pelo tristemente célebre delegado Sérgio Paranhos Fleury. O capitão Carlos Lamarca, do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) foi encontrado no sertão baiano, onde havia se internado com o propósito de construir uma guerrilha rual, acompanhado apenas de seu camarada, o metalúrgico Zequinha Barreto e foram metralhados antes mesmo de poderem reagir.[1] As execuções de Marighella, Lamarca e Barreto foram um retrato fiel não apenas da extrema crueldade da repressão, como do isolamento da guerrilha. Completamente isolados e sem vínculos orgânicos com os trabalhadores do campo ou das cidades nas quais queriam organizar a guerrilha, e em nome dos quais falavam, encontravam-se sozinhos na hora de suas execuções. Já haviam sido derrotados quando foram executados.
A última experiência de luta armada a cair foi a guerrilha comandada pelo PC do B na região do Araguaia. Desde 1973 ela encontrava-se, entretanto, acossada pelas forças militares, as quais haviam realizado seu maior deslocamento desde a Segunda Guerra Mundial para caçar os militantes que se encontravam na região. No final de 1974 a guerrilha já havia sido exterminada. Mais de 50 combatentes foram assassinados no Araguaia e seus corpos encontram-se desparecidos até hoje.
Diante desse quadro, de uma esquerda derrotada e órfã, oscilando entre o reformismo do PC e o foquismo dos grupos da guerrilha, surgiu a proposta da Liga Operária. Seu primeiro jornal, Independência Operária, lançado em fevereiro de 1974, não passava de duas modestas páginas de papel sulfite dobradas no meio, impressas na Argentina e introduzidas clandestinamente no Brasil. Abaixo do nome vinha o subtítulo “Pela unificação dos revolucionários brasileiros”. Na capa os propósitos do novo periódico eram anunciados:
“Independência Operária surge como uma tentativa de unificar as forças operárias e revolucionárias para a construção do socialismo no Brasil. Nossa primeira tarefa será a de informar aos companheiros a situação do movimento operário, ao mesmo [tempo] que procurará participar nesse movimento. A nossa luta é a luta de todos os trabalhadores contra a ditadura e pela democracia operária.”[2]
A história da Liga Operária começou, entretanto, alguns anos antes e teve em Mario Pedrosa um de seus personagens principais. O Chile de Salvador Allende tornara-se um porto seguro para os exilados brasileiros. Dentre eles estava o velho trotskista. Asilado em 1970 durante três meses na embaixada do Chile no Brasil, Pedrosa conheceu nela outros dois asilados: Túlio Roberto Quintiliano, ex-militante do PCBR e um militante conhecido como Jones. Teve início assim um diálogo que iria levar à criação, por exilados brasileiros no Chile de um grupo identificado com as idéias de Leon Trotsky, o Ponto de Partida. Além de Tulio Quintiliano somaram-se a esse grupo Maria José Lourenço e Jorge Pinheiro, os quais haviam militado no MNR quando eram estudantes de Comunicação Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Enio Bucchioni, ex-militante da Ação Popular (AP).
Tratava-se de um grupo diversificado em suas orignes. Em comum tinham o fato de serem jovens militantes com escassa experiência nas lutas sociais. Nenhum deles teve passagem prévia pela direção das correntes às quais pertenceram. Isso não lhes impediu de chegarem cada qual pelo seu caminho a um balanço fortemente crítico da experiência guerrilheira no Brasil e consciente da profunda derrota desta. Após o contato inicial com Pedrosa, estes militantes conheceram o dirigente do Socialist Workers Party (SWP) dos Estados Unidos, Peter Camejo, e a tendência da qual este fazia parte, a Tendência Leninista Trotskista (TLT). Reunindo além do SWP o Partido Socialista de los Trabajadores, da Argentina, a TLT opôs-se às tendência guerrilheiristas presentes na Quarta Internacional – Secretariado Unificado (QI-SU) e à generalização dessa política pelas seções latino-americanas da Internacional.
A partir de 1971 a resistência ao guerrilheirismo dentro da Internacional conformou a Tendência Leninista Trotskista (TLT). O documento principal dessa tendência Argentina and Boliva: the balance sheet constituiu um marco na QI-SU. Fazendo um balanço implacável das aventuras do PRT(EC) e do POR(C) narradas em prosa e verso pela maioria da Internacional, o documento advogava energicamente em favor de um retorno a uma política de intervenção no movimento de massas e de construção de partidos revolucionários. Nadava-se, entretanto, contra a corrente. Em 1971 a lembrança da Olas ainda era forte e a guerrilha ainda tinha seu apelo, muito embora se mostrasse cada vez mais ineficaz na América Latina.
