Venezuela entre a crise e a invasão

Com a Venezuela entre uma crise interna e a ameaça de invasão imperialista, Mau Baiocco revela como a esquerda bolivariana perde força com a crise econômica e o autoritarismo, enquanto os EUA intensificam sua escala militar com o pretexto de combate ao narcotráfico, mas com o real interesse de submissão do país latinoamericano


Publicado em: 21 de dezembro de 2025

Mau Baiocco

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Mau Baiocco

Esquerda Online

Compartilhe:

Ouça a Notícia:

A Venezuela está na mira dos Estados Unidos. Durante o último mês, uma série de ataques aéreos estadunidenses contra supostos navios de tráfico de drogas no Caribe deixou pelo menos 37 mortes. Uma grande frota estadunidense composta por oito navios de guerra e 10 mil soldados foi instalada na costa da Venezuela. No final de outubro, o governo de Trump autorizou operações secretas da CIA na Venezuela e o porta-aviões mais poderoso, o USS Gerald R Ford, foi enviado para apoiar a operação.

Esta escalada dramática não é principalmente sobre tráfico de drogas, mas objetiva derrubar o governo do presidente Nicolás Maduro da Venezuela. Durante a última década, Maduro sobreviveu ao colapso da economia venezuelana, ondas de protestos em massa, uma série de sanções impostas pelos EUA, esforços determinados pela oposição para removê-lo do poder e até mesmo tentativa de assassinato. Agora, ele enfrenta a perspectiva de uma operação militar estadunidense em grande escala. Com o Secretário de Estado Marco Rubio e o Conselheiro de Segurança Interna Stephen Miller dirigindo o governo Trump a uma abordagem de pressão máxima sobre a Venezuela, um ataque militar significativo, se não uma invasão, parece inevitável.

A repentina mudança de direção – da aproximação no início do segundo mandato de Trump para a iminência da guerra – deixou perplexos a maioria dos comentaristas sobre o assunto. Surgem artigos diários especulando sobre o objetivo final de Trump para a Venezuela e suas razões potenciais para iniciar o que provavelmente seria uma guerra prolongada, impopular e sanguinária. A esquerda, também, acha isto difícil de explicar. Nossa explicação padrão de que Trump, representando os interesses e ambições imperialistas estadunidenses, está em busca de vastos recursos petrolíferos e minerais da Venezuela não nos leva muito longe. Também precisamos perguntar: por que agora? Este será o padrão do imperialismo dos EUA nos próximos anos?

Para os venezuelanos, uma invasão dos EUA que leve ao colapso o Estado tem o potencial de ser uma catástrofe inimaginável. No entanto, mesmo com essa ameaça pairando sobre nossas cabeças, é a especulação, ao invés da rejeição da invasão, que tem prevalecido. Um retorno ao consenso em que todos os setores da esquerda e sua base popular apoiam o Estado tem que enfrentar o difícil terreno do autoritarismo crescente, das queixas generalizadas, da crise econômica e da realidade do que a intervenção dos EUA significa para a Venezuela. A invasão prevista chegará em um momento de baixa na mobilização popular e no apoio ao Estado por parte dos venezuelanos. Isso pode ajudar a explicar porque Trump está escolhendo tentar derrubar Maduro agora.

Entre a crise e a invasão

A Venezuela está em meio a uma crise política diferente de qualquer outra em sua história recente. A Revolução Bolivariana, que começou em 1998 com a eleição de Hugo Chávez, era conhecida por ter algumas das taxas mais altas do mundo de participação política e democrática, com 14 eleições nacionais acontecendo entre 1998 e a morte de Chávez em 2013. Ao longo da revolução, o Estado obteve legitimidade a partir deste exercício democrático em massa quase constante. Como Chávez disse, a transição ao socialista deve ser construída, firmemente, por meio do consenso democrático de massa. No entanto, após Maduro vencer uma eleição presidencial mais acirrada do que o esperado em 2013, a revolução não conseguiu manter este apoio democrático de massa; em 2015, a oposição de direita obteve uma maioria esmagadora nas eleições legislativas.

