As extremas direitas entre o negacionismo e o ecofascismo

As extremas direitas têm sido um elemento fundamental no crescimento do negacionismo climático. Com a chegada de Donald Trump ao poder em 2017, uma nova onda negacionista se iniciou, não se limitando mais aos think tanks, mas se fundamentando nos governos. Entretanto, nas direitas radicais também se encontram estratégias “retardistas” - que não negam as mudanças climáticas, mas buscam frear as ações contra elas - e até mesmo diversas expressões de “ecofascismo”.


Publicado em: 23 de novembro de 2025

Maristella Svampa, do portal Nueva Sociedad

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Maristella Svampa, do portal Nueva Sociedad

Esquerda Online

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Apoiadores de Trump durante campanha eleitoral segurando cartazes com o slongan: "drill baby, drill" (perfura, baby, perfura).

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O negacionismo está em ascensão, como sustenta a pesquisadora italiana Donatella Di Cesare, autora de “Se Auschwitz é nada: contra o negacionismo” [1]. Suas expressões são variadas, mas incluem não apenas a negação do holocausto ou as mudanças climáticas (como antes foi o negacionismo dos impactos do consumo de tabaco sobre a saúde humana),  mas também a negação da pandemia, a rejeição às vacinas, a negação dos problemas que os migrantes enfrentam. O negacionismo não coloca uma “dúvida construtiva”, mas o que Di Cesare chama de “dúvida hiperbólica”. “Os negacionistas, que atuam como ‘dobermans de pensamento’, não perguntam inocentemente por um número, mas tem uma real dúvida e uma vocação para conhecer mais e melhor um fenômeno. O que fazem, na verdade, é instalar uma dúvida que contém em si uma postura negacionista” [2]. Nessa linha, pode-se dizer que a postura negacionista das direitas radicais busca reforçar a polarização assimétrica [3], como parte de sua estratégia de acumulação política. Por um lado, o negacionismo histórico ampliou suas fronteiras. Se na  Europa fazia alusão ao holocausto judeu, que é negado ou tende a ser relativizado, na América do Sul se aplica às ditatudas militares da década de 1970. Não é casual que ambos os negacionismos se refiram aos fatos cruciais cujo processo histórico e reconhecimento está na base das democracias atuais. Com isso, se busca destruir a memória e os aspectos da comunidade democrática que se construiu em torno dela, como sustenta Di Cesare.

Em resumo, pensar que o negacionismo das extremas direitas é exclusivamente climático é um terror. Porque o negacionismo também inclui determinadas interpretações da história que, em geral, fazem alusão a acontecimentos muito traumáticos, como massacres e genocídios. Isso acontece no Brasil e na Argentina, onde coexiste com o negacionismo histórico das atrocidades cometidas pelas últimas ditaduras militares de ambos os países ou, na falta disso, busca-se amenizar sua gravidade, equiparando os crimes de lesa-humanidade cometidos pelo Estado com os crimes das organizações armadas que atuaram naquela época.

A dúvida hiperbólica – a suspeita em relação aos cientistas e às supostas lacunas do conhecimento –  também foi a base do negacionismo climático entre 1990 e 2000. Consiste em rejeitar os resultados da investigação científica e negar as origens antropogênicas da crise climática, o que se expressa na recusa em implementar qualquer política pública nacional e internacional que aponte para a redução e a mitigação dos gases do efeito estufa ou a adaptação às mudanças climáticas. O negacionismo climático tem como efeito isentar tanto os Estados quanto os indivíduos da responsabilidade pela catástrofe ambiental.

Dito isto, é necessário distinguir duas diferentes ondas do negacionismo climático. A primeira, nascida logo após a queda do Muro de Berlim em 1989, se estendendo até os primeiros anos do século XXI. A primeira, a partir de 2015, acompanha e alimenta a expansão das extremas direitas. Em sua versão mais clássica, o negacionismo responde a uma matriz ideológica ultraliberal e conservadora que se opõe ao papel regulador do Estado e das instituições globais multilaterais. Em relação às problemáticas ambientais – negação das mudanças climáticas – quanto sanitárias –  negação dos efeitos nocivos do tabaco sobre a saúde humana -, a estratégia utilizada sempre foi a mesma: rejeitar, em nome da “liberdade” individual e do mercado, qualquer intervenção reguladora do Estado, instalando uma dúvida hiperbólica quase sempre associada à uma hipótese conspirativa ou teoria da conspiração.