Foi a partir desse documento que aquele pequeno grupo de exilados brasileiros no Chile aproximou-se da Quarta Internacional e de sua Tendencia Leninista Trotskista. Tendo vários de seus militantes tomado parte em organizações guerrilheiras, haviam antecipado um balanço crítico dessa experiência que parte considerável da esquerda brasileira ainda estava por fazer. Essa atitude crítica aparece claramente na primeira manifestação pública do grupo Ponto de Partida, o documento “A propósito de um sequestro”, divulgado em 1971 e republicado várias vezes pela imprensa trotskista internacional. O texto posicionava-se contrariamente às ideias e práticas predominantes na nova esquerda brasileira. Escrito logo após a libertação pela ditadura militar brasileira de 70 prisioneiros políticos em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pela VPR de Carlos Lamarca, contrariava a euforia que o feito havia provocado entre os exilados no Chile. Ponto de Partida colocou o dedo em uma ferida aberta:
“Será possível que os revolucionários brasileiros que assaltam bancos e sequestram embaixadores falando em nome de uma certa revolução ideal, que não tem nada a ver com a prática social, nunca se tenham perguntado por que no Brasil o governo está em condições de manter milhares de revolucionários nos cárceres sem que as massas exploradas possam opor qualquer tipo de resistência?”[3]
A pergunta era simples, mas sua resposta não podia deixar de ser dolorosa para aqueles que haviam enveredado pelo caminho da guerrilha. Apenas dois anos antes e às vésperas de seu assassinato, o chefe da ALN, Carlos Marighella acreditava que para cada combatente morto, “milhares se lentariam de armas em mãos”. Mas isso não passava de um desejo que nunca seria realizado. Militantes caíam rapidamente às dúzias e não eram substituídos por novos. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas passaram pelos cárceres da ditadura e muitos não saíram com vida. Apenas 130 presos foram libertados em decorrência das ações da guerrilha.
Deixando de lado caracterizações fantasiosas a respeito da situação política no Brasil, os trotskistas brasileiros procuraram identificar as razões da complexa situação na qual se encontrava a esquerda e a derrota que se desenhava para os grupos armados. A questão crucial era a ausência no Brasil de organizações por meio das quais as “massas exploradas possam expressar seu descontentamento.”[4] A situação profundamente defensiva na qual essas organizações se encontravam era agravada pelo novo dinamismo que a economia brasileira havia adquirido: “Ao alcançar vitórias reais nesse campo [econômico] foi possível neutralizar as oposições de amplos setores da pequena-burguesia, recuperando-os como base de apoio social do sistema. Desse modo, a burguesia brasileira ganhou para si um novo período histórico”.[5]
O documento percebia, assim, um longo período de estabilidade política e uma relação de forças momentaneamente favorável à ditadura. Mas muitas vozes na esquerda recusavam-se a perceber essa nova relação de forças. O eco das greves operárias de Osasco e Contagem em 1968 ainda eram audíveis e os primeiros sucessos da guerrilha haviam tido grande repercussão nos meios estudantis. Mesmo no interior do movimento trotskista internacional o documento não foi unânime. O brasileiro Stein, militante do Partido Operário Comunista e membro da QI-SU atacou virulentamente a nova organização trotskista nas páginas do International Information Bulletin: “o ‘Ponto de Partida’, do qual ninguém escutou falar antes”, tenta “dar lições de forma tal que jamais influenciará um só militante brasileiro”.[6] Sua previsão, como se sabe, não se cumpriu. Em compensação realizou-se a profecia de Ponto de Partida: “as posições ultraesquerdistas aprofundarão seu isolamento político e orgânico das massas além de sua própria derrota militar. Uma autocrítica profunda dos grupos vanguardistas nos aprece provável em prazos previsíveis”. Poucos tempo depois da publicação deste texto, Stein rompeu com suas posições guerrilheiras e, mais tarde, com o próprio trotskismo.
