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Contra o fiscalismo e o quietismo
Publicado em: 12 de novembro de 2025
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Coluna Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
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Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Imagem: Agência Brasil
A audácia sem juízo é perigosa, e o juízo sem audácia, inútil
Tácito, historiador e político romano (c. 56 – c. 120 d.C.)
1. Diz uma velha sabedoria que quem não sabe contra quem luta não pode vencer. A luta política não pode ser reduzida aos limites mais imediatos das disputas táticas. O centro da estratégia política é a luta pelo poder. A luta pelo poder tem como premissa a conquista do governo. Nas atuais condições da correlação social de forças no Brasil a questão central é o desenlace das eleições de 2026. Os dois desafios centrais da esquerda brasileira são derrotar a extrema-direita, e romper com os limites fiscalistas do tripé econômico. Essas tarefas exigem uma tática antifascista e uma estratégia antineoliberal, ou uma Frente Eleitoral ampla tática, e uma Frente de Esquerda social estratégica. A questão é: quem dirige quem? Embora estratégia e tática devam ser coerentes uma com a outra e com os interesses da classe trabalhadora, não são uma escolha somente da vontade. Devem estar balizadas por uma avaliação da situação, ou dependem do estudo da correlação de forças. Acontece que estamos sempre inseridos em uma realidade em disputa e movimento. Se os cálculos forem errados, porque subestimamos ou superestimamos nossas forças, ou perdemos oportunidades de avançar por excesso de cuidado quando podíamos, ou nos expomos a situações de risco, quando não devíamos. Nada permanece estático, tudo está em movimento, os giros da conjuntura se sucedem. A correlação de forças às vezes evolui favoravelmente, como depois do 10 de julho e do 21 de setembro, as vezes desfavoravelmente, como depois da chacina dos Complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro. Mas uma tendência deverá prevalecer, e isso depende muito dos acertos. Errar tem consequências. Em linguagem marxista somos os sujeitos de nossa história, embora não possamos escolher as condições em que lutamos. Somos socialistas, e apostamos na força de uma vontade que se constrói na luta, e não fatalistas.
2. Mas há um paradoxo. Um paradoxo é uma contradição, aparentemente, contraintuitiva. O paradoxo é que a Frente Ampla permitiu em 2022 derrotar Bolsonaro, mas foi um obstáculo para Lula governar nos últimos três anos. A expressão mais aguda desta contradição foi o arcabouço fiscal de Haddad que substituiu o Teto de Gastos de Temer. Mas será que os dois desafios são tarefas incompatíveis? Existem duas posições na esquerda: os que respondem que não e defendem que é possível derrotar o neofascismo e ir além do neoliberalismo, e os que respondem que sim. A esquerda moderada, que se expressa no campo majoritário do PT, argumenta que o desafio de reeleger Lula exige um arco de alianças o mais amplo possível com dissidências da classe dominante. Até aí é a repetição de 2022. Mas conclui que o programa da Frente Ampla não pode romper com os imperativos da responsabilidade fiscal, ou seja, a perseguição do superavit primário, o limite de 3% de inflação no centro da meta, e a manutenção do câmbio flutuante. Em consequência, renunciam à luta pela defesa da hegemonia dos interesses dos trabalhadores, em troca da luta pela defesa da democracia. A contradição é interpretada como irreconciliável: ou a tática é antifascista ou antineoliberal. Mas esta conclusão absolutiza o que é relativo e, portanto, é falsa. Se uma Frente de Esquerda for construída e disputar a direção da Frente Ampla é possível ir além.