O ponto de partida dessa cruzada negacionista foi o governo republicano de Ronald Reagan (1987-1989), cuja política desreguladora abriu uma brecha ainda maior entre os republicanos e democratas em relação a estes temas [4]. Foram criadas poderosas instituições ligadas às corporações fósseis que cooptaram cientistas marginais para entrar no debate em escala internacional, negando as bases científicas do aquecimento global e se opondo a qualquer tipo de regulação que limitasse as emissões de gases de efeito estufa. Para o ecomarxista Andreas Malm, tratava-se também de uma máquina de negação para proteger um elemento da ideologia dominante contra a ciência do clima, vinculada a diversas frações do capital fóssil [5]. Entre outras, a Coalizão Global pelo Clima (GCC, na sigla em inglês), muito ativa entre 1981 e 2002, contou com o apoio da petroleira ExxonMobil. O caso de Exxon é paradigmático, visto que, entre as décadas de 1970 e 1980, esta empresa contratou cientistas qualificados para investigar o problema do aquecimento global, os quais confirmaram que este existia e estava ligado às atividades humanas. Diante destes resultados, a petroleira continuou assumindo uma posição negacionista e até mesmo contribuiu para evitar que os Estados Unidos ratificassem o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997. O exemplo mais conhecido é o Instituto Heartland, fundado em 1984, um think tank neoliberal com sede em Washington, financiado por doadores anônimos ligados às empresas de combustível fóssil e por fundações de extrema direita vinculadas à Koch Industries, que desde 2008 organiza reuniões internacionais de negacionistas das mudanças climáticas.

Os danos produzidos pelo negacionismo climático são incalculáveis e de ampla duração. Já em 1995, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), tinha chegado a uma conclusão de que as atividades humanas (antropogênicas) afetam o clima do planeta. No entanto, apesar da intensa campanha que estas fundações e empresas de combustível fóssil realizaram contra os cientistas do clima para relativizar e difamar os relatórios do IPCC, no início do novo século o negacionismo começou a enfraquecer. Em 2006, foi lançado o documentário “Uma verdade inconveniente”, do ex-vice-presidente estadunidense Al Gore, que teve grande repercussão mundial. Por outro lado, os movimentos pela justiça climática eram cada vez mais fortes, em especial na Europa, e atuavam em espaços multilaterais para alcançar novos acordos internacionais. Diante desta realidade, diversas empresas de combustível fóssil se retiraram das fundações e entenderam que, pelo menos publicamente, o melhor era apostar no greenwashing [6].

Enfim, parecia que os planetas se alinhavam. A partir daí, ninguém mais poderia questionar a origem antropogênica das mudanças climáticas, nem suas consequências sobre a vida no planeta. Assim, abria-se uma nova oportunidade que a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de Paris, realizada em 2015, aproveitaria para traçar um caminho claro para a redução do dióxido de carbono,  a fim de não transpor o limite de 1,5ºC de  aumento da temperatura em relação ao período pré-industrial. É lógico que havia desacordos sobre o horizonte temporal, visto que a velocidade ou o ritmo dessas mudanças não podiam ser previstas completamente e variam de um país para outro. Apesar de não ser de caráter vinculante, o acordo de Paris foi assinado por 197 Estados, que se comprometeram a apresentar programas nacionais de redução de emissões.

No entanto, o cenário internacional ficou mais uma vez complexo com o impulso que tomaram as extremas direitas antiglobalistas na Europa e, sobretudo, com a primeira presidência de Donald Trump em 2017. Assim, surgia a segunda onda negacionista, agora não apenas impulsionada pelas think tanks das corporações fósseis e suas fundações, mas também por governos e partidos de extrema direita que negam as mudanças climáticas ou sua origem antropogênica, impulsionando políticas públicas fósseis e contra o meio ambiente.

Esta vingança do capital fóssil definiu o campo de batalha e conseguiu adeptos impensados, ao ponto de debilitar os movimentos ecologistas precisamente ali onde eram fortes e tinham maior incidência política, como na Alemanha, Dinamarca e Suécia. Como sustenta Malm, que conduziu a pesquisa mais completa sobre a relação entre etnonacionalismos e negacionismo climático, o apocalipse não é o clima, como afirmam os partidos de extrema direita, mas “um engano dos comunistas”, como alega Trump. O verdadeiro apocalipse é a invasão de estrangeiros não brancos em seus países [7]. Não é casual que ambos os tópicos, a rejeição das mudanças climáticas e a afirmação do perigo migratório, apareçam de modo obsessivo. Segundo Mark Stern, autor de “American Alone”,  os muçulmanos e os movimentos climáticos supostamente compartilham uma visão baseada na “reprimitivação do planeta”, pois ambos “detestam o ocidente” e criticariam a modernidade [8].

Nesse sentido, as extremas direitas rejeitam a Agenda 2030 em vistas do desenvolvimento sustentável, traçada no Acordo de Paris, onde se detalham 17 objetivos para reduzir a pobreza, alcançar um planeta sustentável, diminuir as desigualdades de gênero, erradicar a fome e criar o emprego decente. Nada que uma pessoa medianamente sensata poderia se opor. Mas não nos enganemos: mais do que um plano de ação global, a Agenda 2023 é uma declaração de princípios. De modo definitivo, o problema não são seus objetivos, mas os espaços multilaterais que propõem uma governança ambiental mundial [9] e, assim, se instalam em uma esfera que, para as direitas radicais, é de atribuição exclusiva dos Estados nacionais. Por isso, para certas correntes europeias estrategicamente mais sensíveis à crise ambiental, a fórmula será nacionalizar a questão.

Deste lado do Atlântico, sem dúvida, Trump (2017-2021 e desde 2025) e Jair Bolsonaro (2018-2022), como agora Javier Milei na Argentina (desde 2023), mostram até onde podem chegar as extremas direitas com suas políticas negacionistas. Não é apenas o fato de saírem das negociações multilaterais (COP, Acordo de Paris), mas principalmente o desmonte sistemático da legislação ambiental e energética nacional, além do impulso redobrado que tomam os combustíveis fósseis. Fiel à sua concepção fóssil da economia, assim que assumiu em 2017, Trump voltou atrás nas medidas de seu predecessor, Barack Obama, e publicou a ordem executiva “para promover a independência energética e o crescimento econômico”. Nesse sentido, desmantelou o Plano de Energia Limpa (que coloca limites às usinas a carvão e impulsionava novas exigências de eficiência e redução de emissões de veículos automotores), desregulou a indústria fóssil, nomeou como funcionários diversas pessoa vinculadas a ela e, logicamente, como tinha prometido, saiu do Acordo de Paris [10].

Nos primeiros seis meses, Trump lançou a iniciativa “America First” [EUA em primeiro lugar]; o componente energético de sua estratégia global não apenas era ser independente do Oriente Médio e conseguir a soberania energética, mas conseguir o domínio energético baseado na exploração de hidrocarbonetos não convencionais extraídos através de fracking [técnica de extração de gás natural e petróleo]. Tudo isso era acompanhado por uma política contra o meio ambiente, que se estendeu ao cancelamento da linguagem ambiental: “Desapareceram as referências às mudanças climáticas e se alteraram as formas em que os temas ambientais eram abordados nas páginas da Internet destas instituições governamentais, a começar pela Casa Branca” [11].

Muitas páginas da internet sobre estes temas desapareceram da noite para o dia, o que impediu o acesso à informação pública. Em outras, as mudanças climáticas foram substituídas por conceitos como sustentabilidade ou resiliência. Depois de um ano em que os EUA foram golpeados com uma intensidade particular por desastres naturais associados às mudanças climáticas, a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA, na sigla em inglês) eliminou esta questão de seu plano estratégico.