Aproveitando esse momento, a oposição rapidamente se moveu para realizar um referendo de destituição de Maduro e buscar a presidência para si. Isso foi rapidamente desfeito em 2017, quando a suprema corte da Venezuela decidiu que a Assembleia Nacional estava em desacato e suspendeu todas as suas funções legislativas. Protestos de massa se seguiram, deixando mais de 100 mortos e milhares de presos. Nos seis anos seguintes, uma oposição desorganizada lançou várias iniciativas para tentar conquistar o poder, incluindo o apoio às sanções dos EUA e a proclamação do membros da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela, que foi reconhecido pelo governo Trump, juntamente com dez países latinoamericanos e a maioria da União Europeia.

No entanto, uma ameaça ainda maior à revolução começou a se instalar. Com a oposição boicotando as eleições e o governo concorrendo sem oposição, os índices de participação democrática despencaram e as eleições para a Assembleia Nacional de 2020 viram um recorde de baixa participação. Com o governo sofrendo os efeitos da crise econômica e a falta de mobilização popular, uma nova classe política, formada principalmente por militares e seus aliados, assumiu cada vez mais poder. Este pacto entre um governo de esquerda residual e uma classe militar poderosa com amplos interesses privados sobre os setores petrolíferos e de mineração da Venezuela agora controla a Venezuela de uma maneira autoritária.

Buscando sair das sanções sobre o petróleo venezuelano e aos bens de figuras-chave do governo, Maduro submeteu-se aos Acordos de Barbados de 2023, mediados internacionalmente. Em troca da remoção das sanções, Maduro e a oposição concordaram em disputar as eleições presidenciais de 2024 com observação internacional. Com um histórico como um líder anti-chavista de direita, María Corina Machado se tornou a candidata da oposição, se reinventando como uma política centrista crítica das lideranças pró-sanções da direita. Sua campanha ganhou impulso em lugares improváveis, realizando comícios de massa em antigos redutos chavistas, como o estado de Barinas. Partidos de esquerda,como o Partido Comunista Venezuelano e o Pátria para Todos (PPT), ambos anteriormente parte da coalizão da revolução bolivariana, se agrupam em torno da candidatura alternativa do ex-membro do conselho eleitoral nacional Enrique Márquez.

Apesar de ter sido impedida de participar nas eleições, Machado apoiou o ex-diplomata Edmundo González como o candidato da oposição. Quando as eleições finalmente foram realizadas, em 28 de julho, o governo e a oposição anunciaram resultados diferentes. O governo alegou que Maduro tinha obtido uma vitória retumbante, com 51% dos votos contra 40% para González. No entanto, a oposição alegou que González tinha obtido uma vitória esmagadora, com mais de 67%. Antecipando esta situação, a oposição coletou contagens desagregadas e provas (actas) de cada seção eleitoral (de acordo com a lei eleitoral venezuelana, cada partido concorrente tem direito a obter uma cópias desses dados) e as publicou online.

A coleta das “actas” da oposição pareceu confirmar suas reivindicações de vitória para Gonzáles e isto foi apoiado pelos observadores internacionais convidados pelo governo para supervisionar o processo. A falha do governo em fornecer seu próprio conjunto de “actas” e não ter auditado os resultados, por outro lado, levou a comunidade internacional a não reconhecer sua suposta vitória. Mais importante ainda, os históricos aliados de esquerda do chavismo e da Revolução Bolivariana, como os presidentes da Colômbia, Brazil e Chile, se recusaram a reconhecer os resultados até que o governo fornecesse suas próprias provas. Alegando um ataque hacker ao sistema eleitoral, o governo afirma ter perdido as “actas” e, até hoje, ainda não apresentou provas de sua vitória.