3. Está errada porque desconhece tudo o que mudou desde 2022. E o mais importante foi o desafio central de 2025: a luta por Sem Anistia. Essa luta foi vitoriosa apesar do quietismo que prevaleceu nas direções da maioria da esquerda. A condenação e iminente prisão de Bolsonaro e dos seus cúmplices golpistas foi uma imensa vitória política. Precipitou uma confusão nas fileiras neofascistas, uma tensão entre a extrema-direita e o centrão, e a indefinição de candidaturas para a presidência. As forças reacionárias ainda têm uma força importante que não pode ser diminuída, ainda mais porque Trump está na Casa Branca. Estas linhas são, também, uma autocrítica. Entre o final de 2021 e o início de 2022 escrevi uma série de artigos contra a indicação de Alckmin como candidato a vice na chapa presidencial liderada por Lula.[1] Estava errado. A presença de Alckmin era uma tática preventiva de alto risco, mas que se demonstrou necessária, portanto, justa. O resultado estreito do segundo turno de 2022 confirmou que sem explorar, seriamente, a possibilidade de um acordo com a dissidência burguesa liberal não era possível vencer Bolsonaro. Era justo insistir na defesa da ruptura com os ajustes neoliberais, e a luta por expansão de direitos, por uma hegemonia dos interesses de populares dentro da Frente. Mas opor a Frente de Esquerda à Frente Ampla foi ir longe demais, foi ultimatismo. Qual foram as raízes do erro? Três, pelo menos: (a) uma subestimação da influência de Bolsonaro; (b) uma rigidez teórica-programática; (c) uma cedência à pressão do ambiente ideológico da esquerda radical. O primeiro se explica pela dificuldade de reconhecer até que ponto o país estava fraturado, após quatro anos duríssimos de uma ininterrupta ofensiva reacionária que preparava uma aventura golpista. O segundo se explica pela dificuldade de superar até o fim os limites de uma educação marxista dogmática herdada do passado. O terceiro se explica pela dificuldade de romper com a mentalidade de uma militância revolucionária em condições de marginalidade política. Apesar desta posição crítica defendemos que o PSol deveria apoiar Lula desde o primeiro turno, renunciando a apresentação de uma candidatura, ao contrário do que tinha feito em 2006/10/14/18, com Heloísa Helena, Plínio de Arruda Sampaio, Luciana Genro e Guilherme Boulos. Mas aceitar a necessidade da Frente Ampla não diminui, ao contrário, aumenta a importância da Frente de Esquerda.
4. Isto posto, não é verdade que uma Frente Ampla eleitoral com dissidências burguesas em apoio a Lula só será possível se a esquerda aceitar o programa neoliberal. O mundo mudou desde a grande crise internacional de 2008, e mais ainda depois da pandemia. Os dogmas neoliberais que foram hegemônicos nos últimos quarenta anos, apesar de ainda estarem vigentes, não são mais unânimes entre os capitalistas. O laboratório da história confirmou que o “mantra” de que existiria um teto inamovível para a elevação da proporção dívida pública/PIB, senão o Brasil mergulharia em colapso, o argumento forte dos ininterruptos ajustes fiscais, era uma fraude. A contração terrível de 7% do PIB de 2015/16 não foi provocada pelos investimentos públicos do governo Dilma Rousseff até 2014, mas pela política de ajuste implantada por Levy, que provocou o desemprego para reduzir a pressão de aumento dos salários, e recuperar a taxa de lucro. Os EUA, a União Europeia e o Japão abraçaram o QE, ou relaxamento monetário, um experimento que fez as dívidas públicas explodirem, mas permitiu contornar uma depressão profunda com uma recessão longa. Existem restrições para esta expansão da dívida pública, em especial em países dependentes, como foi confirmado na Argentina com um surto inflacionário. Mas não é verdade que o Brasil precisa continuar sendo um dos três países com as taxas de juros reais mais elevadas do mundo – hoje em espantosos 15% – como nos últimos quarenta anos. A fração burguesa que integrou o governo Lula não está em condições de fazer este ultimato. Quem pensa assim já foi derrotado antes da luta começar.
5. Ela é errada por outras cinco razões: (a) a primeira é que a classe dominante está dividida e, embora uma fração apoie o projeto da extrema-direita de um alinhamento incondicional com os EUA e Trump contra a China, outras frações, em função, também, da experiência catastrófica do mandato de Bolsonaro e do golpismo, estão contra e, diferente de 2022, desistiram da tática de construir um terceiro campo; (b) a segunda é que o único candidato que poderá derrotar em um segundo turno uma candidatura de união da centro-direita com o bolsonarismo, seja quem for, é Lula, e Alckmin, Simone Tebet, Renan Calheiros ou os Barbalho sabem disso, portanto, estão reféns da Frente Ampla, e não o contrário; (c) a terceira é que a relação social e política de forças não é um dado “geológico” inamovível, e o centro da tática é lutar por um deslocamento favorável, o que passa por arrastar para uma unidade de ação eleitoral frações dissidentes, mas, sobretudo, por aumentar a confiança dos trabalhadores em si mesmos; (d) a quarta é que é necessário um programa que desperte a esperança de que a vida pode mudar aqui e agora, e isso exige mobilização popular e superação do quietismo, através de uma liderança inspiradora, como o papel de Cláudia Sheinbaum no Mexico e Gustavo Petro na Colômbia; (e) a quinta é que não são possíveis reformas estruturais que abram o caminho para a erradicação da pobreza, quando quase a metade da população tem uma renda de até dois salários mínimos ou US$600,00, ou uma redução das condições de dependência da nação, nem sequer uma aceleração da transição energética, se o tripé for mantido de pé. Em última análise, a questão é saber se a estratégia – mudar o Brasil – deve guiar a tática – vencer a eleição – e não o contrário.
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