Renato César Fernandes |
Comparei o programa a uma caixa de ferramentas variada e a utilizamos tal como emprega um bom artesão. Se há que realizar algum trabalho determinado, busca na caixa a ferramenta mais conveniente para esse trabalho particular. Retiremos do Programa de Transição o mais adequado e apropriado ao nível de desenvolvimento do movimento de massas, de sua consciência, de sua disposição para assumir este ou aquele elemento do programa. E se não contém o elemento preciso para a ocasião, pode ser necessário formular outros novos[1].
George Novack
O lugar que ocupa e o papel que cumpre o Programa de Transição é bastante polêmico, mesmo para os defensores da Quarta Internacional. Alguns debates que ocorreram sobre ele no movimento trotskista, remontam as diversas concepções expressas na formulação inicial do programa da Internacional Comunista entre o III e o IV Congresso (1921-1922)[2].
Neste artigo iremos debater a interpretação sobre o método do Programa realizada por George Novack (1905-1992). Novack foi um intelectual estadunidense que se radicalizou nos anos 1930 e aderiu a Quarta Internacional, sendo um dos principais dirigentes da corrente no país até o início da década de 1970.
Para ele, o Programa de Transição “é só uma parte do programa fundamental da Quarta Internacional” (NOVACK, 1972). O Programa de Transição é a síntese da experiência política e teórica do movimento trotskista expressa na forma de um programa, transformando-o em guia para ação – experiência que partia desde a época do Manifesto Comunista, onde ocorreu a primeira formulação do programa marxista, até as conclusões dos anos 1930, após a contrarrevolução stalinista e o surgimento do fascismo. A interpretação de Novack está sintetizada no artigo The role of Transitional Program in the revolutionary process (1972).
Num curso clássico, nos meios trotskistas, sobre a lógica marxista, Novack considera que a formulação do programa de transição representa um giro dialético para o movimento trotskista (2006, p. 78). Com essa transformação dialética, ele justamente quis afirmar a superação das contradições nas quais estavam colocados os programas anteriores do movimento marxista que tinham como objetivo o socialismo, mas que não conseguia combinar os diversos tipos de reivindicações do proletariado: as parciais, as democráticas e as transitórias. O mérito do Programa, tal como veremos, é justamente a combinação dessas tarefas na ação política.
Antes de debatermos as formulações de Novack, pensamos ser necessário apresentar algumas formulações de Ernest Mandel (1923-1995), dado a influência que teve sobre a interpretação do Programa de Transição em diversas organizações trotskistas.
Esse é um artigo mais próprio de uma “história das ideias” do que de uma “história intelectual”. Nesse sentido, o importante aqui são as ideias que os autores expressaram em determinados artigos políticos e teóricos e não uma análise que relacione essas ideias com os contextos nos quais surgiram. Advertimos isso ao leitor, pois sabemos que esse tipo de interpretação tem sua validade, mas contém diversos limites para a compreensão e reconstrução dos argumentos dos autores.
Ernest Mandel e as reivindicações transitórias
De determinada forma, Mandel interpretava o Programa de Transição dando uma importância diferenciada entre as reivindicações democráticas e mínimas, por um lado, e as reivindicações transitórias, por outro lado. Para ele, os trabalhadores espontaneamente lutam por reivindicações mínimas, tais como aumento de salários, redução da jornada de trabalho, leis trabalhistas, etc. Só que a dinâmica da sociedade capitalista é, por um lado, conceder algumas dessas reivindicações após a luta e, por outro lado, atacar essas reivindicações, através do aumento de impostos, inflação, etc. Para sair desse “ciclo vicioso”, Mandel reivindica que os revolucionários devem lutar pelas “reivindicações transitórias” que é a luta “por objetivos cuja a realização se torne incompatível com o funcionamento normal da economia capitalista e do Estado burguês” (MANDEL, 1978, p. 195).
Para sustentar tal posição, Mandel afirmava que os revolucionários atuavam com o sentido de
(…) modificar as relações de força entre o capital e o trabalho, aumentando a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças, elevando sua consciência de classe, ampliando seu horizonte político, fortalecendo seu grau de organização e coesão e forjando uma vanguarda revolucionária capaz de dirigi-los a combates vitoriosos (IDEM, 1988, p. 15).
