meio-ambiente

Declaração final da Cúpula dos Povos rumo a COP30


Publicado em: 17 de novembro de 2025

Meio Ambiente

Cúpula dos Povos

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Cúpula dos Povos

Esquerda Online

Compartilhe:

Bruno Peres/Agência Brasil

Ouça agora a Notícia:

Nós, da Cúpula dos Povos, reunidos em Belém do Pará, na Amazônia brasileira, de 12 a 16  de novembro de 2025, declaramos aos povos do mundo o que acumulamos em lutas, debates,  estudos, intercâmbios de experiências, atividades culturais e depoimentos, ao longo de vários meses  de preparação e nestes dias aqui reunidos.  

Nosso processo reuniu mais de 70.000 pessoas que compõem movimentos locais, nacionais  e internacionais de povos originários e tradicionais, camponeses/as, indígenas, quilombolas,  pescadores/as, extrativistas, marisqueiras, trabalhadores/as da cidade, sindicalistas, população em  situação de rua, quebradeiras de coco babaçu, povos de terreiro, mulheres, comunidade  LGBTQIAPN+, jovens, afrodescendentes, pessoas idosas, dos povos da floresta, do campo, das  periferias, dos mares, rios, lagos e mangues. Assumimos a tarefa de construir um mundo justo e  democrático, com bem viver para todas e todos. Somos a unidade na diversidade. 

O avanço da extrema direita, do fascismo e das guerras ao redor do mundo exacerba a crise  climática e a exploração da natureza e dos povos. Os países do norte global, as corporações  transnacionais, e as classes dominantes são os maiores responsáveis por essas crises. Saudamos  a resistência e nos solidarizamos com todos os povos que estão sendo cruelmente atacados e  ameaçados pelas forças do império estadunidense, Israel e seus aliados da Europa. Há mais de 80  anos, o povo palestino tem sido vítima de genocídio praticado pelo Estado sionista de Israel, que  bombardeou a faixa de Gaza, deslocou pela força milhões de pessoas e matou dezenas de milhares  de inocentes, a maioria crianças, mulheres e idosos. Nosso repúdio total ao genocídio praticado  contra a Palestina. Nosso apoio e abraço solidário ao povo que bravamente resiste, e ao movimento  de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS). 

Ao mesmo tempo, no mar do Caribe, os Estados Unidos intensificam sua presença imperial.  Fazem-no expandindo operações conjuntas, acordos e bases militares, em conluio com a extrema  direita, sob o pretexto de combate ao narcotráfico e ao terrorismo, como com a operação recém  anunciada “Lança do Sul”. O imperialismo segue ameaçando a soberania dos povos, criminalizando  movimentos sociais e legitimando intervenções que historicamente serviram aos interesses privados  na região. Nos solidarizamos à resistência da Venezuela, Cuba, Haiti, Equador, Panamá, Colômbia,  El Salvador, República Democrática do Congo, Moçambique, Nigéria, Sudão, e com os projetos de  emancipação dos povos do Sahel, Nepal e de todo o mundo.  

Não há vida sem natureza. Não há vida sem a ética e o trabalho de cuidados. Por isso, o  feminismo é parte central do nosso projeto político. Colocamos o trabalho de reprodução da vida no  centro, é isso que nos diferencia radicalmente dos que querem preservar a lógica e a dinâmica de  um sistema econômico que prioriza o lucro e a acumulação privada de riquezas.  

Nossa visão de mundo está orientada pelo internacionalismo popular, com intercâmbios de  conhecimentos e saberes, que constroem laços de solidariedade, lutas e de cooperação entre nossos  povos. As verdadeiras soluções são fortalecidas por esta troca de experiências, desenvolvidas em  nossos territórios e por muitas mãos. Temos o compromisso de estimular, convocar e fortalecer  essas construções. Por isso, saudamos o anúncio da construção do Movimento Internacional de  Atingidas e Atingidos por barragens, pelos crimes socioambientais e pela crise climática.  

Iniciamos nossa Cúpula dos Povos navegando pelos rios da Amazônia que, com suas águas,  nutrem todo o corpo. Como o sangue, sustentam a vida e alimentam um mar de encontros e  esperanças. Reconhecemos também a presença dos encantados e de outros seres fundamentais  na cosmovisão dos povos originários e tradicionais, cuja força espiritual orienta caminhos, protege  territórios e inspira as lutas pela vida, pela memória e por um mundo de bem viver.

https://www.instagram.com/p/DRBFa52DaJq/

Depois de mais de dois anos de construção coletiva e de realizar a Cúpula dos Povos,  afirmamos: 

