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TEORIA

Sindicatos, oposições e redes de solidariedade nos Estados Unidos

Alvaro Bianchi

Este breve artigo pretende descrever três diferentes processos de organização da luta dos trabalhadores nos Estados Unidos: os sindicatos, os grupos de oposição sindical e as redes de solidariedade.

Sindicatos

Os sindicatos estadunidenses funcionam como grandes grupos de pressão legislativa. Organizam lobbies e financiam a campanha de candidatos comprometidos com as reivindicações trabalhistas. Nas recentes eleições para a prefeitura de New York City forneceram o maior número de ativistas para a campanha do democrata Bill de Blasio. Frequentemente, quando mobilizam suas categorias o fazem com o intuito de pressionar os legisladores. Durante o ano de 2013 os sindicatos dos servidores públicos organizaram duas manifestações com mais de 5 mil pessoas. Os trabalhadores públicos estão há mais de três anos sem um contrato salarial e pressionavam não apenas o governador Andrew Cuomo, como também procuravam, por meio dessas manifestações, incidir nas prévias democratas primeiro e nos rumos do novo governo di Blasio depois. Apesar das grandes manifestações e da grave situação dos trabalhadores públicos, nenhuma greve foi convocada.

Em muitos casos, os sindicatos são também grupos financeiros. Administram fundos de pensão e planos de saúde, participam ativamente nas bolsas de ações, têm negócios no mercado imobiliários e movimentam enormes somas de dinheiro. Esta combinação de grupos de pressão e grupo financeiro sintetiza-se no que se conhece como business unionism (sindicalismo de negócios). Nesta modalidade de sindicalismo, a burocratização da entidade assume um caráter empresarial. Como chegou a afirmar o presidente dos poderosos teamsters (caminhoneiros), nos anos 1950, Dave Beck,  “Sindicatos são grandes empresas. Por que motoristas de caminhão e lavadores de garrafas deveriam ser permitidos de tomar grandes decisões que afetam a politica sindical? Alguma corporação permitiria isso?” (apud MOODY, 1988, p. 57).

A filiação aos sindicatos nos Estados Unidos tem caído progressivamente. De acordo com o Bureau of Labour Statistics, em 1983 20,1% da força de trabalho desse país era sindicalizada e em 2013 esse índice caiu para 11,3%. A taxa de filiação é maior no setor público, onde 35,3% dos trabalhadores são filiados e menor no setor privado, com apenas 6,7%. As categorias com maiores taxas de sindicalização são os trabalhadores na educação e saúde. A percentagem de filiados é maior entre os homes (11,9%) do que entre as mulheres (10,5%) e os trabalhadores negros tem índices de sindicalização maiores que brancos, latinos e asiáticos.

Algumas mudanças demográficas tem incidido, entretanto entre esses índices. De acordo com recente estudo publicado pelo Murphy Institute:

“O estereótipo popular de um membro do sindicato é um homem, branco vestindo um capacete, mas de fato tais trabalhadores são atualmente uma minoria entre os sindicalizados. Em 2012-2013, negros, latinos e mulheres perfazem a vasta maioria dos membros dos sindicatos – especialmente em New York, onde apenas 18% dos sindicalizados são homens brancos” (MILKMAN; LUCE, 2013, p. 5.)

O número de greves envolvendo mais de mil trabalhadores é muito baixo. Em 2013 ocorreram apenas 15 greves com mais de mil trabalhadores envolvendo um total de 55 mil empregados; no ano anterior ocorreram 19 greves com 149 mil trabalhadores parados ao todo. O pico histórico ocorreu no ano de 1952, com 470 greves e 2,746 milhões de trabalhadores parados..

Apesar do pequeno número de greves os sindicatos necessitam manter certos níveis de atividade sindical para realizar a pressão desejada sobre os legisladores ou obter os resultados eleitorais esperados. Por essa razão são relativamente frequentes as manifestações sindicais, os atos de protestos, as marchas ou caravanas. Em New York City, por exemplo, o SEIU 1199 realizou durante o ano de 2013 dezenas de passeatas e atos reunindo algumas centenas de pessoas contra o fechamento do Interfaith Hospital e do Long Island College Hospital, localizados no Brooklyn. Também foi intenso o envolvimento dos sindicatos na defesa de uma reforma da lei migratória, realizando atos regionais, dias nacionais de manifestações e pelo menos uma grande caravana a Washington.