O papel dessa vanguarda revolucionária era articular quatro fatores: 1) difundir as reivindicações transitórias combinando-as com as lutas imediatas; 2) realizar uma educação marxista da vanguarda que surge dessas lutas no sentido de serem reconhecidas como direção das mesmas; 3) organizar essa vanguarda num partido nacional e internacional; 4) realizar por parte desse partido (ou de setores dele) “ações exemplares”, campanhas políticas, etc., que se oporão a prática cotidiana dos partidos reformistas (IBIDEM, p. 16)
Nos países coloniais e semicoloniais, Mandel incluía as reivindicações democráticas, como a luta por reforma agrária e independência nacional, como reivindicações que não podem ser absorvidas pelo Estado burguês dependente. Nesse sentido, as tarefas democráticas colocadas para esses países, incluindo Brasil e Índia na década de 1970[3], poderiam ser centrais nos programas nacionais das seções da IV Internacional localizadas nesses países, adquirindo, num sentido bastante específico, um caráter transicional.
Para Mandel, o programa de transição “materializava” reivindicações que não podem ser integradas pelo regime capitalista e o Estado burguês. Essas reivindicações, expressas pelo Programa de Transição, como controle operário, governo operário e camponês, expropriação dos bancos privados, etc., deveriam ser o centro da agitação e propaganda dos partidos da IV Internacional nos países de capitalismo avançado[4].
George Novack e o método do programa de transição
O texto de Novack sobre o Programa de Transição surgiu num momento no qual o Socialist Workers Party (SWP) se colocou a tarefa de atualizar seu programa. Nessa atualização, os marcos mais importante são a formulação de um programa de transição para a liberação dos povos negros[5] e também as resoluções sobre o movimento feminista[6].
Para Novack, o Programa de Transição foi composto do acúmulo de experiência do movimento operário até a Internacional Comunista, mas tem como experiências centrais, a vida política dos grupos da Oposição de Esquerda nos anos 1930, principalmente, dos debates sobre o programa na seção francesa, belga e estadunidense. Novack atribui o principal mérito da formulação a Trotsky, mas lembra que muitos camaradas do SWP participaram dos debates com Trotsky[7] e foi um delegado deste partido quem defendeu a adoção do programa no congresso de fundação da IV Internacional.
Novack afirma que o programa de transição está dividido em quatro seções distintas que se referem a diferentes zonas de lutas: a primeira aos países de capitalismo avançando, a segunda aos países coloniais e semicoloniais, a terceira aos regimes fascistas e a quarta a URSS. A essas quatro seções, combinam-se “três tipos de propostas para a ação”: as reivindicações democráticas[8], as imediatas e as transicionais. Sobre o lugar das reivindicações transitórias no programa, Novack afirma:
Estas reivindicações ocupam um lugar central porque empurram logicamente para a tomada do poder pelos operários, essência da revolução anticapitalista. Ao mesmo tempo, as demais reivindicações parciais e democráticas, junto as propostas transitórias centrais, podem converter-se em poderosos aceleradores da mobilização de massas. Tudo depende do ardor da ofensiva de massas e do tipo de direção que exista. (NOVACK, 1972. Grifo nosso).
O “ardor da ofensiva” e o “tipo de direção” que conduzem as mobilizações. Com isso, Novack quer afirmar que a dinâmica da mobilização e a direção que é constituída no seio da mesma são os fatores determinantes para as ações de massas. Como veremos, o conteúdo é um dos elementos importantes, mas não é o único para a análise das mobilizações e também para a formulação da ação do partido.
