Iminência de uma agressão imperialista na Venezuela
Publicado em: 28 de novembro de 2025
Quando a casa do vizinho está pegando fogo, a minha casa está em perigo
Provérbio popular português
1. O objetivo declarado da ofensiva militar dos EUA é a derrubada do governo Maduro. A chave da situação latino-americana está hoje na Venezuela. Uma intervenção parece iminente. Trump não apresentou nenhuma proposta que não seja rendição. Não tem condições para invadir o país com um exército, como foi feito no Iraque ou no Afeganistão, mas tampouco vai recuar de um dispositivo militar tão poderoso. São vários os cenários possíveis: (a) o início de uma onda de bombardeios contra alvos militares e econômicos; (b) operações de comandos para liquidar lideranças chavistas, a começar pelo próprio Nicolás Maduro; (c) as opções anteriores simultâneas, e outras. Seria, portanto, uma leviandade imperdoável não compreender ou subestimar o drama que representa a presença de uma força militar de dimensões sem precedentes na sua fronteira. As alegações de Trump são insustentáveis: (a) a acusação de que Maduro seria líder de narcotráfico, à frente de um imaginário Cartel de Los Soles é, internacionalmente, reconhecida como absurda; (b) a acusação de que os EUA pretendem derrubar Maduro porque seria um tirano à frente de uma ditadura chavista é indefensável porque Trump apoia, incondicionalmente, déspotas sanguinários Mohamed bin Salman da Arábia Saudita; (c) a acusação de que a intervenção é necessária em função de uma crise humanitária que gerou a migração de sete milhões é de um cinismo monstruoso, porque os EUA apoiaram, ininterruptamente, o genocídio sionista contra os palestinos de Gaza; (d) a acusação de que a Venezuela seria um “enclave” da Rússia, China e Irã ou uma ameaça à segurança nacional do EUA é tão desproporcional, que é ridícula. O ataque de Trump responde à independência da Venezuela, não à natureza do regime chavista. O conceito de governo “independente” é útil em um sistema internacional de Estados que merece mais do que nunca o nome de ordem imperialista, porque é uma “anomalia”. Governos independentes são raros, excepcionais e, portanto, instáveis. A estratégia de Trump sinaliza os perigos que qualquer governo de esquerda terá de enfrentar, se desafiar os estreitos limites da ordem imperialista.
2. Nada nem remotamente semelhante foi feito na América Latina desde o fim da guerra fria. Trump está deixando claro que, na região do mundo que, historicamente, o imperialismo norte-americano considerava seu “pátio traseiro” ou “retaguarda estratégica” usarão o poder militar, quando se sentirem ameaçados. Nos últimos trinta e cinco anos, ou seja, desde a restauração capitalista e do fim da URSS, não tem precedentes. Desde a invasão da República Dominicana em 1965 para derrubar o governo reformista de Juan Bosch, do o apoio financeiro e militar aos Contras na Nicaragua na sequência da vitória da revolução sandinista de 1979, da invasão da ilha de Granada em 1983, e da invasão do Panamá por vinte mil militares e sequestro de Noriega em 1989, nunca mais se viu uma operação militar desta dimensão. Trata-se uma ofensiva que confirma um giro e reposicionamento dos EUA diante da América Latina. O que vale hoje para a Venezuela, vale para qualquer país. Quando o mais perigoso inimigo das nações dependentes faz um giro de tática, a esquerda tem que fazer, também, um giro de estratégia.
3. Quais são os objetivos ocultos de Trump? (a) a Venezuela tem as maiores reservas mundiais de petróleo e gás: é o seu privilégio e sua maldição e os EUA querem acesso estratégico irrestrito, o que é incompatível com um Estado independente. O cerco imperialista do bloqueio é a explicação principal para a crise econômica de superinflação, desabastecimento, contração do PIB, desemprego e redução da produção de petróleo e migração em massa, mas o governo não foi derrubado; (b) a independência da Venezuela é mais do que um mau “exemplo”, trata-se de um desafio ao domínio do “quintal” para garantia de abastecimento estratégico diante da crescente disputa com a China; (c) Trump está engajado em uma subversão da institucionalidade mundial que os EUA ajudaram a construir nos últimos trinta e cinco anos – OTAN, Tratado de Paris e G-20 – e não hesita na consciente violação do Direito Internacional para estabelecer precedentes.
4. Por que a esquerda brasileira deve ser solidária com a Venezuela? (a) defesa irrestrita de um país independente diante do imperialismo norte-americano é um princípio elementar, e não equivale a apoio político incondicional ao governo Maduro; (c) a aposta estratégica deve ser na integração latino-americana, ainda que seja, defensiva e taticamente, prudente a integração aos Brics. O governo Maduro assumiu um projeto de regulação nacionalista estatal do capitalismo com reformas sociais muito progressivas. Nunca se abriu um processo de ruptura com o capitalismo como em Cuba em 1961, mas o contexto histórico foi sempre muito mais adverso. A situação social das massas permanece grave, apesar de uma irrefutável recuperação desde 2023, com altos índices de pobreza que explicam a emigração de pelo menos 20% da população. Ainda que prevaleça um regime autoritário, trata-se – como alertou Trotsky – de um bonapartismo sui generis, ou seja, defensivo e anti-imperialista, portanto, progressivo como foram os governos de Cárdenas no Mexico, Péron na Argentina ou Getúlio Vargas no Brasil, e tem base social indiscutível. Ainda que o PSUV seja monolítico, o governo Nicolás Maduro tem implantação social irrefutável. O principal inimigo da America Latina é o governo Trump e a estratégia deve responder a esta ameaça.
5. O governo Lula até agora errou muito sobre a relação com Caracas: (a) errou ao não reconhecer o resultado das eleições, porque subestimou o perigo neofascista que Maria Corina e a candidatura de Edmundo Gonzalez representavam; (b) errou ao vetar, inexplicavelmente, a presença da Venezuela nos Brics, um gesto desnecessário de hostilidade ao governo Maduro; (c) errou na inconsistência de uma diplomacia de bastidores na defesa da Venezuela, uma insustentável ambiguidade estratégica diante do perigo Trump, que não hesitará em intervir nas eleições de 2026 no Brasil, como, recentemente, na Argentina de Milei.
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