2026
Publicado em: 24 de dezembro de 2025
A razão espanta o medo. A sombra passa, a luz fica.
A vida é como uma vela acesa ao vento.
Provérbios populares portugueses
1 2026 vem aí e, nos três epicentros mais graves da situação internacional, Venezuela, Ucrânia e Palestina as perspectivas permanecem inconclusas e, ainda que em proporções distintas, sombrias. A crise de máxima tensão é a escalada dos EUA contra Caracas impondo o bloqueio marítimo aos barcos petroleiros. O estrangulamento do comércio exterior é uma agressão militar sem precedentes nas últimas quatro décadas, na América do Sul, desde a guerra das Malvinas. Trata-se de uma declaração de guerra “de facto”, que se esquiva da autorização do Congresso norte-americano, e viola não somente o direito internacional, mas os limites constitucionais do regime presidencialista norte-americano. A sua manutenção indefinida é uma provocação contra a ONU e contra a ordem jurídica institucional dos EUA. O governo Maduro tem, justamente, denunciado o abuso imperialista, mas evitado retaliações, preservando posição de legítima defesa. Recebeu solidariedade diplomática da China e Rússia e de alguns países latino-americanos, como Mexico, Colômbia e Brasil e aposta em ganhar tempo.
2 Trump já ameaçou uma invasão por terra, ou seja, uma ofensiva total para derrubar o regime chavista com ocupação militar. Mas esta alternativa parece improvável. Seria uma guerra de desfecho militar imprevisível porque a Venezuela não é nem o Iraque, nem o Afeganistão. Nunca aconteceu na história que uma tirania sem sustentação política tivesse a ousadia de entregar armas para milhões de cidadãos. O governo Maduro mobilizou trabalhadores e jovens para treinamento militar em defesa da pátria com adesão popular. Quem avaliava que o regime na Venezuela seria uma ditadura sem nenhuma base social de apoio deveria reconsiderar as análises. Além de que pesam sobre Washington as catástrofes sociais de vinte anos atrás no Oriente Médio e na Ásia Central. Mas, se parece insustentável, politicamente, uma invasão em toda a linha, não se pode descartar uma estratégia de cerco ininterrupto para asfixiar, economicamente, a nação.
3 A crise na Ucrânia se aproxima de um desenlace depois de três anos da maior guerra europeia desde o final da Segunda Guerra Mundial. As estimativas sobre a mortandade são somente aproximativas, porque prevalece a censura militar, mas os cálculos mais independentes são que pelo menos meio milhão de soldados dos dois exércitos perderam a vida, mas se admite que podem ser até o dobro, talvez, sem considerar as vítimas civis. A destruição da infraestrutura da Ucrânia foi desoladora, e exigirá muitos anos para ser reconstruída. O desfecho confirma que não existia a possibilidade de uma solução militar com uma vitória clara, fosse do governo Zelensky, sustentado pela OTAN, ou de Putin, apesar da superioridade econômica e militar da Rússia. Nunca esteve colocada a possibilidade da entrada dos tanques russos em Kiev e a derrubada de Zelensky, e muito menos a derrota de Moscou e queda de Putin. Nunca foi somente uma guerra defensiva da Ucrânia, diante da invasão imperialista da Rússia, muito menos somente uma guerra defensiva da Rússia, diante da estratégia da União Europeia, de Londres e Washington de expansão militar da Otan para o Leste ameaçando com a colocação de mísseis a cinco minutos de Moscou. Uma guerra inter-imperialista, mas entre potências muito desiguais. De um lado a Troika que ainda domina o mundo, e do outro lado a Rússia, uma potência regional, incomparavelmente, menor, que mantém um arsenal nuclear capaz de nivelar com Washington.
4 Ainda não existe um acordo e as propostas em discussão sugerem que a Ucrânia não será integrada à Otan, mas existirá um acordo de garantias de proteção de Kiev, e a Rússia irá estender seu domínio sobre do vale do Rio Don até à Crimeia, onde já tinha posições sólidas há dez anos. O balanço final dependerá dos acertos ainda em disputa, mas a rigor a situação não é, qualitativamente, muito distinta de três anos atrás, e ninguém venceu a guerra. A Ucrânia não conseguiu expulsar o exército russo, e a Rússia não conseguiu derrubar o governo Zelensky. Mas há derrotados. Em primeiro lugar, os povos da Ucrânia e da Rússia, porque meio milhão ou mais de vidas foram sacrificadas em vão. Em segundo lugar da União Europeia e de Londres que envenenaram a consciência política de seus povos agitando a iminência de uma ameaça russa que nunca existiu: (a) perderam o acesso ao gás russo, e passaram a depender de fornecimento muito mais caro, e sofreram com as pressões inflacionárias; (b) enterraram bilhões de euros em empréstimos à Ucrânia; (c) se associaram à incondicional defesa do governo corrupto de Zelensky. Em terceiro lugar dos EUA durante a gestão Biden, que apoiaram o projeto imperialista expansivo de impor um cerco a Moscou subestimando, mais uma vez, a Rússia. O resultado será que a Ucrânia será um protetorado compartilhado da União Europeia e do Reino Unido e, provavelmente, sobretudo, dos EUA e o governo Putin permanecerá, politicamente, intacto pela consolidação da relação com a China.
5 Na Palestina o plano de paz é um projeto de recolonização de Gaza. A guerra de Israel desde outubro de 2023 sacrificou mais de 70.000 mil vidas, e os feridos foram mais de 170.000, nos cálculos mais moderados, possivelmente, muitos mais. O genocídio sionista não tem paralelo com nada que aconteceu no mundo no último meio século, e lembremos que não foram poucas as tragédias humanitárias. Nenhum povo sofreu tanto pelo direito de ter um Estado. Conquista, guerra, fome e morte, Netanyahu avançou com os quatro cavaleiros do apocalipse. Na escala das conjunturas dos prazos curtos tudo irá piorar, antes que possa melhorar. Mas quatro conclusões ficaram desta catástrofe, na perspectiva da linga duração: (a) a primeira é que Israel, mesmo se fortalecido pela vitória militar, é um estado imperialista cujo destino permanece, mais do que nunca, historicamente, indivisível da supremacia dos EUA e, na medida em que esta declina, não tem futuro senão a fascistização; (b) a segunda é que a causa palestina, apesar do impacto da destruição na Faixa de Gaza e das limitações políticas de suas organizações, seja o Hamas ou a Autoridade estabelecida na Cisjordânia, ganhou uma solidariedade internacional imensa; (c) a terceira é que a ditadura militar no Egito e as monarquias do golfo, em especial a Arábia Saudita, são aberrações políticas, embora protegidas pela Troika, insustentáveis quando eclodir uma segunda onda da revolução árabe; (d) a quarta é que o Irã independente, ainda que sob um regime teocrático, foi uma conquista histórica de uma das maiores revoluções anti-imperialistas do pós-guerra.