Em relação ao problema da atualização do Programa de Transição, o problema para o autor não é aquilo que está ausente, mas “a validade essencial de seu método e de seu conteúdo depois de três décadas de turbulenta história mundial” (IBIDEM). E qual é este método? Para Novack, o central é conseguir caminhar junto ao movimento de massas, não propondo soluções abstratas, mas materializando uma organização e uma direção para um movimento a partir dos próprios problemas específicos que surjam da mobilização destes setores:
A essência de nosso método é considerar a situação atual e seu nível de desenvolvimento, distinguir os problemas específicos, que mais preocupam aos participantes típicos do movimento e aprovar soluções que iremos propor. (IBIDEM)
Nesse sentido, o método de ação do Programa de Transição não é um processo de elaboração e estudo, simplesmente. É um processo dialético de relação entre o estudo teórico da realidade, suas contradições e problemas, e um conjunto de ações para as massas, como um “teste” para analisar se as reivindicações estão adequadas ao movimento de massas. No método, os tipos de reivindicações que o partido revolucionário utiliza dependem do nível de mobilização e de organização das massas, em última instância, depende da correlação de força entre as classes. Essa correlação se modifica com a(s) luta(s) e, nesse sentido, o conjunto de reivindicações se modifica. É por isso, que o programa marxista é amplo, abarcando todos os tipos de reivindicação dos trabalhadores.
No debate com o Socialist Arbeit Party (SAP) alemão, Trotsky afirmou que “Não se podem formular os interesses de classe de outro modo que por meio de um programa, como tampouco pode-se defender um programa de outro modo que criando um partido” (TROTSKY, 2005, p. 97). Nesse sentido, o programa, que se materializa nas posições defendidas por um partido, é a expressão dos interesses de classe num determinado momento. Nos parece que Novack não contradiz a essa afirmação de Trotsky, pelo contrário ele a revaloriza a partir da compreensão que estes interesses de classe devem servir na combinação entre a mobilização permanente das massas e a formação de uma direção revolucionária capaz de conduzir a luta pelo poder político.
Para aprofundarmos a discussão, é necessário uma diferenciação entre o programa e seu método. O programa é a compreensão comum dos interesses de classe, nesse sentido é a compreensão da correlação de forças, do nível de desenvolvimento econômico-social e também das tarefas colocadas para serem resolvidas por uma determinada classe. É nesse sentido que o Manifesto Comunista, as resoluções dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, entre outras formulações, continuam válidas e são partes integrantes do Programa de Transição da Quarta Internacional. Nesses textos estão elaboradas as bases comuns para a compreensão das contradições de nossa época e estão apontadas as tarefas colocadas para os marxistas frente a essas contradições.
Para os trotskistas, seguindo a interpretação de Lenin, o imperialismo é a época da decadência capitalista. Nesse sentido, é a possibilidade da revolução socialista como forma de superar as contradições dessa época. O programa trotskista é o programa da revolução socialista internacional, isto é, o programa para a resolução das contradições geradas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo em sua fase imperialista.
Mas, como dissemos acima, é necessário diferenciar o programa do método ou, o que seria o mesmo, o programa da política. Todo partido materializa o programa, mas esse programa se expressa, concretamente, na sua ação política, na sua agitação e propaganda, na sua tática e estratégia.
O método do Programa de Transição, para Novack, está relacionado com o objetivo de “ajudar as massas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa socialista da revolução”(TROTSKY, 2008, p. 44). Nesse sentido, discutindo o papel das reivindicações democráticas no Programa de Transição, Novack afirmou que essas consignas podem ser as
alavancas para a mobilização das massas com o objetivo de melhorar sua situação e, ao mesmo tempo, de enfrentar-se e combater o Estado capitalista e qualquer regime autoritário ou burocrático. Junto com as consignas mais profundamente proletárias, podem provocar a formação de um duplo poder baseado nos operários que podem derrubar a propriedade e o poder capitalista. (NOVACK, 1972)
O método do programa de transição não é a combinação entre as reivindicações “espontâneas” das massas e as reivindicações de transição, tal como pensou Mandel[9]. Mas a combinação entre as mais diversas reivindicações (democráticas, mínimas e transitórias) que representam os interesses de classe do proletariado com o objetivo da formação do duplo poder e da expropriação dos capitalistas.
Duas advertências de Novack são importantes aqui. Discutindo a posição dos trotskistas italianos no imediato pós-guerra, ele afirma que frente a qualquer situação, os revolucionários não podem ser abstencionistas, mas devem sempre propor o melhor para estimular e organizar a ação das massas[10]. Uma segunda afirmação, é que “qualquer consigna ou reivindicação pode ser mal empregada, falseada ou mutilada pelas forças hostis aos interesses das massas”. Nos parece que o caso da “participação operária” ou do “controle operário”, em determinado sentido, foi uma das consignas mais “mutiladas” no processo de reestruturação produtiva e também no processo de restauração capitalista na ex-URSS.
