Em plena COP30, incineradores de lixo nas periferias são solução?


Publicado em: 20 de novembro de 2025

José Carlos Miranda, de São Paulo

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

José Carlos Miranda, de São Paulo

Esquerda Online

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Plenária do Movimento contra Incinerador em Perus 08/11/2025

Ouça agora a Notícia:

Para contextualizar a dimensão da luta atual contra os incineradores na cidade de São Paulo, a partir da nossa participação no Movimento Contra o Incinerador em Perus é necessário compreender o gravíssimo problema da destinação dos resíduos sólidos no Brasil e no mundo e, ainda um dos maiores inimigos do planeta o plástico

Vale ressaltar a gigantesca importância dos movimentos sociais e a mobilização para informar as populações periféricas como elemento fundamental dessa luta. 

Iniciamos esse breve artigo parabenizando os ativistas, especialistas, mandatos populares, sindicatos, coletivos, associações, ONGs que impulsionam e apoiam  Movimento Contra o Incinerador de Lixo em Perus  (@incineradordelixoemperusnão), o Movimento Contra o Aterro e Incinerador em São Matheus (@contraaterroeincineradordelixo) e da Usina Eco Cultural no Ipiranga (@usinaecocultural) que luta para que o antigo Incinerador Vergueiro seja transformado em um centro cultural e museu ecológico.

Só a luta muda a vida!

O lixo é problema mundial 

No mundo hoje, segundo relatório da ONU deve produzir 3,8 bilhões de toneladas de lixo por ano até 2050 em comparação com o volume de hoje, cerca de 2,24 bilhões um aumento de 65%. O relatório ainda destaca que o plástico representa 85% dos resíduos que chegam aos oceanos e adverte que até 2040, os volumes de plástico que fluem para o mar quase triplicarão, com uma quantidade anual entre 23 e 37 milhões de toneladas. Isto significa cerca de 50 kg de plástico por metro de costa em todo o mundo e também aponta que apenas 55% são gerenciados de forma controlada.

No Brasil 

O Brasil produz cerca de 217 mil toneladas ou diariamente 79 milhões de toneladas de lixo, sendo o quarto maior produtor do mundo atrás apenas da China, EUA e Índia. 

Desta montanha de lixo 4% reciclados. Hoje existem cerca de 3 mil lixões a céu aberto no Brasil recebendo 40% ou 30 milhões de toneladas de lixo por ano.  

A lei brasileira para gestão de resíduos sólidos foi instituída em 2010, mas chama Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS-Planares) e estabelece os instrumentos e objetivos que devem ser cumpridos agora pelo Planares, em um horizonte de 20 anos. Entre eles, o fim dos lixões, o estímulo à reciclagem, a valorização dos catadores e a implantação de logística reversa que está atrasada mais de 10 anos.

Outro ponto prioritário do Planares é a reciclagem e o reaproveitamento. A meta principal é de que até o ano de 2040 pelo menos 48% dos resíduos sejam reaproveitados de alguma forma e que, já em 2024, o país recicle ao menos 13,8% dos resíduos. Os dados trazidos pelo diagnóstico do plano apontam que hoje a taxa de materiais secos reciclados é de pouco mais de 2%, e entre orgânicos (que representam quase metade de todo o lixo gerado) o reaproveitamento é de só 0,2%.

A realidade brasileira taxa de reciclagem no Brasil é baixa, com estimativas recentes variando entre 4% e 8% do total de resíduos. Embora alguns estudos apresentem números diferentes, como a Embrapa apontando 7,5% e a Abrema indicando 8% em 2023, o consenso geral é que apenas uma pequena fração do lixo produzido é de fato reciclado, com o restante indo para aterros, lixões ou a céu aberto.  