Algo parecido aconteceu com Bolsonaro. Para o então ministro de relações exteriores do Brasil, Ernesto Araújo: “A esquerda sequestrou a causa ambiental e a perverteu até o paradoxo,  nestes últimos 20 anos, com a ideologia das mudanças climáticas, o climatismo. […] O climatismo é simplesmente uma tática globalista para instalar o medo, para obter mais poder” [12].

Assim, o negacionismo também serviu para atacar o “globalismo”, associá-lo a um “neoimperialismo” representado por organizações multilaterais e, assim, afirmar uma linguagem de soberania – pouco confiável – em relação à Amazônia [13]. Também foi implementada uma política acelerada de flexibilização ambiental e desmantelamento das leis vigentes. As organizações públicas encarregadas de implementar a política ambiental – vigilância, proteção, fiscalização – foram desestruturadas de modo financeiro e administrativo em nome da desburocratização. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente foi cortado em 25% e a Secretaria de Mudanças Climáticas foi extinta. Além disso, a Amazônia sofreu o pior desmatamento desde 2008 e os piores incêndios. É muito lembrado o “dia do fogo”, comemorado por pecuaristas e outros produtores que saíram para fazer as queimadas.

Por outro lado, a eliminação de órgãos de fiscalização e de controle estatal, sobretudo em relação à Amazônia, afeta particularmente os povos indígenas. O processo de demarcação de terras indígenas foi judicializado e chegou até no Supremo Tribunal Federal. Não por acaso os povos indígenas se tornaram os principais opositores ao governo Bolsonaro, juntamente com o mundo da cultura. A tomada de terras indígenas, o desmatamento, a mineração ilegal, a interrupção no fornecimento de alimentos e medicamentos; pelo menos 570 crianças do povo yanomami morreram sob o governo Bolsonaro por desnutrição ou malária, entre outros problemas de saúde. Os indígenas afirmam que mais de 20 mil mineiros ilegais, conhecidos como garimpeiros, entraram em seu território a partir de 2019. Roraima, a zona de disputa, foi declarada em estado de emergência sanitária apenas em 2023, durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A Amazônia é uma área muito rica. Em Roraima, existe uma tabela periódica debaixo da terra”, havia expressado Bolsonaro [14], que hje enfrenta uma acusação de incitação ao genocídio, julgada pelo Supremo Tribunal Federal desde 2023.

Centro discurso ditatorial e o ecofascismo

Antes das eleições de junho de 2024, havia na União Europeia 21 partidos de extrema direita representados no Parlamento em Bruxelas; hoje são o dobro, com os 200 deputados [15].  Estes votam regularmente contra as políticas ambientais e energéticas – dois em cada três, segundo um estudo citado [16]. Agora, o Pacto Verde Europeu é uma política de Estado, em escala regional, e inclui um importante pacote de financiamento voltado para a transição energética. Isto faz com que os partidos de extrema direita não possam evitar falar e debater sobre a crise climática. Além disso, torna-se cada vez mais difícil negar o impacto das mudanças climáticas diante dos eventos extremos, como inundações, ondas de calor ou, mais recentemente, a tempestade que devastou diversas áreas de Valência, um fenômeno meteorológico agravado pela crise climática e pela ausência de alertas precoces.

No entanto, quando estes partidos assumem cargos executivos em diferentes regiões – como acontece com o Vox na Espanha -, eles hesitam em implementar as políticas públicas propostas ou em obedecer à Lei Europeia do Clima. Assim, se produz uma guinada em direção ao negacionismo interpretativo, pois se reconhece que as mudanças climáticas existe, mas minimiza-se ou distorce-se suas causas. É assim que nas pesquisas acadêmicas se fala de uma mudança na tática das extremas direitos e uma guinada em direção a um discurso “retardista” ou “dilatório”, que busca nacionalizar a problemática ambiental, reivindicando a “inocência nacional” ou falta de responsabilidade diante de outros países mais contaminantes e recusando a “ecologia punitiva” [17].