  1. O modo de produção capitalista é a causa principal da crise climática crescente. Os  principais problemas ambientais do nosso tempo são consequência das relações de produção,  circulação e descarte de mercadorias, sob a lógica e domínio do capital financeiro e das grandes  corporações capitalistas. 
  2. As comunidades periféricas são as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos e o  racismo ambiental. Enfrentam, por um lado, a ausência de políticas de infraestrutura e de  adaptação. Por outro, a falta de ações de justiça e reparação, em especial às mulheres, jovens,  pessoas empobrecidas e não brancas. 
  3. As empresas transnacionais, em cumplicidade com governos do norte global, estão no  centro de poder do sistema capitalista, racista e patriarcal, sendo os atores que mais causam  e mais se beneficiam das múltiplas crises que enfrentamos. As indústrias de mineração, energia,  das armas, o agronegócio e as Big Techs são as principais responsáveis pela catástrofe climática  em que vivemos. 
  4. Somos contrários a qualquer falsa solução a crise climática que venha a perpetuar práticas  prejudiciais, criar riscos imprevisíveis e desviar a atenção das soluções transformadoras e  baseadas na justiça climática e dos povos, em todos os biomas e ecossistemas. Alertamos que o  TFFF, sendo um programa financeirizado, não é uma resposta adequada. Todos os projetos  financeiros devem estar sujeitos a critérios de transparência, acesso democrático, participação e  benefício real para as populações afetadas.  
  5. É evidente o fracasso do atual modelo de multilateralismo. São cada vez mais recorrentes os  crimes ambientais e os eventos climáticos extremos que ocasionam mortes e destruição. Isto  demonstra o fracasso das inúmeras conferências e reuniões mundiais que prometeram resolver  esses problemas, mas nunca enfrentaram as suas causas estruturais. 
  6. A transição energética está sendo implementada sob a lógica capitalista. Apesar da  ampliação das fontes renováveis, não houve redução nas emissões de gases de efeito estufa. A  expansão das fontes de produção energética acabou por se configurar também como um novo  espaço de acumulação de capital.  
  7. Finalmente, afirmamos que a privatização, mercantilização e financeirização dos bens  comuns e serviços públicos contrariam frontalmente os interesses populares. Nestes  marcos, as leis, instituições de Estado e a imensa maioria dos governos foram capturados,  moldados e subordinados à busca do lucro máximo pelo capital financeiro e pelas empresas  transnacionais. São necessárias políticas públicas para avançar na recuperação dos Estados e  enfrentar as privatizações.  

Frente a esses desafios, propomos: 