Reação e repressão

Após as eleições, uma onda massiva de protestos surgiram ao longo do país. Em Caracas, os protestos concentraram-se em torno das áreas da classe trabalhadora que o chavismo anteriormente considerava seus redutos. Estes pareciam escapar ao controle da oposição oficial, que se recusava a convocar manifestações até poder obter e publicar suas “actas”. Vendo um desafio popular ao seu governo, diferente de tudo que tinha visto antes, o governo de Maduro agiu rapidamente para reprimir estes protestos, detendo milhares de pessoas sob acusações de terrorismo. O candidato independente apoiado pela esquerda, Enrique Márquez, também foi preso após um recurso judicial à Suprema Corte para forçar o governo a divulgar os resultados desagregados. Ao contrário das anteriores ondas de protesto e represálias governamentais, o governo agora estava firmemente enfiando nos críticos à sua esquerda. Milhares de líderes sindicais, ativistas comunitários e observadores eleitorais locais foram detidos sem julgamento ou forçados ao exílio [6], com esta repressão continuando até hoje.

No entanto, esta história não está completa sem levar em conta a principal razão para o esvaziamento do apoio popular ao governo: a crise econômica. Entre 2014 e 2019, a Venezuela testemunhou um colapso em tempo de paz sem precedentes de sua economia. O colapso de 2014 no preço global do petróleo iniciou a crise, levando a Venezuela a entrar em inadimplência com sua dívida e tentar cobrir o déficit aumentando a oferta de dinheiro em seu sistema, resultando em hiperinflação. As primeiras sanções do governo Trump sobre a Venezuela, iniciadas em 2017 e apoiadas pela oposição, proibiram o país de acessar financiamento internacional e reestruturar sua dívida.

Os resultados combinados foram catastróficos, com a inflação ultrapassando 1 milhão porcento em 2018 e o PIB caindo 50%. Mais de 7 milhões de venezuelanos, um quatro da população do país, emigraram. Nos últimos anos, o governo conseguiu conter um pouco a crise implementando reformas caras que fortaleceram a classe capitalista nacional, tendo como exemplos a dolarização da economia, a privatização das indústrias e o corte de salários do setor público. Essas medidas desfizeram uma parte significativa da igualdade econômica e do progresso social alcançado com Chávez. O resultado foi um número cada vez maior de greves nos setores de petróleo e energia venezuelanos, mas isso ainda não produziu uma recomposição política da classe trabalhadora significativamente suficiente para pressionar o governo.

Confrontado com as consequências combinadas da crise econômica e da falta de democracia nos últimos anos da Revolução Bolivariana, os movimentos populares agora podem estar suficientemente enfraquecidos para os EUA tentarem se impor no país. Se for bem sucedido, não será porque é o desejo dos venezuelanos, mas por causa dos fracassos da liderança bolivariana em renovar a revolução, em romper com o fracassado modelo extrativista do petróleo e manter as práticas de suas origens democráticas de massa. Mas questões fundamentais permanecem: quais são os planos dos EUA para a Venezuela e por que o governo Maduro, agora amplamente subordinado a uma aliança entre os militares e a classe capitalista, tem falhado em sua aproximação com os EUA?

Mais do que apenas recursos

Logo após Trump ter assumido o poder neste ano, os EUA fizeram novas propostas para a Venezuela. Em seus últimos meses no poder, o governo de Biden aprovou dois novos conjuntos de sanções contra autoridades e companhias estatais venezuelanas, como uma resposta à contestada eleição presidencial venezuelana de 2024, e havia um apoio crescente entre os legisladores republicanos e democratas para sancionar diretamente o setor petrolífero venezuelano. O governo Trump rapidamente inverteu o curso desta pressão. Primeiro, mandou o enviado presidencial Richard Grenell à Venezuela para negociar a retomada dos voos de deportação dos EUA, bem como a libertação dos cidadãos estadunidenses aprisionados na Venezuela, acusados de conspirar contra o governo. Segundo, concedeu à Chevron a licença para produzir e exportar diretamente o petróleo venezuelano para os EUA, aumentando significativamente as vendas de petróleo venezuelano para os EUA.