Dado esses problemas, Novack recupera a ideia de que o programa, por mais que se apresente por meio de palavras de ordem ou campanhas políticas, é sempre uma totalidade[11]. Nesse sentido, as reivindicações democráticas devem ser combinadas com as reivindicações mínimas e também transitórias: não se pode separar uma da outra, mas deve haver um sentido de proporção baseado no nível de mobilização, organização e direção do movimento de massas. Assim como outros aspectos da vida, as reivindicações proletárias se desenvolvem de forma desigual e combinada. O que não pode se esquecer, ou o ABC da política trotskista, é que os marxistas revolucionários fazem política com o objetivo de construir a mobilização e a direção política necessárias para a revolução socialista.
Nesse sentido, o Programa de Transição é uma caixa de ferramentas para ação, “um conjunto de propostas para a ação e a organização que apresenta o partido revolucionário, num primeiro momento, para sua reflexão e discussão, e logo para sua adoção pelas massas ou por determinados setores destas.” (IBIDEM).
O objetivo do programa é a disputa pela direção da sociedade, pelos rumos que essa deve assumir. Nesse sentido, é a disputa da hegemonia proletária para a resolução dos problemas sociais:
O objetivo subjacente e último da aplicação do Programa de Transição na vida real é colocar as massas em movimento contra as autoridades e instituições da sociedade capitalista, que culmine no choque das forças de classe numa luta frontal pela hegemonia. Um partido realmente interessando neste tipo de luta e disposto a ganhá-la, tem que envolver inicialmente milhares, depois milhões de indivíduos numa ação coordenada.
É por isso que, “nossa ênfase está sempre posta em mobilizar as massas, ainda que compreendemos que a propaganda e a agitação por essas ideias, que ocupa grande parte de nosso tempo, de nossa energia e de nossos recurso, é um processo educacional contínuo, consequência de tal ação” (Ibidem).
A luta pela hegemonia. Como o próprio Novack diz, a luta pela hegemonia da nação, por saber quem controla o conjunto da vida social. A chave dessa luta é justamente a mobilização da massas contra cada contradição da sociedade capitalista e a unificação dessas lutas na tomada do poder pelos trabalhadores.
Novack e as polêmicas com outras interpretações
Em seu texto, Novack realiza algumas polêmicas com interpretações diversas do Programa de Transição. A primeira delas é com relação a duas tendências mais gerais do movimento operário: os oportunistas e os sectários.
Em relação aos oportunistas, a principal crítica é que a separação entre “programa mínimo” e “programa máximo” leva-os a uma mobilização parcial do proletariado: mobiliza o proletariado para demandas mínimas, como salário, mas não combina essas mobilizações com reivindicações democráticas ou transitórias, como controle operário da produção, por exemplo. Dado o seu programa de reformas e não de transformação revolucionária da sociedade, a mobilização deve se deter na conquista dos salários, de uma lei, de um novo governo, etc. É por isso que as consignas transitórias são descartadas.
Em relação as correntes sectárias, a principal crítica está no desprezo que os mesmos fazem das reivindicações mínimas e democráticas. Para estes, somente as reivindicações de transição são válidas – Mandel não comete esse erro, mas em determinado sentido, sua interpretação se aproxima dele.
Outra polêmica que Novack faz é o próprio sentido “transitório” do Programa. Para ele: “Nem em seu conjunto, nem em sua aplicação a um país em particular, é estático o Programa de Transição” e, acrescenta, referindo-se ao programa para a liberação negra do SWP que “um programa deste tipo não pode ser finalizado”. Nesse sentido, Novack afirma que é necessário desenvolver um programa de transição para combater as opressões à mulher, aos LGBTT’s e também ao sistema prisional. Poderíamos incluir, aqui, um programa de transição referente a questões ecológicas, entre outros temas.
