O governo de Israel não tem nada a oferecer além de vingança

Neste tempo de tristeza sombria, agarro-me à única coisa que me resta: a crença absoluta de que este inferno não está predestinado. Nem para nós, nem para eles.


Publicado em: 13 de outubro de 2023

Mundo

Por Orly Noy. Tradução de Waldo Mermelstein, do Eol

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Ainda é impossível digerir esses dias mais sombrios do que sombrios, que começaram com sirenes nos sacudindo para nos acordar na manhã de sábado, um dia que parece interminável e provavelmente não terminará por muitos dias. O pensamento dos que foram raptados na Faixa de Gaza está me despedaçando de dor. Cada pensamento sobre eles deixa uma camada de terror em minha pele. As imagens e relatos de corpos espalhados por todos os cantos, de famílias mantidas como reféns por horas como escudos humanos em suas próprias casas por militantes do Hamas, ainda me assombram a mente e congelam o coração.

O choque absoluto causado pelo ataque do Hamas às cidades do sul tomou várias formas com o passar das horas: medo, desamparo, raiva e, acima de tudo, uma profunda sensação de caos. Os colossais fracassos do governo de Benjamin Netanyahu e do aparato de segurança estão convergindo em direção a uma sensação de colapso total. O sistema de inteligência, que vigia todos os aspectos da vida dos palestinos em Gaza e na Cisjordânia, não tinha conhecimento prévio do ataque; civis ficaram indefesos por muitas horas contra militantes do Hamas, que os prenderam em suas casas e os massacraram sem intervenção militar – os mesmos militares encarregados de proteger todos os colonos na Cisjordânia a qualquer momento.

Estamos chocados com a falta de informações confiáveis ao longo das longas horas em que as pessoas procuraram desesperadamente por familiares e amigos desaparecidos, inundando as redes sociais com fotos de entes queridos que haviam desaparecido. E agora vemos uma ausência de suprimentos e alimentos suficientes para as forças de reserva convocadas às pressas enviadas para a linha de frente contra o Hamas, deixando a tarefa de organizar os itens de que precisam para os civis em cada cidade.

No domingo, Netanyahu declarou formalmente a guerra e agora, neste momento, todo o estado de Israel está em estado de guerra. Os mísseis que caíram no coração de Tel Aviv e os bombardeios de cidades do norte transformaram todo o país em um campo de batalha, pelo menos na percepção pública.

Aqui em Jerusalém, estamos tentando manter a esperança de que o Hamas não lance mísseis em direção à cidade devido à sua proximidade com a mesquita de Al-Aqsa, mas a ansiedade geral ainda persiste. As escolas foram fechadas, assim como todos os comércios, e pouquíssimas pessoas estão nas ruas. Quem não precisa, não sai de casa. No sábado à noite, depois de horas olhando ansiosamente para a televisão e as redes sociais, minha filha ficou em pânico com o medo de que militantes do Hamas, armados e ainda dentro do território israelense, pudessem chegar a Jerusalém e nos atacar em nossa casa. Só depois de uma visita minuciosa aos abrigos públicos do bairro é que ela se acalmou um pouco e conseguiu adormecer.

Em meio a esse caos absoluto, Netanyahu dirigiu-se aos cidadãos. Na noite de sábado: uma declaração vazia com slogans como “venceremos”, “vamos atacá-los”, “vamos aniquilar o terrorismo”. É um homem de muitas palavras de ordem. Ele prometeu que Israel “se vingará poderosamente” e que “o inimigo pagará um preço sem precedentes”, e que “sofrerá um fogo de resposta de uma magnitude que nunca conheceu”.

Essa linguagem é deliberada. Pois, embora um público israelense traumatizado ainda não esteja pronto para buscar o profundo acerto de contas político e moral que essa catástrofe exige, a raiva já direcionada a Netanyahu é palpável. Um primeiro-ministro enredado em processos judiciais nomeou – para atender às suas próprias necessidades políticas – pessoas que não só eram extremamente agressivas, mas também altamente pouco profissionais, e as colocou no comando de nossa segurança. Com razão, ele agora é visto como pessoalmente responsável e busca salvar sua própria pele política, mais uma vez, instando o Knesset a estabelecer um governo de emergência nacional, muito parecido com o que formou há três anos com o líder do partido Unidade Nacional, Benny Gantz, sob o pretexto de uma resposta ao coronavírus. Mas, mesmo sem que esse governo de emergência nacional tenha sido formado, a oposição judaica no Knesset apoia totalmente o ataque mortal do governo a Gaza. E eles não estão sozinhos: muitos israelenses querem ver toda a Faixa de Gaza pagar um preço sem precedentes.

O desejo público de vingança é compreensível e aterrorizante, mas o apagamento de qualquer linha vermelha moral é sempre uma coisa assustadora.

É importante não minimizar ou compactuar com os crimes hediondos cometidos pelo Hamas. Mas também é importante lembrarmo-nos de que tudo o que nos está a infligir agora temos infligido aos palestinos há anos. Tiros indiscriminados, inclusive contra crianças e idosos; invasão de suas casas; incêndio de suas casas; fazer reféns – não apenas combatentes, mas civis, crianças e idosos. Continuo me recordando que ignorar esse contexto é renunciar a um pedaço da minha própria humanidade. Porque a violência desprovida de qualquer contexto só leva a uma resposta possível: a vingança. E eu não quero vingança de ninguém. Porque a vingança é o oposto da segurança, é o oposto da paz, é também o oposto da justiça. Não passa de mais violência.

Original em: Israel’s government has nothing to offer but revenge

Orly Noy é editora da Local Call, ativista política e tradutora de poesia e prosa farsi. Ela é presidente do conselho executivo de B’Tselem (Centro israelense de informações sobre Direitos Humanos nos territórios ocupados e ativista do Balad, partido político palestino em Israel. Seus escritos tratam das linhas que intersectam e definem sua identidade como Mizrahi (judia oriental), de esquerda, copmo mulher, uma migrante temporária que vive dentro de uma imigrante perpétua e o diálogo constante entre essas identidades;

*O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do Eol.

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