Logo surgiriam diferenças no Ponto de Partida a respeito da organização do trabalho político, efeitos não apenas do isolamento como das marcas que o exílio deixava na vida e na própria psiquê dos militantes. Segundo Enio Bucchionni, Quintiliano considerava que logo teria início um processo de autocrítica e reorganização da esquerda brasileiro e que, por essa razão, era muito importante acompanhar as discussões que os exilados mantinham no Chile em um coletivo de debates que aglutinava militantes de várias tendências. conhecido simplesmente como Grupão.[7] Já Jones Freitas queria acelerar o processo de integração do grupo à QI-SU e participar ativamente do processo revolucionário chileno, militando juntamente com Hugo Blanco e seus camaradas nos cordones industriales.[8]
Embora pequenas essas diferenças pareciam importantes e até mesmo cruciais para alguns desses jovens . Uma divisão, então, ocorreu. Formou-se, assim, o Ponto de Partida 1, composto pelos militantes que acreditavam que a realidade brasileira e a propaganda entre os exilados deveria ser sua prioridade dos esforços. Dentre eles estavam Enio Bucchioni e Túlio Quintiliano. De outro lado estava o Ponto de Partida 2, ao qual pertenciam Freitas, Valderez Duarte, Maria José Lourenço e Jorge Pinheiro, e que propunha que os exilados brasileiros interviessem no rico processo político chileno. As relações entre os dois grupos, entretanto, não se deterioraram e mantiveram um forte elo de ligação entre eles. Em comum tinham o contacto com o SWP estadunidense, através de Peter Camejo e com o Partido Socialista de los Trabajadores argentino, por intermédio de Hugo Blanco, bem como a proximidade com as teses defendidas pela TLT. A partir de meados de 1973 ambos grupos começaram a discutir sua reunificação.[9]
As adesões à TLT cresciam entre os brasileiros. No Chile também se encontrava Waldo Mermelstein, brasileiro que militava no Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR). Mermelstein entrou em contato com as posições da TLT por meio de Jan Axelson, um trotskista sueco que se encontrava hospedado na mesma pensão que ele. Merlmestein havia militado no movimento estudantil de 1968 e após o AI-5 uniu-se a uma organização da esquerda sionista no Brasil. Em 1970 rompeu com essa organização e foi à Palestina e, posteriormente, ao Chile, onde pretendia estudar. Segundo narrou, já se considerava um trotskista quando começou a conversar com Axelson, mas foi a partir da discussão, principalmente do balanço crítico da generalização das táticas guerrilheiras na América Latina que aderiu à TLT.[10] Mermelstein, entretanto, preferiu não unir-se ao grupo Ponto de Partida e continuar sua atividade militante no MIR, que considerava ser uma organização com maior potencial de desenvolvimento e capaz de intervir diretamente no processo revolucionário chileno.
Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro (1973-1974)
O golpe de setembro de 1973 no Chile dispersou os componentes desse pequeno reagrupamento. Maria José, Pinheiro, Duarte e Mermelstein foram para o exílio na Argentina, Jones para o Canadá. Bucchioni e Quintiliano não conseguiram fugir, foram presos e confinados no Estádio Nacional de Santiago, juntamente com milhares de outros militantes chilenos. O primeiro conseguiu sair para o exílio e dirigiu-se para Portugal, mas Tulio teve um trágico destino, sendo assassinado de modo cruel pela ditadura de Augusto Pinochet. O trotskismo ortodoxo brasileiro era castigado com seu primeiro mártir antes mesmo de pisar no Brasil.
Na Argentina, os brasileiros exilados mantiveram estreito contato com a direção do Partido Socialista de los Trabajadores (PST) e discutiram como estes como organizar uma nova organização trotskista no Brasil. Não era a primeira vez que os argentinos entravam em contato com militantes brasileiros. Já em 1971, Julio Tavares militante da Fração Bolchevique Trotskista (FBT), oriunda em 1966 do Partido Operário Revolucionário – Trotskista (POR-T) havia participado de um curso de formação promovido pelo PST na Argentina.