Este discurso dilatório é posterior à expansão dos movimentos juvenis como Fridays for Future [Sextas pelo Futuro], que surgiu em 2018 como militância estudantil contra o aquecimento global e cuja referência mais conhecida é a ativista sueca Greta Thunberg. Trata-se de um discurso que articula diferentes estratégias, com aparências contraditórias, como mostra um estudo realizado pela Universidade de Cambridge [18]. Por um lado, acompanha o tecno-otimismo, que geralmente aposta no business as usual; por outro, enfatiza os efeitos negativos das políticas climáticas sobre o nível da vida da sociedade.

Este tipo de discurso sobre os impactos negativos no nível da vida da sociedade apela aos medos, sobretudo das classes médias e baixas, medos que são em parte fundamentados, já que, no âmbito das políticas de transição, esses setores costumam ser os mais prejudicados. Existe o exemplo esclarecedor dos “coletes amarelos”, o movimento social que surgiu na França em 2018 contra o aumento do imposto sobre os combustíveis com uma justificativa ambiental, no governo de Emmanuel Macron, que, enquanto penalizava os setores médios e médios-baixos, estabelecia políticas fiscais para baixar os impostos aos mais ricos.

Por outro lado, surgiram setores ecofascistas na extrema direita que colocam a necessidade de responder às demandas de um potencial eleitorado sensível à crise climática. O partido que saiu na frente foi o de Marine Le Pen, que desde 2000 abandonou o negacionismo para incorporar temas ambientais; uma nova abordagem que alguns chamam de ecobordering, já que propõe fechar as fronteiras sob o pretexto de ecologia. O ecobordering ou ecofronteira sustenta que a imigração é uma ameaça para o meio ambiente local ou nacional diante da escassez de bens naturais e a crescente contaminação. O apego à terra, o supremacismo branco-ocidental e o ambientalismo são os três elementos-chave: “Se você é nômade, não pode ser ambientalista”, afirmou certa vez Marine Le Pen, enquanto seu braço direito, Jordan Bardella, declarava que “as fronteiras são as melhores aliadas do meio ambiente; é por meio delas que salvaremos o planeta”. O ecofascismo torna-se, assim, uma espécie de protecionismo ambiental em escala nacional que continua negando a associação entre capitalismo e crise climática, mas que busca responsabilizar a imigração massiva, os “vândalos ambientais”, que seriam opostos aos “guardiões nativos” [20]. O ecofascismo não é apenas algo novo, mas também coloca em dúvida a ideia generalizada de que a ecologia está exclusivamente em sintonia com uma ideologia progressita. Existe uma corrente malthusiana associada à ecologia que, diante da finitude dos recursos, enxerga na superpopulação o maior problema ambiental. Mesmo assim, em suas origens, a ecologia se inseriu num quadro reacionário, vinculado à simbiose entre a sociedade humana e o ambiente natural, onde se podia ler uma rejeição à modernidade, à revolução burguesa, ao liberalismo, ao laicismo e à vida contaminada ou corrupta das cidades como opostas ao tradicionalismo rural.

A série inspirada na novela “O conto da criada”, de Margaret Atwood, retrata com uma estética de crueldade um regime teocrático e ecofascista. No entanto, sem necessidade de recorrer à ficção, vale recordar que a Alemanha nazista foi um terreno propício, onde se desenvolverem as bases de um ecofascismo ancorado na teoria de Lebensraum, o espaço vital, a tese do solo e do sangua, na qual convergiam nacionalismo e racismo. Não se deve esquecer que Adolf Hitler era vegetariano e Hermann Göring, animalista; por sua vez, Heinrich Himmler havia criado, no campo de concentração de Dachau, uma grande extensão de terras irrigadas, onde os prisioneiros realizavam trabalhos forçados. O nome que a imaginação macabra da SS deu a essa empresa agrícola foi “jardim de ervas medicinais”. Himmler também promovia a criação de uma “medicina popular” naturista, um projeto de grande prestígio na política sanitária do nacional-socialismo.