Parece que a Venezuela estava no caminho de normalizar as relações com os EUA, até que o clima em Washington mudou repentinamente, pegando o governo venezuelano de surpresa. Sua resposta inicial ao ataque aéreo contra barcos venezuelanos no Caribe foi afirmar que o ataque não havia ocorrido, mas que se tratava de vídeos de inteligência artificial, argumentando que o gabinete do Secretário de Estado estadunidense Marco Rubio, conhecido por sua postura dura contra Maduro, os havia criado para sabotar a aproximação entre o governo de Trump e a Venezuela. Foi relatado que Maduro chegou a pressionar por maiores concessões às indústrias petrolíferas e mineira dos EUA numa tentativa de evitar a escalada, mas tornou-se cada vez mais evidente que os EUA não estão apenas interessados nos recursos da Venezuela.

Do ponto de vista do governo venezuelano, as greves eram irracionais e repentinas. A isso podemos acrescentar que, do ponto de vista do capital internacional, as greves dificilmente podem ser consideradas produtivas. Apesar de ter uma indústria petrolífera nominalmente nacionalizada, a Venezuela depende fortemente do financiamento e de acordos com empresas petrolíferas estrangeiras e privadas, tanto para o capital fixo necessário para extrair seu petróleo (brocas, bombas, sistemas de refino etc.) quanto para engenheiros qualificados. As empresas petrolíferas estrangeiras formam mais de 50 “empresas mistas” com a empresa petrolífera estatal venezuelana PDVSA e são responsáveis por entre 50% e 70% das suas exportações de petróleo.

A aprovação, em 2020, da lei antibloqueio acelerou a criação de empresas mistas sem supervisão democrática, na prática privatizando cada vez mais partes do setor petrolífero doméstico em concessões que duram até depois da década de 2040. Na sua forma atual, o Estado venezuelano, ao invés de ser um obstáculo ao acesso privado à sua riqueza petrolífera, tornou-se um parceiro disposto e garantidor desta extração. De fato, o Estado venezuelano assumiu a tarefa de disciplinar a força de trabalho em seus campos petrolíferos, prendendo mais de 100 líderes sindicais da indústria petrolífera somente no último ano.

A situação é muito pior no setor de mineração e extração de minerais da Venezuela, historicamente subdesenvolvido. Em 2016, o governo criou o Zona Estratégica Nacional de Desenvolvimento do Arco Mineiro de Orinoco, cobrindo 12% do território nacional, incluindo os territórios históricos das tribos indígenas Warao, Pemón, Piaroa, Ye’kwana e Arawak. Os resultados têm sido desastrosos do ponto de vista ecológico e social, com a maioria das operações de mineração lideradas por pequenos atores não estatais e gangues transnacionais organizadas, levando ao tráfico humano, mineração ilegal, devastação ambiental e uma infinidade de violações dos direitos humanos contra a população indígena, incluindo massacres, exploração infantil, abuso sexual e escravidão. Quase nenhuma parte da riqueza extraída vai para os cofres venezuelanos; em vez disso, é lavada para exportação direta para os mercados minerais mundiais. As Forças Armadas venezuelanas supervisionam esta área, fechando os olhos às práticas generalizadas de exploração e destruição ambiental ou se beneficiando de subornos e do fornecimento de recursos, tais como combustível.

Durante a última década, o governo venezuelano provou ser flexível às demandas do capital fóssil e extrativista, representado nas companhias petrolíferas globalizadas privadas ou em pequenas operações ilegais de mineração. Embora os EUA estejam interessados nos recursos venezuelanos, os riscos que provêm de uma invasão tornariam paradoxalmente mais difícil a extração, pelo menos durante décadas. Sem o controle das forças armadas no território, a função disciplinadora sobre a população e a função coordenadora sobre o transporte de bens e capitais, a Venezuela é uma perspectiva menos atraente para a exploração. Os EUA talvez acreditem que podem alcançar uma vitória rápida e fazer a transição a um novo regime com a estrutura do Estado praticamente intacta, mas o resultado mais provável de um colapso do Estado é que prevalecerá uma situação caracterizada por uma extração caótica e sem lei, com baixa produtividade.