Desta vez, entretanto, os contatos se mostraram mais entusiasmados com a proposta. Nahuel Moreno, um dos dirigente do PST era cauteloso e até mesmo cético a respeito das possibilidades de levar essa empresa a bom termo. Aconselhava esperar mais. Considerava que o grupo tinha aquelas características boêmias e intelectualistas de muitos exilados e temia que fossem massacrados rapidamente pela ditadura. Paulo Skromov se encontrava na Argentina na época e lembra ter se reunido com esses exilados na sede do PST argentino:
“Freqüentei por certo tempo a sede do PST: lá havia uma editora e livraria, onde eu ficava lendo. Um dia, o próprio Moreno mandou me chamar − ele era dono de um restaurante atrás da livraria, onde a maioria dos militantes almoçava. Disse que me dava um vale mensal para o restaurante se eu o ajudasse a bolchevizar alguns companheiros que eram refugiados do Chile. E fui para a reunião. Lembro-me que tinham um texto sobre o Brasil em que diziam que o regime militar brasileiro era fascista. Era comum, nos países sul-americanos, culpar o Brasil. Conceituavam nosso país como subimperialista. “[11]
Nas reuniões que fizeram na Argentina os brasileiros discutiram um programa para o Brasil e traçaram planos para a construção de uma nova organização. Estavam impacientes e queriam voltar logo. Temiam perder suas raízes com a realidade brasileira e tornar-se definitivamente “exilados”, realizando assim a maldição à qual haviam sido condenados pela ditadura. As discussões eram acompanhadas por dirigentes do PST, com os quais os brasileiros discutiam suas ideias. O Brasil ocupava uma posição estratégica na política latino-americana e a Revista de América, publicada pelos argentinos trazia com frequência artigos de análise da realidade brasileira. Tinham, assim, algum conhecimento do desenvolvimento recente do capitalismo brasileiro e da situação atual do governo. Sobre as esquerdas brasileiras, os argentinos sabiam muito pouco, confundindo-se muitas vezes com a profusão de siglas das organizações guerrilheiras.[12]
Os contatos dos brasileiros com militantes de seu país permitia que estivessem melhor informados a respeito da situação da classe trabalhadora e da juventude. Era com base nessas informações que começaram uma visão mais adequada sobre as possibilidades efetivas existentes no país para uma nova organização revolucionária. Em uma reunião realizada em Buenos Aires no final de 1973 decidiram voltar a seu país e fundar uma organização que se chamaria Liga Operária e editar um jornal de nome Independência Operária. Segundo Waldo Mermelstein:
“A conclusão política do grupo era a de que após os anos de retrocesso, havia sinais de reanimação no movimento de massas do país. A ditadura sabia que teria que implementar medidas de descompressão controlada para evitar uma radicalização social e a euforia do milagre econômico havia terminado, fazendo com que a classe média começasse a passar à oposição ao regime. Vimos que havia espaços que se abriam e resolvemos voltar ao país, mesmo que os camaradas argentinos tenham expressado dúvidas quanto à conveniência daquele momento pela repressão da ditadura e pela nossa inexperiência.”[13]
Em fevereiro, Mermelstein fez uma viagem exploratória para retomar alguns contatos que haviam sido feitos em Buenos Aires. Trazia consigo, disfarçados dentro de capas de LPs, o documento nacional da nova organização e a primeira edição do Independência Operária, impresso em Buenos Aires, o jornal da nova organização. No grupo, ele era a pessoa apropriada para essa primeira missão de reconhecimento. Havia feito alguns contatos durante sua estadia no Chile e na Argentina e era desconhecido da ditadura, enquanto outros como Pinheiro e Maria José temiam serem ainda procurados pela polícia.
Na volta ao Brasil as relações de Dudu Rabêlo, que militava com o Ponto de Partida no Chile, foram muito importantes. Ele era filho de José Maria Rabêlo, destacado jornalista da imprensa alternativa mineira e membro do então Partido Trabalhista Brasileiro. Desde muito cedo circulou em um ambiente no qual a discussão sobre a situação nacional era constante e construiu uma ampla rede de contatos políticos e sociais que foram depois muito úteis para o jovem grupo. Foram esses contatos que Mermelstein procurou quando voltou ao Brasil.
Os primeiros encontros políticos foram com um primo de Rabêlo, Nelson, e um conhecido dele, William, estudante da Escola de Sociologia de São Paulo que reivindicava parcialmente as ações guerrilheiras dos anos anteriores. Mermelstein não gostou muito das ideias de William, que havia comparecido à reunião com o que lhe pareceu um pretensioso e confuso documento de balanço da luta armada no Brasil. Os acordos, entretanto, evoluíram e ficou a cargo de Nelson a discussão com seu conhecido.