A situação é ainda mais crítica para o plástico, com o Brasil reciclando apenas 1% do lixo plástico que produz, apesar de ser o 4º maior produtor mundial

Plástico, o vilão

Existem vários tipos de compostos polímeros comumente chamados de plástico, mais de 98% são petroquímicos derivado de combustível fóssil, petróleo e gás, popularmente chamados de plásticos. Inventada entre o final do século 19 e início do século 20, deu um salto após a segunda guerra mundial nos mais diversos usos, em especial em embalagens de uso único. Isso se deveu às características de resistência, durabilidade e baixo custo de produção pelo avanço das tecnologias de fabricação. Sem dizer que cerca de 4% da produção mundial de combustível fóssil é o volume utilizado na fabricação do plástico.

Tem boi na linha na reciclagem do plástico

A produção de plásticos no mundo saltou de 2 milhões de toneladas em 1950 para 400 milhões de toneladas, mundialmente 9% do plástico do é reciclado, no Brasil em torno de 1% a 1,3%.

Especialistas estimam que no máximo 30% do plástico produzido para uso único pode ser reciclado e dentre esses um percentual só poderá ser reciclado uma a duas vezes devido aos insumos químicos, corantes etc utilizados na fabricação destes produtos em especial as embalagens de uso único.

Há mais de 30 anos iniciou-se a campanha da reciclagem como salvação do problema do plástico e que o problema estava resolvido. Depois veio o debate sobre a economia circular.

Em 2019 gigantes do uso de embalagens plásticas de uso único, tais como: P&G, Nestlé, Mars entre outras, ciaram a Alliance to End Plastic Waste – AEPW (Aliança para o Fim do Lixo Plástico) lançada em 2019 uma frente de empresas, governos e ONGs, com 1 bilhão de dólares para investimentos em projetos, inclusive com a adesão gigante petroquímica brasileira Braskem  com o objetivo de Essa Aliança prometeu uma economia circular e o reuso e a redução drástica do plástico na natureza, especialmente nos mares.

Mas o resultado depois de tanto discurso e recursos bilionários investidos, a estimativa é que em 2025 a produção de plástico será de 516 milhões de toneladas, um crescimento de 20% comparado com a produção de 430 milhões em 2019 quando a APEW foi criada. 

Só podemos concluir que mesmo com todo esse volume de recursos e muito falatório das transnacionais e governos, depois de 6 anos a produção de plástico segue crescendo como sempre e o problema da poluição e descarte só aumenta.

A solução que não é solução: “waste energy” (energia do lixo ou incineração controlada)

A incineração do lixo não é nenhuma novidade, os primeiros incineradores foram inaugurados em Londres e Nova York ainda no final do século XIX. Hoje sabemos que os incineradores criam o gás metano de efeito estufa 80 vezes mais potente que o CO2  e o carbono negro (fuligem), além de substâncias altamente tóxicas dióxido de enxofre (SO2) e dióxido de nitrogênio (NO2), que contribuem para a chuva ácida, e dioxinas e furanos, que são cancerígenos. Outras emissões incluem metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio, arsênio), ácido clorídrico (HCl), e partículas finas, que são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. causadas pela queima de plásticos

Nos últimos anos novas tecnologias de filtragem conseguem eliminar essas substâncias super tóxicas, porém as mesmas devem ser descartadas em locais seguros e muito protegidos no mesmo nível de descartes de resíduos nucleares.

Essa tecnologia é apresentada como grande ferramenta para eliminação dos resíduos sólidos com aproveitamento da queima para formação de vapores que movem turbinas que geram energia, esse processo é a chamada “waste energy” ou energia do lixo. Para a União Europeia é energia renovável, como a eólica e solar. Mas na verdade, como apresentamos acima utilizadas em larga escala, e para os especialistas mesmo a Usina de “W.E” emite muito CO2.

Considerada a mais moderna da Europa a Copenhiil na Dinamarca que tem uma pista de esqui na grama, bar, escola de treinamento e custou cerca de 670 milhões de dólares e ainda assim produz grande quantidade de CO2 gás de efeito estufa devido principalmente a queima de plásticos e resíduos altamente tóxicos recolhidas nos filtros.

Um estudo do ISWA estudo sugere que a implementação de tecnologia de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS) na usina poderia reduzir as emissões de CO2 fóssil para cerca de 40 kg de CO2 por tonelada de resíduo incinerado, e capturar 530 kg de CO2 biogênico por tonelada. Isso indica que, sem a tecnologia CCS em grande escala, as emissões são consideravelmente maiores. E essas emissões são para as modernas usinas de Waste Energy.