Para Novack, as reivindicações que estão contidas no Programa de Transição “se estendem desde o momento em que as massas estão preparando-se para enfrentar-se com os capitalistas pela hegemonia até o momento que realmente o fazem”. Nesse sentido, as reivindicações propostas pelo Programa, servem para mobilizar essas massas. E toda a formulação da política deve responder a esse problema: como mobilizar as massas para a disputa do poder?
Uma última polêmica que Novack faz é a tentativa de redução do Programa de Transição a um programa da classe operária:
Alguns pensam que suas reivindicações concernem e referem-se exclusivamente à classe operária. Isso é falso. E se pode comprovar simplesmente lendo o texto do programa, que inclui e se ajusta as necessidades de todos os setores oprimidos: os camponeses, a juventude, as mulheres e parte das classes médias. (IBIDEM)
Aqui é possível entender o sentido do programa: ele representa os interesses de classe, mas não esses interesses “gerais” e “histórico”, no sentido mais abstrato. Os interesses de classe representados no Programa de Transição são os interesses de uma classe que se propõe a dirigir uma nação, construir uma nova sociedade – por isso, o conceito de hegemonia utilizado pelo autor. E nesse sentido, o partido que quer representar esses interesses deve ser capaz de abarcar os interesses de outras classes e setores que podem ser aliados na luta pela construção de uma sociedade socialista[12].
Como dissemos antes, a mobilização é a chave do Programa de Transição, mas essa mobilização deve abarcar as classes e os setores interessados na luta contra o capitalismo e suas formas de opressão. Nesse sentido, o método do programa é mobilizar as mais amplas massas com um programa de transformação socialista mas que abarque as reivindicações dos diversos setores do proletariado, dos setores oprimidos e da pequena-burguesia.
Considerações finais
Tentamos analisar o método proposto por Novack para a utilização do Programa de Transição. Para concluir, gostaríamos de sistematizar algumas das indicações que o autor propõe para esse método.
Primeiramente, o programa é uma compreensão histórica das contradições sociais e das tarefas a serem resolvidas pela classe trabalhadora. Essa compreensão inclui não somente as formulações teóricas, mas uma análise da aplicação prática que realizou o movimento neste período. Esse balanço deve analisar todas as reivindicações, táticas e estratégias, palavras de ordem, etc.
A segunda característica é que o Programa de Transição deve ser interpretado pelos marxistas, não por suas reivindicações abstratas, mas pelo seu método de aplicação. Nesse sentido, todas as táticas, estratégias e reivindicações consideradas válidas para as tarefas de nosso tempo, devem ser analisadas e acionadas de acordo com a correlação de forças, com o nível de mobilização das massas e com sua consciência. O objetivo de cada reivindicação deve ser ampliar a mobilização das massas na luta por sua auto-organização e também na luta pela hegemonia. Em algumas partes do texto, Novack insiste em analisar o tamanho da mobilização, a organização dos setores em luta e as direções que o constitui – a conjunção destes elementos deve guiar a formulação de quais as melhores reivindicações para os revolucionários, já que nosso objetivo é sempre ampliar essa mobilização e a auto-organização dos trabalhadores construindo uma direção para a mesma.
Considerando que as reivindicações devem ser acionadas de acordo com as condições da luta, não existe, para Novack, uma reivindicação “mais” ou “menos” revolucionária:
É necessário mover-se no mundo real se quiser ser um revolucionário e derrubar o monstruoso poder imperialista. Não se pode substituir seus desejos ou tua imaginação pela realidade da luta de classes. E nós queremos ser os mais realistas de todos os revolucionários e todas as organizações revolucionárias; partir do que é para transformá-lo de maneira mais eficaz.
Partir do que é significa analisar minunciosamente as condições de luta (mobilização, organização, direção, tamanho do partido, etc). Essa é a arte da política: o programa é um guia para ação, uma visão sobre a realidade e a sociedade no qual se atua, mas ele deve estar conectado a ação prática, a arte de lutar.
Transformar de maneira eficaz significa utilizar as diversas reivindicações presentes na história do movimento operário combinando-as com a luta das massas, buscando ampliar a mobilização, a organização e construindo a direção política necessária.
