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Reino Unido: o Partido Trabalhista está abrindo caminho para o fascismo

O Partido Trabalhista poderia ter defendido a causa de um sistema imigratório humano que tratasse os refugiados com dignidade. Ao contrário, alimentou as chamas do racismo e encorajou a extrema direita


Publicado em: 8 de novembro de 2025

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Jeremy Corbyn

Esquerda Online

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A extrema direita na Europa se afirma como um fenômeno social com características estruturais. Da Itália de Giorgia Meloni aos crescimentos eleitorais da Alternative für Deutschland alemã, do Rassemblement National francês e do Vox espanhol, a extrema direita avança inclusive no Parlamento Europeu. Partidos nacionalistas, anti-imigração e autoritários ganham espaço, alterando profundamente o cenário político europeu. Diante da crise do capital, que tende a se aprofundar com uma periodicidade cada vez menor, o neofascismo se levanta diante da estagnação econômica, da insegurança social e da frustração com as políticas tradicionais, apresentando-se como antissistema, sendo que, na prática, reforça a manutenção da ordem vigente.

O avanço da extrema direita na Europa representa uma ameaça existencial à democracia e aos direitos dos trabalhadores, consolidando-se como expressão política das contradições profundas do capitalismo europeu em crise.

No entanto, as lutas de resistência contra o neofascismo europeu também se aprofundam, sendo visíveis nos momentos eleitorais, nas reconfigurações partidárias e nas mobilizações diretas nas ruas. Exemplos recentes incluem o avanço eleitoral da Die Linke alemã em fevereiro e as manifestações antifascistas que ocuparam as ruas, o fortalecimento da esquerda espanhola após as disputas contra o Vox nas eleições de julho, a vitória da Nouveau Front Populaire nas eleições legislativas francesas em julho e as greves trabalhistas e mobilizações sindicais contra a reforma das aposentadorias, a formação de um novo partido de esquerda no Reino Unido, além das massivas manifestações em várias localidades em solidariedade ao povo palestino, como a observada na Itália em 22 de setembro.

Assim, para fomentar o debate entre a militância brasileira, o Especial “Avanço da extrema direita na Europa” traz uma introdução de André Freire e uma seleção de artigos que analisam, em diferentes países, esse processo de reconfiguração política no continente com o avanço da extrema direita.


Visitei Calais [na França] muitas vezes. Em cada ocasião, aprendi mais sobre o significado da resiliência humana. Tendo fugido dos horrores da guerra, do desastre ambiental e da miséria, os refugiados em Calais passaram por um inferno na busca de um lugar seguro. Quando chegam, sua busca continua. As crianças suplicam por água, contaminada por vezes. Os ratos correm para dentro das tendas cheias de lama. As mães choram pelo futuro que seus filhos e filhas podiam ter. As autoridades francesas realizam despejos diariamente; tendas, cobertores, documentos de identidade, celulares, roupas e medicamentos são confiscados ou destruídos.

Aqueles que chegam em nossas lojas não são “pessoas refugiadas do mar”. Eles são seres humanos, exercendo seu direito legal de asilo. Como escreve Warsan Shire em seu poema Home: “ninguém coloca seus filhos em um barco a não ser que a água seja mais segura do que a terra”. Imagine viver nas condições que descrevi. Imagine, então, arriscar sua vida para atravessar o Canal da Mancha. E imagine acabar em um hotel, olhando para a janela e vendo uma multidão de pessoas gritando para você “Volte para casa!”.

No último mês, testemunhei uma série de protestos fora dos hoteis que estão sendo usados para acomodar os que buscam asilo. Entre os manifestantes, havia cartazes com a frase “Deportações em massa agora”, um chamado que Nigel Farage, do Reform UK [Reformar o Reino Unido], agora tem ecoado [1]. Muitos de nós vimos as imagens angustiantes nos Estados Unidos de pessoas sendo arrancadas das ruas por policiais. É, francamente, assustador pensar que tal crueldade autoritária possa em breve chegar ao Reino Unido.

Como chegamos a esta situação? Vou te contar como: um governo trabalhista que passou o último ano alimentando o ódio, a divisão e o medo. Tem sido totalmente perturbador ver o Partido Trabalhista postar vídeos de imigrantes sendo detidos e deportados – uma campanha de propaganda da qual Donald Trump se orgulharia.

Igualmente perturbador foi a cena de policiais tendo que escoltar um entregador do Deliveroo, que estava sendo cercado por manifestantes contrários ao asilo, justamente semanas após o governo ter identificado os entregadores de comida “ilegais” como alvos de deportação. Ao invés de demonizar os entregadores que podem ou não ser requerentes de asilo, por que não conceder aos que buscam asilo o direito de trabalhar, a fim de poderem se sustentar e contribuir para a sociedade? Analistas indicam que isto poderia gerar 1,3 bilhão de libras ao ano e acrescentar 1,6 bilhão ao PIB anual do Reino Unido.

