Duas estratégias contra o bolsonarismo
Publicado em: 5 de novembro de 2022
Brasil
Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Brasil
Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Dobrado é o perigo de quem foge ao inimigo
Maior é o perigo onde maior é o medo
Sabedoria popular portuguesa
1. Qual deve ser a estratégia da esquerda diante da permanência do bolsonarismo?
Esta é a primeira e mais importante definição que será imposta pela nova conjuntura. Claro que uma tática que explore as possibilidades de divisão da extrema-direita isolando a corrente neofascista é inteligente. Semear a discórdia, alimentar as discordâncias, fomentar a cizânia é sempre útil. Mas são, essencialmente, duas as possíveis estratégias. Entre elas sempre haverá mediações intermediárias, mas são duas. A primeira foi apresentada, singelamente, por aqueles que sugeriram uma reunião de Lula com Bolsonaro, até com direito a foto. A segunda é apostar na investigação, condenação e prisão de Bolsonaro. A primeira admite como inevitável a permanência de uma corrente neofascista com influência de massas. O principal argumento é que o bolsonarismo passou a fazer parte da “paisagem” institucional. Então o melhor seria não somente aceitar, mas pressionar pela “normalização” do bolsonarismo. Não provocar. E realizar gestos que sinalizem a disposição de convivência inspirada pelo respeito democrático do governo Lula com a oposição de direita, até mesmo de Bolsonaro. A segunda afirma que nada disso é possível. Defende que o bolsonarismo é uma corrente neofascista com um pé na legalidade, e outro pé na conspiração golpista. As ambiguidades das declarações de Bolsonaro, desde a eleição, são somente dissimulação. Ao perder a blindagem jurídica do cargo, Bolsonaro deve se investigado e punido. “Desbolsonarizar” as instituições, a começar pelas polícias, em especial, pela Polícia Rodoviária Federal, em função dos escândalos acumulados, deverá ser um combate incontornável. Esta tarefa não pode ser terceirizada para a Justiça como se fosse uma rotina administrativa. Ela só poderá ser conquistada com uma campanha política de agitação e mobilização de massas.
2. A subestimação do perigo bolsonarismo tem sido o erro mais importante da esquerda brasileira desde 2018. Às vésperas do segundo turno prevalecia a ideia “facilista” que a vitória viria por uma diferença igual à do primeiro. O facilismo é mais que otimismo ingênuo. É uma mentalidade que diminui as forças do inimigo e desconsidera a gravidade do conflito. Devemos reconhecer, honestamente, que há um padrão. Agora se despreza a importância do bloqueio de estradas, e das concentrações na frente dos quartéis. O bolsonarismo já demonstrou que tem capacidade de colocar nas ruas centenas de milhares. Não vai ter golpe para impedir a posse de Lula. Murchou a mobilização que usou os caminhoneiros como faísca para insuflar a defesa de intervenção militar. Mas o protesto foi além da desobediência civil, e serviu para indicar a estratégia feroz do bolsonarismo na oposição. Eles não renunciaram à luta pelo poder. Quando puderem não hesitarão em se apoiar em mobilizações contrarrevolucionárias para derrubar o governo Lula, inspirados no impeachment de Dilma. Se não o conseguirem, procurarão acumular forças para as eleições de 2024 e 2026. Se, eventualmente, o trumpismo tiver uma vitória nas eleições nos EUA no próximo dia 8 de novembro, a possibilidade de uma forte candidatura de Trump irá reforçar a extrema-direita mundial, inclusive o bolsonarismo, se até lá não tiver sido derrotado.
3. Um dos temas importantes ainda pouco esclarecidos na esquerda é compreender por que Bolsonaro não construiu um partido. Não construiu antes de 2018 porque não tinha força. Usou uma legenda de aluguel que já nem existe mais, o PSL de Luciano Bivar, um obscuro deputado reacionário de Pernambuco. Nesse terreno da tática eleitoral imitou o que Fernando Collor fez em 1989, quando se filiou ao Partido da Juventude, rebatizado como PRN, Partido da Reconstrução Nacional. Depois de eleito flertou com o projeto do Aliança Brasil, mas recuou. Desistiu da legalização de um novo partido porque, depois da crise com Sergio Moro, precisava incorporar como protagonista o Centrão no governo para preservar a coesão da coalizão de partidos que garantiam a sua sustentação no Congresso Nacional. Um partido próprio, em que teria hegemonia incontestável, seria um rival dos partidos de extrema-direita já estabelecidos, como o Partido Liberal, o Partido Popular, e o Republicanos, além do PTB, Patriotas e outras legendas de aluguel. Mas agora que perdeu as eleições terá tempo e o mais provável é que vai construir. Já há uma rede subterrânea que opera através das redes sociais organizadas por um centro político. Já conseguiu garantias de que o PL irá sustentar o centro político que pretende construir.
4. Qual será o lugar de Bolsonaro na oposição a Lula? Bolsonaro será a principal liderança da oposição ao governo Lula, se não for detido. Não há qualquer outro chefe político que possa, remotamente, concorrer com a confiança que despertou. È uma ilusão de ótica institucionalista imaginar que, por não ter mandato, Bolsonaro deixará de ser ouvido e seguido. O bolsonarismo tem implantação social e presença nacional. Responde a uma base social que une frações poderosas do agronegócio com a massa da pequena-burguesia, dividiu a classe trabalhadora arrastando um pouco mais da metade dos assalariados de renda média e tem audiência em setores populares.
5. O mais importante é que não se deve repetir os mesmos erros de 2015. Seria imperdoável desconhecer que a tática de nomear Joaquim Levy e ceder à chantagem dos grupos capitalistas mais poderosos foi fatal para o destino do governo Dilma Rousseff. A classe dominante brasileira não merece nenhuma confiança. A questão central no Brasil não é a pressão inflacionária ou crescimento da dívida pública. Quem está defendendo Meirelles para o Ministério da Fazenda não aprendeu nada. Esse projeto tem implícita uma aposta na “tranquilização” dos investidores internacionais e nacionais como resposta à longa estagnação econômica. Não é possível sem uma elevação da superexploração dos trabalhadores nivelada pelo padrão do sudeste asiático. O caminho passa pela elevação de impostos os grandes capitalistas, a começar pelas grandes fortunas. O desafio central será buscar sustentação na mobilização operária e popular. O governo Lula repousará, essencialmente, na capacidade da esquerda reunificar a classe trabalhadora.
In english: Two strategies against Bolsonarism
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