  1. O enfrentamento às falsas soluções de mercado. O ar, as florestas, as águas, as terras, os  minérios e as fontes de energia não podem permanecer como propriedade privada nem serem  apropriados, porque são bens comuns dos povos. 
  2. Cobramos que haja participação e protagonismo dos povos na construção de soluções  climáticas, reconhecendo os saberes ancestrais. A multidiversidade de culturas e de  cosmovisões, carrega sabedoria e conhecimentos ancestrais que os Estados devem reconhecer  como referências para soluções às múltiplas crises que assolam a humanidade e a Mãe Natureza. 
  3. Exigimos a demarcação e proteção das terras e territórios indígenas e de outros povos e  comunidades locais, uma vez que são quem garantem a floresta viva. Exigimos dos governos o  desmatamento zero, o fim das queimadas criminosas, e políticas de Estado para restauração  ecológica e recuperação de áreas degradadas e atingidas pela crise climática.  
  4. Reivindicamos a concretização da reforma agrária popular e o fomento à agroecologia, para  garantia da soberania alimentar e combate à concentração fundiária. Os povos produzem  alimentos saudáveis, a fim de eliminar a fome no mundo, com base na cooperação e acesso a técnicas e tecnologias de controle popular. Esse é um exemplo de verdadeira solução para  combater a crise climática.
  1. Demandamos o combate ao racismo ambiental e a construção de cidades justas e periferias  vivas através da implementação de políticas e soluções ambientais. Os programas de moradia,  saneamento, acesso e uso da água, tratamento de resíduos sólidos, arborização, e acesso à terra  e à regularização fundiária, devem considerar a integração com a natureza. Queremos o  investimento em políticas de transporte público, coletivo e de qualidade, com tarifas zero. Essas  são alternativas reais para o enfrentamento da crise climática nos territórios periféricos no mundo  todo, que devem ser implementadas com o devido financiamento para adaptação climática. 
  2. Defendemos a consulta direta, a participação e gestão popular das políticas climáticas nas  cidades, para o enfrentamento às corporações do setor imobiliário que têm avançado na  mercantilização da vida urbana. A cidade da transição climática e energética deverá ser uma  cidade sem segregação e que abrace a diversidade. Por fim, condicionar o financiamento climático  a protocolos que visem a permanência habitacional e, em última instância, a indenização justa  para pessoas e comunidades com garantia de terra e moradia, tanto no campo quanto nas  cidades. 
  3. Exigimos o fim das guerras e a desmilitarização. Que todos os recursos financeiros destinados  às guerras e à indústria bélica sejam revertidos para a transformação desse mundo. Que as  despesas militares sejam direcionadas à reparação e recuperação de regiões atingidas por  desastres climáticos. Que sejam tomadas todas as medidas necessárias para impedir e  pressionar Israel, responsabilizando-o pelo genocídio cometido contra o povo palestino. 
  4. Exigimos a justa e plena reparação das perdas e danos impostos aos povos pelos projetos  de investimento destrutivos, pelas barragens, mineração, extração de combustíveis fósseis e  desastres climáticos. Também exigimos que sejam julgados e punidos os culpados pelos crimes  econômicos e socioambientais que afetam milhões de comunidades e famílias em todo o mundo. 
  5. Os trabalhos de reprodução da vida devem ser visibilizados, valorizados, compreendidos  como o que são – trabalho – e compartilhados no conjunto da sociedade e com o Estado.  Esses são essenciais para a continuidade da vida humana e não humana no planeta. Isso também  garante autonomia das mulheres, que não podem ser responsabilizadas individualmente pelo  cuidado, mas devem ter suas contribuições consideradas: nosso trabalho sustenta a economia.  Queremos um mundo com justiça feminista, autonomia e participação das mulheres. 
  6. Demandamos uma transição justa, soberana e popular, que garanta os direitos de todos os  trabalhadores e trabalhadoras, bem como o direito a condições de trabalho dignas, liberdade  sindical, negociação coletiva e proteção social. Consideramos a energia como um bem comum  e defendemos a superação da pobreza e da dependência energética. Tanto o modelo energético,  quanto a própria transição, não podem violar a soberania de nenhum país do mundo.  
  7. Exigimos o fim da exploração de combustíveis fósseis e apelamos aos governos para que  desenvolvam mecanismos para garantir a não proliferação de combustíveis fósseis, visando uma  transição energética justa, popular e inclusiva com soberania, proteção e reparação aos territórios.  Em particular na Amazônia e demais regiões sensíveis e essenciais para a vida no planeta. 
  8. Lutamos pelo financiamento público e taxação das corporações e dos mais ricos. Os custos  da degradação ambiental e das perdas impostas às populações devem ser pagos pelos setores  que mais se beneficiam desse modelo. Isso inclui fundos financeiros, bancos e corporações do  agronegócio, do hidronegócio, aquicultura e pesca industrial, da energia e da mineração. Esses  atores também devem arcar com os investimentos necessários para uma transição justa e voltada  às necessidades dos povos. 
  9. Exigimos que o financiamento climático internacional não passe por instituições que  aprofundam a desigualdade entre Norte e Sul, como o FMI e o Banco Mundial. Ele deve ser  estruturado de forma justa, transparente e democrática. Não são os povos e países do Sul global  que devem continuar pagando dívidas às potências dominantes. São esses países e suas  corporações que precisam começar a saldar a dívida socioambiental acumulada por séculos de práticas imperialistas, colonialistas e racistas, pela apropriação de bens comuns e pela violência  imposto a milhões de pessoas mortas e escravizadas.
  1. Denunciamos a contínua criminalização dos movimentos, a perseguição, o assassinato e  desaparecimento de nossas lideranças que lutam em defesa de seus territórios, bem como aos  presos políticos e presos palestinos que lutam por libertação nacional. Reivindicamos a ampliação  da proteção de defensores e defensoras de direitos humanos e socioambientais na agenda  climática global, no marco do Acordo de Escazú e outras normativas regionais. Quando um  defensor protege o território e a natureza, ele não protege apenas um indivíduo, mas todo um  povo e beneficia toda a comunidade global. 
  2. Reivindicamos o fortalecimento de instrumentos internacionais que defendam os direitos  dos povos, seus direitos consuetudinários e a integridade dos ecossistemas. Precisamos de um  instrumento internacional juridicamente vinculante em matéria de direitos humanos e empresas  transnacionais, que seja construído desde a realidade concreta das lutas das comunidades  atingidas pelas violações cometidas, exigindo direitos para os povos e regras para as empresas.  Afirmamos ainda que a Declaração dos Direitos Campesinos e de Outras Pessoas que Trabalham  nas Áreas Rurais (UNDROP) deve ser um dos pilares da governança climática. A plena  implementação dos direitos camponeses devolve o povo aos territórios, contribui diretamente para  a sua alimentação, para o cuidado do solo e o esfriamento do planeta. 

Por fim, consideramos que é tempo de unificar nossas forças e enfrentar o inimigo comum.  Se a organização é forte, a luta é forte. Por esta razão, a nossa tarefa política principal é o trabalho  de organização dos povos em todos os países e continentes. Vamos enraizar nosso  internacionalismo em cada território e fazer de cada território uma trincheira da luta internacional.  É tempo de avançar de modo mais organizado, independente e unificado, para aumentar nossa  consciência, força e combatividade. Este é o caminho para resistir e vencer. 

Povos do mundo: Uni-vos


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição