Por: João Zafalão*, de São Paulo, SP
*é militante do #MAIS. Em 1994, cursava o terceiro ano de Ciências Sociais na UFSCar e militava com Rosa e Zé Luiz Sundermann.
Em um domingo, dia 12 de junho de 1994, Zé Luiz e Rosa Sundermann foram brutalmente assassinados em sua própria casa, na cidade de São Carlos, interior de São Paulo. O crime abalou a cidade, tida como a capital da ciência e tecnologia, por abrigar a Universidade Federal de São Carlos e um campus da USP.
Zé Luiz era vice-presidente do SINTUFSCar (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de São Carlos) e Rosa era da direção nacional do PSTU, recém fundado, no fim de semana anterior.
Exatamente um ano antes, Rosa e Zé Luiz foram as principais lideranças da greve dos cortadores de cana da Usina Ipiranga (ver relato). Durante essa greve, Zé Luiz foi ameaçado de morte pelos usineiros e até por policiais. Há poucas semanas da nova provável greve dos cortadores de cana da Usina Ipiranga, Rosa e Zé Luiz foram covardemente assassinados.
A própria polícia comprometeu o local do crime, deixando dezenas de bitucas de cigarro e de todas as fotos tiradas no local do crime, apenas uma foto pôde ser utilizada, pois as demais queimaram durante a revelação. Foram vários delegados que passaram pelo caso e sempre relutaram em investigar o óbvio, que o crime era político e que havia sido encomendado. Sempre orientamos a polícia a seguir essa linha de investigação, que reiteradamente se recusava. Os poderosos da região de São Carlos tinham interesse na morte de nossos camaradas.
O crime foi denunciado em organismos internacionais. O Brasil chegou a ser condenado, mas apesar disso, 23 anos depois, o crime segue impune. Rosa e Zé Luiz eram militantes revolucionários e tombaram na luta pelo socialismo.
Assim como o PSTU, nossa jovem organização, o #MAIS, reivindica a história e luta de Rosa e Zé Luiz Sundermann como parte de nossa trajetória.
O legado de Rosa e Zé Luiz seguem pulsando nos trabalhadores e na juventude, que fizeram a Greve Geral e o Ocupa Brasília e que estão construindo a Greve Geral de 30 de junho.
Zé Luiz e Rosa, presentes!
Um breve relato da Greve dos Cortadores de cana da Usina Ipiranga
Um ano antes do assassinato, em 1993, os trabalhadores rurais (cortadores de cana) que prestavam serviço para a usina Ipiranga, decidiram entrar em greve por melhores salários e condições de trabalho. Para isso, procuraram o SINTUFSCar e pediram ajuda para organizar a greve.
Esse foi um dia inusitado, pois três ônibus com boias-frias adentraram no campus da UFSCar, pararam em frente ao SINTUFSCar e pediram ajuda para fazer a greve. Zé Luiz, prontamente, recebeu os trabalhadores rurais e já agendou com eles uma assembleia para o dia seguinte, ainda na madrugada, para organizar a greve.
Acontece que prestavam serviços um grupo de trabalhadores que residiam na Cidade Araci (bairro popular de São Carlos), um outro grupo que residia em Santa Eudóxia, um distrito mais afastado de São Carlos e um grupo menor que morava em Descalvado. Fizemos uma reunião aquela noite mesmo e nos dividimos. Zé Luz e Rosa foram na madrugada organizar a assembleia da Cidade Araci e eu com outro estudante da UFSCar fomos a Santa Eudóxia organizar a assembleia lá.
Com 100% de adesão, no segundo dia fomos organizar a greve em Descalvado. Foram 10 dias de greve total, que contou com amplo apoio da população, quando veio à tona as denúncias de que trabalhavam sem EPI (equipamentos de proteção individual), que em Santa Eudóxia tinha trabalho análogo à escravidão, pois moravam na casa fornecida pelo “gato” (empreiteiro que os contrata) e ainda tinham conta no mercadinho. Era comum ficarem devendo no fim do mês.
Nestes 10 dias, a PM interferiu em prol da Usina Ipiranga, chegando a atirar contra um piquete, cena inesquecível e que demonstra a coragem e garra do Zé Luiz, que não teve dúvida e segurou o braço do policial para cima enquanto este disparava dois tiros. Logo após isso, Zé Luiz representou contra o PM.
No meio da greve, Rosa com oito trabalhadores foram detidos no piquete na cidade de Descalvado. Fomo todos para a porta da delegacia. Dizem os juristas, que habeas corpus pode ser redigido até em papel de pão, pois bem, cerca de 300 trabalhadores rurais, ao saberem da prisão da Rosa, chegaram riscando o asfalto com o foião (facão utilizado no corte da cana) na porta da delegacia.
Em menos de 20 minutos, Rosa e os demais trabalhadores foram liberados. O habeas corpus foi riscado no asfalto. No dia do pagamento da quinzena (durante a greve), a usina não efetuou o depósito. Os trabalhadores ocuparam a agência do Bradesco e em algumas horas o crédito foi feito. Foi uma greve que marcou profundamente nossas vidas, pela força dos trabalhadores e pela liderança de Zé Luiz e Rosa. No ano seguinte, exatamente às vésperas da nova campanha salarial destes trabalhadores, Rosa e Zé Luiz foram assassinados na casa em que moravam.
Alguns fatos marcam nossas vidas. Sem dúvida, o assassinato de nossos camaradas marcaram profundamente as vidas de quem os conheceu e pôde conviver com eles. Rosa e Zé Luiz tinham dois filhos à época. Duda, o filho mais velho, veio a falecer alguns anos depois, com 19 anos de idade em um acidente. A filha segue em São Carlos.
Abaixo, o link de um documentário feito em 2014 (20 anos de impunidade)
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