Maduro e a classe capitalista doméstica que o apoia certamente ainda não esgotaram as concessões que poderiam fazer, mas Trump não está interessado. Precisamos ver não apenas os recursos venezuelanos como o principal motivador aqui, mas também o novo estilo de política externa de Trump, em que as preocupações econômicas imediatas são equivalentes às motivações políticas e raciais e que as tentativas do governo de projetar poder e força militar em um mundo onde os EUA estão em constante declínio de influência.

A nova face do imperialismo

Em 3 de outubro, a Suprema Corte dos EUA aprovou a decisão do governo Trump de remover o Temporary Protected Status (TPS) de mais de 300 mil imigrantes venezuelanos nos EUA, pavimentando o caminho para a eventual deportação deles dos EUA. O TPS abrange a maioria dos imigrantes venezuelanos que residem nos EUA. Apesar de representarem uma pequena porcentagem dos mais de sete milhões de venezuelanos que fugiram do país na última década, os venezuelanos nos EUA estão na linha de frente de uma nova campanha de racialização e demonização, sendo associados com gangues como os Tren de Aragua e ao tráfico internacional de drogas. Isso é repetido por políticos de direita em toda a América Latina, como José Antonio Kast no Chile e Nayib Bukele em El Salvador. A ascensão da política de direita global fornece ao imperialismo motivos adicionais para atacar e intervir em Estados estrangeiros — motivos baseados na política racial e na gestão das populações internas.

Nesse sentido, a atual escalada dos EUA na Venezuela tem dois objetivos importantes. O primeiro é que a mudança de regime pode estabelecer as condições para o retorno forçado de centenas de milhares de venezuelanos residindo fora do país. O segundo é que o uso da força extraordinária contra os venezuelanos, seja como imigrantes criminalizados nos EUA ou como indivíduos criminalizados em seu próprio território, cria a justificativa para o uso contínuo dessa força, incorporando-a como uma função central do Estado. A gestão e o controle das populações imigrantes internas se fundem com a ação militar contra aquelas mesmas populações em seus países de origem, uma lógica pioneira da Guerra ao Terror e, agora, amplificada na retórica anti-imigrante de Trump e no uso da Immigration and Customs Enforcement (ICE).

A guinada da administração de Trump, da aproximação e normalização com a Venezuela para o aumento das forças no Caribe e ataques contra o país, pode ser explicada pelos esforços contínuos de lobby de María Corina Machado nos meses seguintes à eleição de Trump [20]. Este lobby consistiu em associar o tráfico internacional de drogas ao governo da Venezuela e destacar alegações de que as duas organizações criminosas venezuelanas – a gangue Tren de Aragua e o Cartel de los Soles – operam nos EUA. As duas organizações desempenham um papel relativamente mínimo no tráfico de drogas nos EUA (algo compreendido pelas agências de inteligência estadunidenses [21]), mas Machado forneceu ao governo Trump um casus belli [causa para a guerra] e grande parte de sua retórica para justificar ataques contra imigrantes venezuelanos nos EUA e contra o Estado venezuelano. Ela chegou até mesmo a promover a narrativa de agentes iranianos a três horas de Miami [22], uma visão do Estado venezuelano como inimigo fundamental dos EUA, o que justificaria sua destruição. Machado criou um poderoso alinhamento entre suas ambições políticas e a política interna de Trump, ignorando a vida dos venezuelanos perseguidos pelo ICE e dos venezuelanos alvo de ações militares no Caribe.