Nessas manifestações é possível verificar uma combinação de um discurso classista que ressalta a força dos trabalhadores e o poder dos sindicatos com a fé cega nos resultados da pressão sobre os legisladores. É comum a presença de vereadores, congressistas, lideranças comunitárias e religiosas. Os Sindicatos dos trabalhadores da educação e saúde tem fortes relações com as comunidades e muitas vezes dão a essas mobilizações um caráter-popular sindical.

Devido à forte burocratização dos sindicatos e seu caráter empresarial amplos setores da extrema esquerda recusam-se a participar das mobilizações convocadas pelos sindicatos, a estabelecer políticas de unidade de ação, a lutar contra a burocracia dentro das entidades ou simplesmente a participar da vida sindical. Experiências negativas após a vitória de chapas de oposição no Transport Workers Union Local 100 (TWU), em 2000, e no Chicago Teachers Union (CTU), em 2010, serviram como pretexto para um afastamento ainda maior dos sindicatos. Nesses dois casos, imediatamente após a vitória eleitoral as novas direções aceitaram acordos desfavoráveis aos trabalhadores. No TWU o vice-presidente, um militante do Socialist Action renunciou à diretoria após o acordo. O mesmo não aconteceu no CTU, onde um conhecido militante da International Socialist Organization permaneceu no posto de vice-presidente.

Oposições sindicais

Em muitos Sindicatos existem grupos de oposição (reform caucus) que desafiam a política da burocracia sindical exigindo mais democracia nos sindicatos e uma atitude mais combativa nas negociações salariais. Durante a campanha para as eleições sindicais de 2009, nos Teamsters Local 814 em New York City o grupo de oposição New Direction repetiu exaustivamente: “É hora de acabar com as concessões” (SLAUGHTER, 2009.)

Na maior parte das vezes o programa dessas oposições é estritamente econômico-corporativo, evitando estender o confronto para a arena política. Desse modo mantém, muitas vezes, a esperança de conquistar o apoio de setores vinculados ao Partido Democrático ou de provocar rupturas no interior dos grupos dirigentes nos sindicatos.

Grupos como o Caucus of the Rank and File Educators (CORE) dos professores de Chicago e Movement of the Rank and File Educators (MORE) de New York têm a presença de algumas organizações de esquerda como a International Socialist Organization (ISO), Socialist Action (SA) e Socialist Alternative (Salt). É também comum a presença de uma burocracia de esquerda ou de rupturas das listas majoritárias nesses grupos de oposição. A vitória eleitoral do CORE em Chicago parece ter servido como estímulo a um novo movimento de reformas nos sindicatos. De acordo com Mark Brenner, editor de Labor Notes, “dezenas de grupos de oposição sindical como o CORE brotaram por todo o país nos últimos cinco anos, para desafiar os líderes não-representativos, resistir às concessões, construir laços com a comunidade, promover a democracia interna e controle da entidade pelos seus membros.” (BRENNER, 2013)

A trajetória dos oposicionistas no metrô de New York City (TWU Local 100) ilustra os limites dessas oposições. Em 2000, depois de muitos anos de luta, a oposição denominada New Directions derrubou a burocracia do Sindicato e elegeu Roger Toussaint como presidente da entidade. Os conflitos entre o estilo burocrático da nova diretoria e uma aguerrida militância de base logo apareceram. A traição da direção sindical na greve de 2005 conduziu a um novo movimento de oposição denominado Take Back Our Union (TBOU), liderado por John Samuelsen, um ex-companheiro de Toussaint. Os oposicionistas venceram as eleições sindicais de 2009. A plataforma do TBOU era bastante simples de acordo com o novo presidente: “construir o poder da base e reestabelecer a força do sindicato nos locais de trabalho.” (apud EARLY, 2009.) A participação da esquerda nesta nova lista de oposição, é, entretanto, muito menor.

Estes grupos de oposição costumam reunir os ativistas mais jovens e combativos das categorias, os quais alimentam um forte sentimento antiburocrático. Também é comum a participação de negros, latinos e mulheres. Esses ativistas mantém fortes conexões com os trabalhadores nos locais de trabalho e participam ativamente da vida do sindicato, autodefinindo-se como membros do sindicato (union members). Mas, ao mesmo tempo, não costumam ver muitas alternativas de organização fora dos sindicatos oficiais.

Redes de solidariedade

Os Estados Unidos tem uma forte tradição associativa. A presença das igrejas protestantes é muito forte, a enraizada tradição do sindicalismo e a luta pelos direitos civis e contra a guerra do Vietnam deixaram atrás de si uma enorme quantidade de organizações, coalizões e movimentos sociais. Nos últimos quinze anos esse associativismo ganhou uma nova força no movimento antiglobalização, que se expressou com força a partir das manifestações em Seattle em novembro de 1999, e chegou a seu ápice durante o movimento Occupy em 2011.

Não existe um diretório centralizado dessas organizações que forneça seu número e a quantidade de pessoas que elas aglutinam. Mas a intensidade dessa corrente associativa pode ser ilustrada com um exemplo particular. Existe em New York City  um grupo de haitianos que há muitos anos militam na cidade e mantinham ligações com Batay Ouvryere no Haiti.  Em maio de 2013 eles organizaram um fórum para discutir a luta contra os sweatshops no Haiti e na República Dominicana. Depois desse fórum foram organizadas reuniões semanais, nas quais discutíamos atividades comuns e a participação nas lutas sociais em New York.

Um debate logo se estabeleceu no interior do grupo. Alguns militantes, em sua maioria membros da corrente denominada Socialist Action, diziam que aquele fórum deveria ter por única atividade a luta contra os sweatshops. Outros, dentre os quais os haitianos, afirmavam que o importante era um compromisso classista e internacionalista e que aquele fórum deveria se envolver em todas as luta da cidade, propondo essa perspectiva. Os militantes do Socialist Action se retiraram do fórum e os demais fundaram um coletivo chamado International Workers Solidarity (IWS), o qual participou ativamente das manifestações contra a repressão no Brasil e a invasão do Hait. O IWS também esteve presente em manifestações dos servidores públicos e contra as batidas policiais (stop and frisk) nos Estados Unidos.

Durante os meses de junho e julho de 2013, brasileiros residentes em New York City se mobilizaram protestando contra a repressão às manifestações no Brasil. Dessa mobilização surgiu o NYC Solidar, um coletivo que reunia militantes do IWS, brasileiros que haviam participado do Occupy Wall Street e ativistas locais. Esse grupo foi muito ativo até agosto, quando foi afetado pelo refluxo do movimento no Brasil. Em outubro, os membros do IWS remanescentes decidiram dissolver-se na seção nova-iorquina de One Struggle, uma organização classista, autônoma e internacionalista com alguma presença em South Florida.

Nesse mês, One Struggle New York começou a organizar reuniões contra a legislação xenófoba aprovada na República Dominicana, a qual cassava os direitos de cidadania dos descendentes haitianos que haviam nascido depois de 1929. Nesse contexto participou da criação do Quisquiyano-Haitian-Domenican Workers Committee, no Brooklyn, e do Domenican For Rights, em Washington Heights. Ambos comitês duraram apenas algumas semanas, mas permitiram a realização de algumas atividades locais.

Essa intensa dinâmica não é uma exceção. Toda semana surgem em New York novos grupos ou coalizões com objetivos mais ou menos amplos. Uma parte importante destes, como International Workers Solidarity e One Struggle, procuram associar-se às lutas dos trabalhadores nos locais de trabalho. Alguns desses grupos encontram-se ligados aos sindicatos, às igrejas ou ao Partido Democrático. Mas é grande o número de grupos independentes e autônomos, de orientação classista, como o 99 Pickets, uma organização de solidariedade aos trabalhadores que surgiu a partir do movimento Occupy Wall Street. O 99 Pickets realiza, principalmente, ações de denúncia em fast foods ou grandes magazines que exploram sweatshops na Ásia.

Organizações como 99 Pickets assumem explicitamente a forma de redes de solidariedade (solidarity networks) e procuram estender as práticas políticas do movimento Occupy na organização dos trabalhadores, apresentando-se como uma alternativa ao velho movimento sindical e às oposições sindicais. Além de New York experiências similares também se desenvolveram em Boston, Seattle e Portland, além de outras grandes cidades (cf. SEASOL, 2013).

O que parece ser uma característica dessas redes de solidariedade é o fato de concentrarem suas atividades nos trabalhadores precarizados ou não sindicalizados. É o caso, por exemplo dos trabalhadores da rede Wal-Mart, uma das empresas mais repressivas dos Estados Unidos, ou das redes de fast food, como McDonalds, Wendy’s, Hot & Crusty e outras. Em junho de 2013, cerca de quatrocentos trabalhadores de fast foods pararam em Seattle e fecharam completamente três lojas (BROWN, 2013). Em agosto os protestos se estenderam a 58 cidades dos Estados Unidos reivindicando o aumento do salario mínimo. Varias lojas foram ocupadas e tiveram que fechar as portas (BROWN, 2013a).

Como era de se esperar o sindicalismo oficial percebeu a oportunidade para expandir seu quadro de membros e começou a agir. De acordo com Labor Notes, no final de 2013, o SEIU tinha 40 organizadores sindicais trabalhando apenas na cidade de New York sobre o setor de fast food (Idem). Não é fácil, entretanto, para os sindicatos organizar estes setores, compostos em sua maioria de trabalhadores latinos precarizados, muitos indocumentados. A rotatividade nos postos de trabalho é elevada e a repressão intensa. Por outro lado, as redes de solidariedade oferecem organizações ais flexíveis e democráticas e tem avançado rapidamente nesses setores.

Referências bibliográficas

BRENNER, Mark. Reform Rekindled. Labor Notes, 10 jun. 2013.

BROWN, Jenny. Fast Food Strikes: What’s Cooking? Labor Notes, 24 Jun. 2013. Disponível em:  http://bit.ly/WGbb3M

BROWN, Jenny. Thousands Strike Fast Food, Picketing and Occupying. Labor Notes, 30 Aug. 2013a. Disponível em: http://bit.ly/1nxvjOU

BSL. Major Work Stoppages (Annual) News Release. Bureau of Labor Statistics, 2013. Disponível em: http://1.usa.gov/1x7Rc97

BURLEY, Shane. Solidarity networks spread as a new alternative to ‘alternative labor’. Waging Non Violence, 23 Oct. 2013. Disponível em: http://bit.ly/1nEP7BA

DOWNS, Steve. ‘Take Back Our Union’ Slate Wins New York Bus & Subway Local. Labor Notes, 9 Dec. 2009. Disponível em http://bit.ly/1nEP5cY

EARLY, Steve. NYC Reformers Rise Again—In Transit And Teamsterdom. In These Times, 9 Dec. 2009. Disponível em: http://bit.ly/1z8ZikD

MILKMAN, Ruth; LUCE Milkman, Stephanie Luce. The State of the Unions 2013: A Profile of Organized Labor in New York City, New York State, and the United States. New York: The Joseph S. Murphy Institute for Worker Education and Labor Studies  and the Center for Urban Research, CUNY Graduate Center, 2013.

MOODY, Kim. An Injury to All: The Decline of American Unionism, San Francisco, CA, & Chelsea, MI: Verso, 1988.

SEASOL. Other similar, allied, and/or cool organizations. 2013. Disponível em: http://bit.ly/1x7QQzf

SLAUGHTER, Jane. Movers and Shakers. Labor Notes, 30 oct. 2009. Disponível em: http://bit.ly/1sZw47h

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