Além da controvérsia sobre as gigantescas emissões de CO2 e os custos bilionários será necessário a formação de mão de obra especializada, autoridades e agência para fiscalização, infraestrutura viária devido ao grande fluxo de caminhões, local apropriado para descarte dos materiais super tóxicos. Na Europa está sendo questionado por vários movimentos sociais e especialistas se realmente essa é uma energia renovável. 

O principal argumento se refere a investimentos desviados da reciclagem, políticas públicas, compostagem, diminuição do uso do plástico, reuso etc, ou seja, processos sustentáveis de diminuição dos resíduos sólidos, e sendo canalizados para grandes conglomerados que operam as usinas incineradoras.

No estado de São Paulo o governo estadual apresenta as usinas de incineração com o nome URE (Unidade de Recuperação Energética) e na cidade de São Paulo como “Eco Parque” (sic!).

Na cidade de Barueri região oeste da Grande São Paulo já está em construção uma URE e segundo a empresa Orizon será inaugurada em 2027 com capacidade para processar 300 mil toneladas de lixo por ano. Não está informado no site onde e como serão descartados os resíduos tóxicos, qual o volume de emissão de CO2, como será realizada a fiscalização etc. Muita obscuridade para uma apresentação tão sofisticada e imensos recursos investidos. 

Prefeitura de São Paulo castigando a periferia

Após visita a um incinerador de lixo na cidade de Tóquio em abril deste ano, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes apresentou a proposta de implantar incineradores de lixo chamados “Eco Parques” em Perus, São Matheus e Santo Amaro.

O prefeito Ricardo Nunes, sem nenhuma transparência, propõe a instalação desses incineradores nos bairros da periferia.

Em Perus propõe instalar no antigo aterro sanitário que chegou a ser o maior da América Latina que penalizou por décadas a população. Ressalto que a mobilização de Perus e região desde 1988 contra o aumento da área do Aterro Sanitário Bandeirantes e nos anos 2.000. Agora, mais uma vez a prefeitura quer penalizar a região instalando um incinerador com nome bonito com investimentos bilionários. 

E além da controvérsia de que a “energia do lixo” é energia renovável, o local proposto está ao lado da área de Refúgio Silvestre Anhanguera e alguns quilômetros da Terra Guarani Índigena no Jaraguá.

É um verdadeiro crime e racismo ambiental a instalação dessa mega estrutura na região de Perus e em São Matheus onde para iniciar serão derrubadas milhares de árvores. 

Políticas Públicas Ecossocialistas

Como demonstramos acima, mesmo os incineradores com tecnologia de ponta emitem enormes quantidades de CO2, um dos principais gases de efeito estufa. Na cidade de São Paulo as estimativas são que somente entre 2 a 3% do lixo é reciclado!

Não há atalho para resolver a questão do lixo é imprescindível políticas públicas para a redução drástica do uso de plástico e campanhas de educação ambiental e economia sustentável. O primeiro grande e grave problema é que as metas do Planares estão simplesmente com um terrível atraso maior que 12 anos, a falta de compromisso e o descaso com essa política pública fundamental é um obstáculo para o avanço nas soluções de defesa do meio ambiente e justiça climática.

Para alcançar estes objetivos é condição primaz a responsabilização das grandes produtoras de resíduos sólidos por seu descarte e por uma economia circular e sustentável para o meio ambiente. Investimentos e apoio as cooperativas de reciclagem e aos catadores com metas objetivas de aumento da reciclagem e compostagem em pequenos núcleos atendendo todas regiões da cidade podem ter efeito muito mais eficazes que megas empreendimento que castigam as periferias e atendem a demanda das grandes empresas mantendo a lógica do lucro acima da vida e do meio ambiente.

José Carlos Miranda é ativista do Movimento Contra o Incinerador em Perus, Colunista do Portal Esquerda online e da Coordenação Nacional da Resistência-PSOL


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