Depois, no Rio de Janeiro, Mermelstein assentou as bases para um núcleo fundador da Liga Operária em uma reunião que fez com um antigo colega do Colégio Israelita de Porto Alegre, Eduardo Skaletsky. Ambos haviam mantido contato em Buenos Aires, logo depois que Mermelstein fugiu do Chile. Da reunião no Rio participaram, também Pérola Engelaum, recente e tragicamente falecida, e outra militante de nome Laís. Há fortes evidências de que os contatos de ambos com a comunidade judaica em Porto Alegre e no Rio de Janeiro foram importantes para a aproximação desses primeiros militantes.
Foi com então com boas notícias que Mermelstein empreendeu o retorno a Buenos Aires e começou a preparar o retorno definitivo do grupos juntamente com seus companheiros. Antes de chegar a seu destino parou em Curitiba, onde tinha um encontro marcado com Pinheiro e Valderez, no qual discutiram os resultados de sua viagem. O advogado de Pinheiro havia dado sinal verde para ele voltar ao país e prosseguiu sua viagem a São Paulo, onde morava sua mãe, acompanhado de Valderez. Em março desse ano Mermelstein retornou definitivamente ao Brasil. Em agosto foi a vez de Maria José voltar. Para concentrar suas parcas forças foram todos para São Paulo, centro econômico e político do país. A Liga Operária dava, assim, seus primieros passos.
[1] Em sua curtíssima trajetória política Lamarca havia militado na Vanguarda Popualr Revolucionária (VPR) e quando esta se fundiu com o Comando de Libertação nacional (Colina), fez parte da nova organização, a efêmera Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares). Poucos meses depois a VPR seria reconstruída, mais uma vez contando em suas fileiras com Lamarca. Em 1971 o capitão deixaria a organização para somar-se ao MR-8.
[2] Independência Operária: pela unificação dos revolucionários brasileiros. a. I, n. 1, fev. 1974, p. 1.
[3] Ponto de Partida. A propósito de un secuestro. Revista de América, n. 8/9, ago. 1972, p. 31.
[4] Idem, ibidem, p. 31.
[5] Idem, p. 32-33.
[6] Apud Idem, p. 30.
[7] Enio Buccionni. Depoimento a Alvaro Bianchi. 6 jul. 2011.
[8] Waldo Mermelstein. Depoimento a Alvaro Bianchi. 5 jul. 2011. Os cordones industriales eram organizações operárias de base, que articulavam as lutas de regiões de Santiago e em momentos críticos converteram-se em uma alternativa de poder. Segundo Waldo Mermelstein, Blanco militava com seu grupo no cordón Vicuña Mackenna e editava o jornal El Cordonazo. Valderez Duarte chegou a trabalhar em fábricas no Chile e a militar diretamente no cordón Vicuña Mackenna. Sobre os cordones chilenos ver Franck Gaudichaud. Poder popular y cordones industriales. Santiago: LOM, 2004.
[9] Cf. Moutta, p. 27.
[10] Hugo Blanco, Peter Camejo, Joseph Hansen, Aníbal Lorenzo e Nahuel Moreno. Argentina and Bolivia the Balance Sheet. International Discussion Bulletin, v X, n. 1, jan. 1973.
[11] Teoria e Debate nº 63 – julho/agosto de 2005. A narrativa é cheia de equívocos. O restaurante ao qual Skromov faz referência era o refeitório do partido que ficava na sede da Calle 24 de Octubre no centro de Buenos Aires. Skromov também erra no relato a respeito da caracterização que o grupo fazia da ditadura militar, considerada como um regime semi-fascista em transição ao bonapartismo e não um regime fascista, como narrado. O grupo também não utilizava a caracterização de subimperialismo, popularizada por Ruy Mauro Marini. Embora alguns militantes desse grupo se lembrem desses encontros com Skromov, consideram pouco provável que Moreno tivesse incumbido o sindicalista de “bolchevizá-los”.
[12] A confusão persegue Ernesto Gonzáles até o fim da vida. Em sua obra sobre o trotskismo argentino, várias vezes afirma que Carlos Marighella era do MR-8.
[13] Waldo Mermelstein. Dos fundadores da Liga Operária ao início dos anos 80. Opinião Socialista, São Paulo, nº 380, 11 jun.2009.
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