No entanto, o ecofascismo aparece como uma “modalidade organizativa do pensamento ecológico mais reacionário” e não como um movimento organizado [21], sendo utilizado pelas extremas direitas como Reagrupamento Nacional na França, o Partido Nacional Suíço (dissolvido em 2022) e o Partido Nacional Britânico, que diz ser “o único partido verde da Europa”. Em 2024, surgiu um partido de extrema direita ecologista na Romênia que, além de tudo isso, acrescenta uma perspectiva anticolonial ao se posicionar como um país periférico – “um lugar que não importa” – e celebra o “autêntico camponês romano” [22].

O termo “ecofascista” se difundiu nos meios de comunicação depois que um etnonacionalista australiano, que se autodenominava assim, em 2019 atacou duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, matando 51 pessoas e deixando 40 feridos. Pouco depois, houve um atentado parecido no supermercado Walmart em El Paso, nos EUA, contra pessoas de origem mexicana e o assassino fez uma declaração ecofascista divulgada na internet onde declarava que “o nacionalismo verde é o único nacionalismo” e concluía: “Não existe conservadorismo sem a natureza, não existe nacionalismo sem ambientalismo. Nascemos de nossas terras e nossa própria cultura foi moldada por nossas terras. A proteção e preservação destas terras tem a mesma importância que a proteção e preservação de nossos ideais e nossas crenças. Não existe tradicionalismo sem ambientalismo” [23].

Estas manifestações ecofascistas retomam a teoria da conspiração da substituição populacional, tão em voga na Europa, e supõem uma adaptação da problemática ambiental nos termos da nacionalização, negando seus traços globais e sua conexão com a dinâmica capitalista. Suas ações, embora isoladas, não escapam à preocupação de um movimento e um ativismo ambientais que, em linhas gerais, são progressistas. Em seu livro “On fire”, Naomi Klein escreveu: “O que temo é que, a menos que a forma como nossas sociedades enfrentam a crise ecológica mude significativamente, testemunharemos com muito mais frequência esse tipo de ecofascismo supremacista branco, transformado em uma racionalização furiosa da negação de assumir nossas responsabilidades climáticas coletivas” [24].

Existem diferentes variantes da extrema direita, embora todas compartilhem a estratégia da polarização assimétrica como lógica de construção política. Além do fato de algumas se moderar quando chegam ao poder e outras se radicalizam, a invalidação do outro é menos uma questão de retórica do que o sinal de uma “mudança de época”; não é tanto um “teto” quanto um “piso”, pois anuncia uma mudança de regime, um horizonte de expansão para regimes antipluralistas ou iliberais que buscam consolidar um modelo autocrático de poder. Assim, o projeto das extremas direitas aponta para a fascistização da sociedade, que, diante da magnitude da policrise e do colapso das certezas, se refugia em imagens de um passado glorioso e feliz, é uma utopia neorreacionária.

Além disso, como temos visto, é preocupante o uso das novas tecnologias de compilação e análise de dados para capturar e canalizar os sentimentos mais extremos, especialmente a forma como a extrema direita – os engenheiros do caos – faz uso delas. Por fim, em sua aliança com os CEOs e os multimilionários, as direitas radicais expressam o que chamei de “pancapitalismo do fim”, que exacerba ainda mais o capitalismo extrativista e a supressão de direitos, assim acelerando a policrise civilizatória.

No contexto do agravamento da crise climática, as extremas direitas não apenas experimentam novas formas de negacionismo, mas também abrem as portas a um ecofascismo sob formatos nacionalistas que expressam uma rejeição feroz a um regime climático de governança global. Certamente, as propostas ecofascistas compartilham com as soluções globalistas uma visão otimista da mudança tecnológica como meio para resolver a crise climática, mas propõem rigorosamente uma nacionalização da questão ambiental, que inverte as responsabilidades e acarreta racismo e exclusão. A utopia reacionária e a fossilização do sistema promovidas pelas direitas radicais constituem um salto sem escalas para o capitalismo do caos e o choque com as fronteiras planetárias.