No entanto, falta uma visão estratégica dos EUA para a América Latina. Terminaram os dias de formação de um bloco subserviente aos interesses do capital global baseados no neoliberalismo e no livre mercado. As classes capitalistas domésticas no continente cada vez mais olham para a China e para outras economias emergentes para o comércio e o desenvolvimento. Os EUA estão interessados em se apropriar dos recursos centrais para si mesmo – sejam eles o Canal do Panamá ou as terras raras bolivianas -, mas já não são capazes de estruturar economias e políticas inteiras ao redor de si mesmo. Os EUA podiam anteriormente contar com uma combinação de ajuda, acordos de livre comércio, controle sobre o International Monetary Fund (IMF) e a promessa de integração com organizações transnacionais, tais como a Organisation of American States (OAS), mas esses dias já se foram.

Como um império em declínio, os EUA agora operam principalmente com uma base em transações, esperando que a ameaça da força militar seja suficiente para fazer com que os países se alinhem. Os países da América Latina serão obrigados a perseguir os fantasmas das prioridades domésticas de Trump – menos imigração, mais terras raras, menos produção de drogas, menos envolvimento com a China etc. – sob a ameaça de uma ação militar. No caso da Venezuela, o emprego das forças é o objetivo: se tornar um exemplo disciplinar para toda a região e seus povos, para deixar claro que é possível colapsar um Estado e sem enfrentar consequências. É uma projeção vazia de poder que certamente terá um efeito contrário, mas não antes de milhões de venezuelanos sofrerem com isso.

Tornando a solidariedade efetiva

Entre a repressão estatal, os ataques da oposição de direita e a ameaça de invasão dos EUA, as classes pobres e trabalhadoras da Venezuela encontram-se na incrivelmente difícil posição de ter que recompor a oposição política a partir de baixo. Para um trabalhador sindicalizado do setor petrolífero em Paraguaná, um mineiro da etnia Pemón em Guasipati ou um morador do bairro Cota 905 em Caracas, a perspectiva de um ataque dos EUA é mais distante e abstrato do que os confrontos diários com as classes militares e abstrata do que seus confrontos diários com as classes militar e empresarial que essas forças apoiam. É necessário apoiar todas as lutas da classe trabalhadora, destacar os abusos cometidos pelo Estado e abrir espaço para críticas ao governo venezuelano. No entanto, seria também um grave erro para a esquerda condicionar de alguma forma o seu apoio à Venezuela, que enfrenta um ataque imperialista dos EUA.

A oposição liderada por María Corina Machado não fornece respostas ao sofrimento da Venezuela. Sua política de oferecer todos os recursos naturais da Venezuela ao capital privado, sua disposição de concordar com a demonização dos migrantes venezuelanos por Trump e seu lobby por uma ação militar contra o regime de Maduro tornam óbvio que, longe de ser uma formação democrática, liberal e unitária, a oposição ainda está refém de sua ala mais reacionária. Incapaz de aproveitar o impulso de 28 de julho de 2024, ela agora aposta em arriscar um colapso total do Estado venezuelano para ascender ao poder.

Felizmente, lutas recentes proporcionam à esquerda internacional respostas renovadas a tais dilemas. Como mostrou o movimento de solidariedade à Palestina, o imperialismo é um projeto da classe dominante que começa em casa. Tem uma base material nos Estados e nas sociedades em que vivemos. Para ser eficaz, o anti-imperialismo deve se expandir a partir das antigas formas de visitas internacionais encenadas, delegações sindicais e declarações e distinções políticas cuidadosamente formuladas. A situação atual exige ação solidária. A indústria de armas, o capital fóssil e os regimes de opressão racista e policiamento de fronteiras que dominam a vida de boa parte dos sete milhões de venezuelanos que vivem no exterior devem ser desafiados diretamente pela mobilização em massa da classe trabalhadora. É necessária uma nova gama de estratégias.

O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista.

Traduzido de https://revsoc21.uk/2025/11/07/venezuela-between-crisis-and-invasion/, por Paulo Duque, do Esquerda Online.


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição