Michelangelo Marques Torres
“Não mexo em direitos trabalhistas nem que a vaca tussa. (…) Eu não mudo direitos na legislação trabalhista”. Dilma Rousseff às vésperas das eleições de 2014.
“A confiança é a mãe das decepções”
sabedoria popular
A conjuntura brasileira tem se dinamizado substancialmente no segundo mandato do governo de coalizão liderado pelo PT, com a reeleição de Dilma Rousseff, após a mais acirrada e polarizada eleição desde 1989. O quarto mandato consecutivo do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal tem sido demarcado pelo aprofundamento da crise econômica e política no país – relegando para o campo da falsa consciência o ditame de Lula da Silva, quando disse, em seu governo, que a crise internacional não iria adentrar no Brasil, posto ser apenas “uma marolinha”.
Logo em seu discurso de posse, no início do ano, Dilma assumiu o compromisso com a Pátria Educadora (que teve posteriormente mais de R$ 9 bilhões de recursos cortados do orçamento da educação), afirmando que não reduziria direitos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”. Pelo visto, em 7 meses a vaca não só tossiu como está engasgada, às vésperas de agonizar.
Desde o início do semestre vivenciamos uma batalha seminal de ataques aos direitos do conjunto da classe trabalhadora no país. Nesse período, impôs-se a deterioração do cenário econômico, endividamento, aumento de preços de itens básicos, alto patamar da taxa de juros, estagnação econômica, queda no preço dos produtos primários, esforço pela manutenção do superávit primário, medidas provisórias contra os direitos trabalhistas e instabilidade política. Como se não bastasse, o início dos índices de desemprego e a redução de novos postos de trabalho aprofundam as condições de vida dos trabalhadores. Somado a esse quadro há escândalo de corrupção e ajuste fiscal rigoroso e corte dos gastos sociais orçamentários. Ao mesmo tempo em que o governo destinou quase metade do orçamento federal (44%) de 2014 para pagar juros da dívida para o capital financeiro internacional – o que rendeu a Dilma elogios da presidente do FMI-, tem sido imposto um ajuste fiscal e medidas de austeridade, com corte de R$70 bilhões no orçamento, atingindo saúde (R$ 11 bilhões), educação (R$ 9,4 bilhões) e moradia.
Não é à toa que os primeiros 6 meses de mandato de Dilma batem recorde de rejeição popular, atingindo a marca de 65%, perdendo apenas para o governo Collor às vésperas do Impeachment, em 1992. Como disse Lula, “Dilma está no volume morto, o PT abaixo do volume morto”.
O campo governista procura blindar o governo, advogando que a direita e o Congresso Nacional não tem permitido a governabilidade do PT, impondo uma pauta reacionária, a exemplo da proposta de redução da idade penal. Ocorre que as MPs 664 e 664, formuladas logo no final de 2014, se originaram diretamente da Presidência da República (com amplo apoio do Congresso Nacional conserdador-reacionário), as quais restringem o acesso dos trabalhadores ao abono do PIS, ao seguro-desemprego, a pensão por morte e ao auxílio defeso dos pescadores. Também vimos o “não” da Presidenta ao fim do fator previdenciário (reivindicação histórica do movimento sindical) e a adoção, via medida provisória, da nova fórmula da aposentadoria, seja com o fator 85/95 ou, em seguida, com a fórmula estendida 90/100, condenando os trabalhadores e as trabalhadoras a labutarem até a morte, praticamente. No bojo desses ataques aos trabalhadores, vimos surgir, ainda, por parte da direita, o projeto das terceirizações, que na verdade regulamenta e estende o trabalho precarizado e desprotegido para todas as atividades – a “lei da selva no mercado” que irá desregulamentar as condições de trabalho de mais de 40 bilhões de trabalhadores no país. Como destaca o estudioso de sociologia do trabalho da Unicamp, o prof. Ricardo Antunes, “no fundo significa rasgar a CLT no aspecto que ela tem de mais positivo, qual seja, no aspecto em que ela cria um patamar básico de direito do trabalho, que vai ser eliminado”[1]. Acrescentemos nós, que a parcela da classe trabalhadora mais precarizada já é constituída por jovens, mulheres, negro(a)s e pobres das periferias, os setores mais intensamente explorados e oprimidos da classe.
Se, por um lado, Dilma tem governado para o grande capital, junto com partidos aliados de direita, por outro lado, sente o imperativo de oferecer respostas políticas a base social de seu governo, apesar do apoio e blindarem por parte do campo governista. Por isso tem procurado dissociar, como se fossem opostos, os planos do PT dos projetos de Eduardo Cunha e dos ajustes econômicos de Joaquim Levy (ministro nomeado pela própria presidenta).
Uma das medidas que o capitalismo brasileiro tem se valido para intervir em favor das empresas atingidas pela crise de produção, além do IPI e outros atrativos para o capital, tem sido o recuso ao Lay Off. No que consiste? A medida foi criada no início da década passada para empresas enfrentarem suas crises econômicas (produção e vendas). Trata-se de uma medida que suspende temporariamente o contrato de trabalho durante alguns meses, com a desculpa de que os trabalhadores possam fazer cursos de qualificação nesse período e receber seguro desemprego (com complementação salarial por parte da empresa). Para se fazer valer, a medida deve ser negociada com os sindicatos. Ocorre que muitos trabalhadores acabam sendo demitidos logo após retornarem do lay off.
A mais nova medida do Governo Federal, a Medida Provisória 668, assinada por Dilma em 06 e julho deste ano, implementa o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). No que consiste essa medida? A princípio pode parecer uma medida progressiva, afinal diz proteger o emprego dos trabalhadores. O PPE é apresentado como “alternativa” ao lay off. Vejamos se ele é solução. O PPE é uma nova versão do ACE, do qual já alertávamos há 3 anos. Na ocasião dizíamos:
Vivenciamos um monumental processo de desconstrução dos direitos sociais por parte dos capitais em todas as partes do mundo – tanto nos países centrais como nos países periféricos e subordinados, como é o caso brasileiro. Desde o aparecimento do ornitorrinco na década de 1990, para lembrarmos a metáfora do professor Francisco de Oliveira, convivemos com os esforços de desmonte de nossa recente e delicada legislação social e trabalhista[2].
Caracterizamos o Acordo Coletivo Especial do Trabalho como um projeto patronal encampado por setores cutistas. Baseava-se na livre negociação e flexibilização das leis trabalhistas. O projeto de lei não passou, foi alvo de intensa mobilização popular. Em nossa compreensão, o PPE é, em larga medida, assemelhado ao ACE. São medidas aparentadas e oriundas do mesmo projeto político de desmonte neoliberal. Vejamos no que consiste.
A recente Medida Provisória editada pelo Governo Fedaral, MP680/15, denominada por Programa de Proteção ao Emprego (PPE), é apresentado por Dilma como sendo uma medida de proteção de empregos em contexto de crise. No plano fenomênico, das aparências ilusórias e do discurso ideológico, o PPE é a solução para a crise do setor produtivo e se apresenta como o verdadeiro sistema de proteção de empregos do governo de colaboração de classes. O programa foi anunciado como sendo pauta do “movimento sindical” para alternativas em casos de situações de crise das empresas. “Se necessário, vamos sensibilizar os parlamentares para os ajustes necessários, afirmou o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. “O PPE será uma alternativa muito importante para preservar os empregos no país”, também defende o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (filiado à CUT) Rafael Marques.
Em verdade, o plano em curso permite aos empresários patronais garantirem seus lucros poupando gastos com salários e recorrerem ainda mais aos recursos públicos, reduzindo a jornada de trabalho, com redução proporcional dos salários. Com a medida, as empresas poderão reduzir em até 30% a jornada de trabalho e os gastos com salários. Até 15% do salário passa a ser financiado pelos fundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ou seja, o empregador se exime de arcar com esse percentual. Já o restante, o que pode chegar até 15% do salário, o trabalhador perderá completamente (redução involuntária).
Vamos aos cálculos. Um funcionário cujos rendimentos mensais, hoje, giram em torno de R$ 3 mil poderá ter a jornada de trabalho reduzida em 30%, passando a receber R$ 2.500. Desse novo rendimento, R$ 450 serão pagos pelo governo, via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e R$ 2.100 pela empresa (havendo, portanto, uma perda salarial de 15% para o funcionário). Sem contar que o trabalhador, ao perder parte do salário, diminuirá a contribuição ao INSS, com a Previdência; impactando, ainda seu FGTS (fundo de garantia).
Em que o PPE é positivo para os patrões? A medida provisória permite reduzir gastos sociais da empresa com folha de pagamento em até 30% – redução dos custos de encargos e salários -, ao mesmo tempo em que o governo subsidia as corporações capitalistas. O PPE é favorável, também, a conjuntura de ajuste fiscal do governo, uma vez que substitui o lay off no intuito de cortar gastos com o seguro-desemprego (na esteira da medida provisória anterior, a qual dificulta o acesso do trabalhador a esse direito).
Contrariamente ao que advogam os ideólogos do capital, o programa não garante estabilidade e aumenta o arrocho dos salários dos trabalhadores. A CUT e a Força Sindical, maiores centrais sindicais do país, encampam esse programa junto com a patronal. No fundo, as empresas que remetem lucros estratosféricos às suas matrizes, muitas delas internacionais, almejam responsabilizar os trabalhadores pela crise do país. Apenas o setor automobilístico foi subsidiado em quase R$ 30 bilhões pelo governo (incentivos fiscais), que mesmo assim foi incapaz de conter as centenas de milhares de demissões no setor. Como se não bastasse, o governo reduziu, nos últimos anos, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para o setor, desonerou a folha de pagamento, ofereceu o programa de incentivo a produção, Inovar Auto, além de conceder empréstimos via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a baixos juros e ótimas condições de prazos. Por outras palavras, o governo e as principais centrais sindicais do país (CUT e Força Sindical) procuram salvar o lucro do empresariado com a desculpa de assegurar empregos em contexto de crise econômica. Trata-se de uma aliança de colaboração de classes entre o sindicalismo em era pós-fordista financeirizada e o grande capital, sob a bênção do governo.
As empresas defendem a terceirização do trabalho e o PPE como medidas de corte de seus gastos sociais, a fim de auferir maiores lucros com base na exploração e intensificação do labor dos trabalhadores, os quais têm seus direitos cada vez mais flexibilizados em nome de uma suposta “inevitabilidade do mercado”. Mas por que as empresas não flexibilizam e terceirizam seus lucros? Por que não transferem a gestão e o controle da produção para o coletivo de trabalhadores? Contrariamente ao PPE, devemos lutar pela redução da jornada de trabalho sem redução dos salários (com garantia de seu pagamento integral), proibir a remessa de lucros de empresas estrangeiras para o exterior e assegurar os empregos. Por que não estatizar as empresas que realizam a demissão em massa de trabalhadores?
Finalizando, é preciso dizer que o PPE é mais uma medida do pacote de ataques do governo ao conjunto da classe trabalhadora. Para aqueles que ainda não perceberam, o governo do PT tem realizado uma verdadeira (contra)reforma trabalhista de caráter neoliberal por meio de Medidas Provisórias. Quem garante que o PPE não será estendido para as empresas de outros setores, como o comércio e os serviços? Quem garante que os trabalhadores não serão demitidos? Com o rebaixamento dos salários, como as famílias dos trabalhadores poderão sobreviver em período de crise? Talvez a melhor indagação que fica seja: com o aprofundamento da crise, quem paga a conta?
[1] Em entrevista “Terceirização é escravidão do século 21”, de 13/04/2015 (acessado em 17/07/2015).
[2] Conferir “Os interesses do capital encampados pelo recente sindicalismo brasileiro”
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