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Universidade para o povo: ousadia, acesso e soberania

Série “Universidade e o povo” Parte 4


Publicado em: 8 de novembro de 2025

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Fábio Torres, coordenador do Cursinho Chico Mendes de Suzano (SP)

Esquerda Online

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A universidade pública brasileira é financiada pelo povo e, portanto, deveria estar profundamente conectada à vida da população. No entanto, grande parte das instituições permanece distante dos territórios mais pobres e periféricos, onde o acesso ao ensino superior ainda é restrito. Essa distância histórica contribui para que a universidade não seja percebida como parte do cotidiano da população, diferentemente das escolas públicas, que estão inseridas na vida das comunidades e mobilizam apoio imediato frente a ameaças. Essa desconexão evidencia que a democratização do ensino superior não se limita a abrir vagas, mas exige também políticas de permanência, formação de profissionais estratégicos e fortalecimento do vínculo entre universidade e sociedade.

O país enfrenta déficits estratégicos graves em áreas essenciais, como saúde, educação e justiça. A concentração de cursos prestigiados, como Medicina e Direito, em universidades de elite mantém o acesso restrito a jovens da rede pública e das periferias. Essa situação tem impactos concretos na vida da população: a escassez de médicos em diversas regiões não decorre de falta de demanda ou vocação, mas da exclusão histórica desses estudantes de cursos estratégicos. Qual é a chance de um jovem da escola pública ingressar na USP em Medicina ou Direito? Essa pergunta revela um desafio estrutural que ainda não foi plenamente enfrentado. Garantir que o povo ocupe esses cursos não é apenas uma questão de justiça, mas também uma necessidade nacional para fortalecer serviços públicos e reduzir desigualdades territoriais.

O acesso à universidade pública, embora amplamente comemorado, muitas vezes cria um perfil limitante para os estudantes. Eles chegam ao ENEM cheios de sonhos, mas acabam direcionados para cursos menos prestigiados, nem sempre alinhados aos seus interesses ou potencial. A questão não é apenas ocupar a universidade, mas assegurar que o estudante tenha acesso ao curso que realmente deseja, tornando sua trajetória acadêmica significativa e ampliando a função social da universidade. Essa reflexão coloca a responsabilidade tanto no governo quanto na sociedade organizada nos movimentos e partidos de esquerda.

Nesse contexto, os cursinhos comunitários continuam desempenhando papel fundamental. Eles funcionam como ponte entre a escola pública e a universidade, oferecendo orientação estratégica, preparo para o ENEM e apoio pedagógico e emocional. Esses espaços ajudam a superar barreiras estruturais que a escola sozinha não consegue romper, fortalecendo a resistência popular e consolidando a consciência de que o ingresso universitário é parte de uma conquista coletiva.

Um elemento crítico que precisa ser revertido é o Novo ENEM, implementado no governo Temer após o golpe de 2016. Suas mudanças enfraqueceram o ensino médio público e favoreceram grandes conglomerados privados de educação, como a Fundação Lemann, aprofundando desigualdades e dificultando a preparação de estudantes da rede pública. Para garantir equidade, é urgente que o governo e o Ministério da Educação promovam uma reorganização do ENEM e do ensino médio, de modo que o conteúdo seja acessível, integrado e significativo, permitindo que todos os estudantes disputem vagas em condições justas. Essa reorganização deve estar vinculada a políticas estruturais que valorizem a educação pública, os professores e o ensino básico.

A batalha por cursos estratégicos e prestigiados precisa ser encampada de maneira coletiva. Não é suficiente apenas criar vagas; é necessário pensar estrategicamente no direcionamento de estudantes para cursos que atendam às necessidades nacionais. Movimentos sociais, partidos de esquerda, o movimento estudantil e o governo devem atuar de forma articulada para superar as barreiras históricas e abrir oportunidades reais para jovens da escola pública e das periferias. O fortalecimento da educação superior em áreas essenciais é condição para reduzir desigualdades, fortalecer serviços públicos e consolidar a soberania nacional.

A universidade deve estar conectada ao ensino básico e médio, garantindo que o conteúdo aprendido nas escolas seja significativo para o ingresso no ensino superior. Reestruturar o ensino médio, ampliando acesso a artes, ciências e culturas, é essencial para que os estudantes se preparem de maneira integral para o ENEM e para os vestibulares. Todo o conteúdo da educação básica deve ser pensado de forma que jovens de diferentes realidades tenham condições reais de alcançar seus objetivos acadêmicos e participar plenamente da vida universitária. A construção da soberania nacional passa por um projeto de educação ousado, que articule desde a formação inicial até a universidade, alinhando interesses individuais dos estudantes às necessidades estratégicas do país.

Além disso, políticas de permanência estudantil continuam sendo decisivas. Moradia, alimentação, transporte e bolsas de apoio são instrumentos que permitem aos estudantes permanecer na universidade e se formar. Sem essas condições, a democratização do acesso permanece incompleta, e a universidade, embora aberta, mantém a reprodução de privilégios históricos. A luta por permanência é parte inseparável da luta pelo acesso e deve ser central na agenda de políticas públicas e nos debates da sociedade organizada.

Em última análise, a universidade só será plenamente do povo se houver mobilização coletiva, articulação política e políticas públicas consistentes. Cada jovem que enfrenta o ENEM e conquista uma vaga fortalece o sentido social da educação pública. Professores, educadores e todos os envolvidos nos cursinhos comunitários continuarão na luta, preparando e incentivando os estudantes, garantindo que o sonho da universidade pública se transforme em realidade concreta. O acesso à educação superior não é um privilégio, mas um direito e um instrumento de emancipação social, territorial e econômica, capaz de transformar o país.

O desafio é grande, mas não intransponível. Consolidar uma universidade para o povo requer ousadia política, articulação entre governo, movimentos sociais, professores e estudantes, e políticas estruturais que conectem o ensino básico ao superior, garantindo acesso, permanência e formação de profissionais estratégicos. Somente assim o Brasil poderá transformar a educação pública em ferramenta de igualdade social, justiça e desenvolvimento nacional, cumprindo o papel que o povo espera de suas universidades.


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