A crise dos Correios: desinvestimento, escolhas políticas e o futuro da empresa pública
Publicado em: 27 de dezembro de 2025
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A atual crise vivida pelos Correios não é um fenômeno isolado nem resultado de má gestão pontual. Trata-se de um processo histórico de desinvestimento e de escolhas políticas que, ao longo dos últimos governos, fragilizaram deliberadamente uma das maiores empresas públicas do país, com impactos diretos sobre sua capacidade operacional, sua sustentabilidade financeira e as condições de trabalho de seus empregados.
O primeiro grande abalo ocorreu entre 2013 e 2015, durante o governo Dilma Rousseff, quando recursos fundamentais foram retirados da empresa. Esse movimento drenou reservas financeiras que deveriam ter sido destinadas à modernização, à expansão logística e à adaptação dos Correios às transformações do mercado de encomendas e serviços postais.
No governo Temer, esse processo foi aprofundado. O desinvestimento se intensificou e a empresa passou a operar sob forte restrição orçamentária. Já no governo Bolsonaro, a situação se agravou ainda mais com a tentativa explícita de privatização, acompanhada de políticas agressivas de corte de custos, como demissões, fechamento de unidades e redução de serviços, medidas que enfraqueceram estruturalmente os Correios.
Embora o atual governo tenha retirado a empresa da lista formal de privatizações, isso não se traduziu em um projeto consistente de recuperação. Ao contrário, a ausência de investimentos estratégicos manteve os Correios em situação delicada. A criação da chamada “taxa das blusinhas”, incidente sobre produtos importados, gerou impactos financeiros negativos — ainda que não tão expressivos — e não solucionou os problemas estruturais da empresa.
Mais grave, porém, foi a decisão de liberalizar o mercado de produtos importados, retirando dos Correios a exclusividade nessa segmentos estratégicos. Essa medida resultou em perdas significativas de receita, estimadas em cerca de 5 bilhões de reais, comprometendo ainda mais a sustentabilidade da empresa pública.
Existem alternativas claras para reverter esse quadro. A revogação do decreto que retirou a exclusividade dos Correios e a aplicação efetiva da lei de preferência, que garante prioridade à empresa na prestação de serviços logísticos para órgãos governamentais, poderiam gerar um impacto positivo imediato. Apenas essa última medida poderia elevar a receita dos Correios em mais de 10 bilhões de reais.
No entanto, o que se observa é a falta de vontade política para implementar tais soluções. Esse cenário se reflete também na condução do acordo coletivo de trabalho. Ao optar por levar a campanha salarial ao dissídio coletivo, o governo impôs um processo com prazos reduzidos, dificultando a defesa dos direitos dos trabalhadores. Há o temor de que, por meio da Justiça, se tente suprimir cláusulas históricas do acordo, repetindo estratégias adotadas em governos anteriores.
A nomeação de Manuel Rondon para a presidência da empresa, sem experiência no setor postal ou logístico, aprofunda a desconfiança quanto ao rumo adotado. As medidas anunciadas — redução de custos, demissões, fechamento de agências e venda de patrimônio — indicam uma política de encolhimento da empresa, diminuindo sua presença territorial e sua capacidade de atuação no mercado.
Esse conjunto de ações aponta para uma estratégia de médio prazo: tornar os Correios “enxutos”, próximos da rentabilidade, para que, no futuro, se justifique uma abertura de capital. Nesse cenário, não seria surpreendente que, por volta de 2027, o governo argumente que a empresa estaria “preparada” para esse passo, repetindo um roteiro já conhecido no Brasil.
No que diz respeito à data-base dos trabalhadores, as negociações seguem travadas. Na mais recente audiência de conciliação, não houve acordo sequer sobre o pagamento do reajuste retroativo. A próxima audiência não gera grandes expectativas e o conflito pode ser decidido judicialmente. A única possibilidade de reversão desse quadro seria uma intervenção direta do presidente Lula, hipótese considerada improvável diante do peso do setor econômico do governo, que sustenta a atual política para os Correios.
A crise da empresa, portanto, não é técnica, mas política. E seu desfecho dependerá da escolha entre fortalecer um serviço público estratégico ou seguir, mais uma vez, o caminho do esvaziamento e da mercantilização.










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