Culpar as pessoas vulneráveis sempre foi uma manobra deliberada do governo para distrair a atenção de suas próprias falhas internas. Hoje, estas podem ser as requerentes de asilo. Amanhã, isso pode ser as pessoas com deficiência. No dia seguinte, as pessoas transgêneras. Qualquer que seja a minoria, estamos testemunhando a demonização das pessoas vulneráveis, em grande prejuízo de todos nós.

Os grandes divisionistas querem que você acredite que os problemas em nossa sociedade são causados pelas minorias. Não são. São causados por um sistema econômico manipulado que protege os interesses dos super-ricos. É por isso que 4,5 milhões de crianças vivem na pobreza. É por isso que as contas de água continuam a subir. É por isso que os inquilinos de apartamentos do setor privado estão pagando bem mais da metade do seu salário líquido para manter um teto sobre suas cabeças.

Os estrategistas do Partido Trabalhista dirão a você que eles não têm escolhas, mas apoiam o sentimento anti-imigrante para barrar o surgimento do Reform UK. Como isso acontece? O Partido Trabalhista poderia ter defendido a causa de um sistema de imigração humana que trate os refugiados com dignidade e respeito. Ao contrário disso, alimentam o racismo e encorajam a extrema direita em todo o país. Quando se demonizam os imigrantes, a extrema direita ouve. Quando se publicam vídeos de detendo e deportando imigrantes, a extrema direita assiste. Quando se fala de uma “ilha de estranhos”, a extrema direita se mobiliza.

Estes não são sinais de um partido que relutantemente adota uma estratégia eleitoral. São sinais de um partido que ativamente adere ao crescimento do populismo de extrema direita, não importa o custo eleitoral. São sinais de um país em um declínio perigoso ao fascismo. Este termo não deve ser usado levianamente. Muitos atos são aterrorizadores por si só, sem precisar desse rótulo. Mas cuidado, o fascismo não chega uniformizado do dia para a noite. Ele chega com políticos de terno, uma lei de cada vez.

De fato, a demonização das minorias é parte de um ataque muito mais amplo e generalizado sobre os direitos humanos.

Quando o governo proibiu o Palestine Action [2], por exemplo, não se restringiu a corroer o direito de se opor ao genocídio aqui e agora. Estabeleceram um precedente perigoso, conferindo a qualquer novo governo a confiança de que também poderia, rapidamente, suprimir o direito à manifestação. O Partido Trabalhista não está apenas facilitando o caminho para a Reform UK. Está estendendo o tapete vermelho, aprovando legislações perigosas que serão utilizadas por aqueles que buscam destruir nossos direitos.

Estamos em uma conjuntura crítica. Precisamos de uma alternativa agora. É por isso que lançamos o yourparty.uk e é por isso que mais de 700 mil já se inscreveram. Queremos fazer as coisas de um modo diferente. Não vamos culpar os refugiados pelos problemas da sociedade. Ao contrário, daremos atenção à verdadeira causa: uma sociedade grotescamente desigual que concentra a riqueza nas mãos de poucos.

Não iremos apenas defender os direitos humanos dos refugiados. Defenderemos os direitos humanos de todos. Isso inclui as pessoas com deficiência e seu direito a viver em dignidade. Isso inclui as crianças na pobreza, sendo-lhes negado seu direito à comida e vestimenta. Isso inclui as pessoas trans, que enfrentam uma discriminação horrível, ódio e abusos apenas por viver suas vidas; as pessoas trans são seres humanos que merecem viver em segurança, dignidade e liberdade. Devemos estar unidos contra a opressão e o preconceito em todas as suas formas – e é isso que faremos.

Olhe ao seu redor e você encontrará provas de que um mundo mais gentil é possível. Daquilo que vemos na maioria dos meios de comunicação, poderíamos pensar que existe um consenso sobre os refugiados não serem bem-vindos. Isso não poderia estar mais longe da verdade. “Penso que devemos cuidar das pessoas que estão passando por dificuldades ou necessitando de ajuda”. Foi isso que uma jovem mulher disse em resposta aos manifestantes em sua comunidade em Epping. Converso com pessoas como ela todos os dias: pessoas comuns que apoiam, fazem amizade e estendem a mão para os que requerem asilo enquanto seres humanos.

O Primeiro-Ministro fala de uma ilha de estrangeiros. Ele ignora a bondade dos estranhos. E é isso que me dá esperança, de que, juntos, possamos construir um mundo mais gentil para todos.

[1] Partido político populista de extrema direita fundado no Reino Unido em 2018 como The Brexit Party, tendo como principal bandeira a saída da União Europeia sem acordo (conhecido como Brexit). Em 2020, a sigla foi rebatizada como Reform UK, ampliando sua agenda para temas como redução da imigração, cortes de impostos, oposição às metas de descarbonização e crítica ao establishment político tradicional. (Nota do tradutor)
[2] O Palestine Action é uma rede britânica de ação em prol da Palestina, fundada em 2020, com o objetivo de acabar com o envolvimento de empresas britânicas no comércio de armas com Israel. (Nota do tradutor)

Jeremy Corbyn é deputado pelo distrito de Islington North e membro do grupo parlamentar Aliança Independente.
Publicação original em https://tribunemag.co.uk/2025/09/labour-is-paving-the-path-to-fascism


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