Nesse sentido, reivindicar o Programa de Transição significa, de acordo com Novack, utilizar todas os tipos de reivindicações adequadas a situação concreta sobre a qual se atua, com o objetivo de conquistar a hegemonia política para realizar a revolução socialista.
Bibliografia
Gramsci, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
Mandel, E. Introdução ao marxismo. Lisboa: Antídoto, 1978, 2ª.
Mandel, E. Marxismo revolucionário atual. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Mandel, E. Controle operário, conselhos operários, autogestão. São Paulo: CPV, 1988.
Moreno, N. O partido e a revolução. São Paulo: Sundermann, 2007.
Novack, G. Introdução à lógica marxista. São Paulo: Sundermann, 2007.
Novack, G. The Role of Transitional Program in the revolutionary procesus. 1972.
Trotsky, L. El ultimatismo burocrático. In.: Trotsky, L. Revolución y fascismo em Alemania. Buenos Aires: Antídoto, 2005, p. 97-105.
Trotsky, L. A agonia mortal do capitalismo e as tarefas da IV Internacional (Programa de Transição). In.: Quarta Internacional. Documentos de fundação da IV Internacional: Congresso de 1938. São Paulo: Sundermann, 2008, p. 41-85.
[1] Todas as citações de Novack foram traduzidas pelo autor.
[2] Ver Gaido, Daniel. Los orígenes del Programa de Transición en la Internacional Comunista. Revista Izquierdas, N° 23, abril 2015, IDEA-USACH, pp. 191-214
[3] Mandel não considera esses países como semicoloniais, mas apenas como dependentes (MANDEL, 1981, p. 75)
[4] Um dos críticos trotskistas de Mandel foi o dirigente Nahuel Moreno. A crítica de Moreno se refere, principalmente, a relação que Mandel faz entre “consciência” e “programa” (MORENO, 2007, p. 350), objeto que não estamos fazendo aqui uma referência direta.
[5] SWP, A Transitional Program for Black Liberation, 1969. Disponível em: https://www.marxists.org/history/etol/newspape/isr/vol30/no06/blacklib.htm
[6] SWP, Toward a Mass Feminist Movement, 1971. Disponível em: https://www.marxists.org/history/etol/document/swp-us/24thconvention/02.htm
[7] Parte destes debates estão sintetizados em Trotsky, L. El programa de transición. 1972, p. 29-62. Disponível em: http://www.marxistarkiv.se/espanol/clasicos/trotsky/programa_de_transicion.pdf
[8] Aqui Novack mescla as reivindicações democráticas da época da burguesia e as reivindicações da democracia operária, perdendo nesse sentido, a diferenciação entre os dois tipos de democracia, que de acordo com o próprio Novack, se diferenciam em relação a combinação entre exploração e democracia: “As formas prévias de democracia desde a Grécia antiga aos tempos capitalistas estiveram baseadas em relações econômicas de exploração que davam supremacia política aos proprietários dos meios de produção. As democracias operárias estão baseadas em relações de produção que não se baseiam na exploração.” (NOVACK, 2010, p. 22-23).
[9] Não podemos ser injusto com Mandel: apesar de cometer o erro de reduzir o programa as suas reivindicações transitórias, a insistência de Mandel foi sempre na necessidade de combinar essas reivindicações com as reivindicações das massas. Sobre isso, ver sua Introdução ao Programa de Transição disponível em: http://www.ernestmandel.org/new/ecrits/article/introduction-au-programme-de.
[10] Dado a decadência da monarquia italiana, apoiadora do fascismo, no imediato pós-guerra, Novack contrapõe a política dos stalinistas e socialdemocratas de “plebiscito para que o povo decida” sobre a República com a política dos trotskistas de organização de comitês de luta pela República. A diferença, no “abstrato”, entre uma e outra são mínimas, mas a materialização de cada uma delas geraria situações muito diferentes.
[11] Novack cita Hegel: “A verdade é o todo”.
[12] A incorporação do programa agrário dos camponeses durante a Revolução Russa de outubro é um dos principais exemplos da determinação concreta desse método de ação do programa marxista. Sobre essa questão da hegemonia em relação aos interesses de classe, Gramsci afirma: “O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica.” (GRAMSCI, 2000, p. 48).
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