Por fim, o pano de fundo deste processo é que as forças progressistas e as esquerdas institucionais ficaram sem um imaginário político transformador. Longe de apostar em propostas de transformação radical e ações transversais em termos de justiça, não só endossam o processo de aprofundamento das desigualdades, mas também mesmo quem, diante do ataque da direita, recue ainda mais em termos político-sociais, facilitando assim o caminho mais direto para o acesso ao poder da extrema direita.

[1] Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2025.
[2] https://nuso.org/articulo/negacionismo-revisionismo-extrema-derecha-holocausto/
[3] Configuração política bipolar que não se exerce igualmente a partir de ambos os pólos, marcada por um discurso antipluralista e uma prática política agressiva, de invalidação explícita do outro.
[4] Naomi Oreskes e Erik M. Conway. Los mercaderes de la duda. Madrid: Capitán Swing, 2018.
[5] A. Malm. Piel blanca, combustible negro: los peligros del fascismo fósil. Madrid: Capitán Swing, 2024.
[6] O termo greenwashing ou “lavagem da imagem verde” é uma estratégia de marketing empregada pelas empresas para trazer a impressão de que respeitam o meio ambiente. Por meio de promessas e campanhas que exageram ou distorcem a realidade de suas práticas ambientais, buscam ganhar a confiança dos consumidores e melhorar sua imagem pública.
[7] A. Malm: ob. cit., p. 63.
[8] Ibid., p. 87.
[9] Inclusive o Acordo de Paris contempla o poder decisório dos Estados nacionais no processo de redução das emissões de dióxido de carbono.
[10] Edgardo Lander: “A sustentabilidade da vida posta em xeque pelo grande capital. Estratégias da indústria de combustíveis fósseis e capitais associados para manipular as políticas ambientais e a opinião pública”, em: Karin Gabbert e Miriam Lang (Ed.). ¿Cómo se sostiene la vida en América Latina? Feminismos y re-existencias en tiempos de oscuridad. Quito: Fundación Rosa Luxemburgo; Abya Yala, 2019.
[11] Citado em: E. Lander: ob. cit., p. 149.
[12] E. Araújo: «Sequestrar e perverter» em: Metapolítica, 12/10/2019.
[13] Miguel Urbán: Trumpismos: neoliberales y autoritarios, Verso, Barcelona, 2024, p. 188. [Trumpismos: neoliberais e autoritários – radiografia da direita radical. São Paulo: Usina, 2025.]
[14] Frédéric Louault: «La política ambiental del gobierno de Bolsonaro» em: Les Études du CERI, 2020.
[15] Estes partidos se agrupam em blocos: Conservadores e Reformistas Europeus, Patriotas pela Europa e Europa das Nações Soberanas.
[16] M. Urbán: ob. cit., p. 189.
[17] https://climatica.coop/discurso-retardista-cambio-climatico-vox/ e https://www.lemonde.fr/politique/article/2022/04/15/marine-le-pen-oppose-son-ecologie-nationale-a-l-ecologie-punitive-d-emmanuel-macron_6122325_823448.html
[18] William F. Lamb et al.: «Discourses of Climate Delay» em: Global Sustainability, vol. 3, 2020.
[19] «Qu’est-ce que ‘l’ecobordering’, cette notion brandie par l’extrême droite qui veut enraciner les individus dans leur terre» em: Radio France, 9/3/2024.
[20] Francesca Santolini. Ecofascisti: estrema destra e ambiente. Milão: Einaudi, 2024.
[21] Ibid.
[22] https://nuso.org/articulo/la-extrema-derecha-rumana-busca-claves-en-el-ecologismo/
[23] https://www.nexos.com.mx/?p=43931
[24] N. Klein. En llamas. Madri: Paidós, 2021, p. 64.

Traduzido de https://nuso.org/articulo/319-extremas-derechas-negacionismo-ecofascismo/ por Paulo Duque, da equipe do Esquerda Online.


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