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O acesso avançou, mas os muros seguem de pé

Série “Universidade e o povo” Parte 2


Publicado em: 7 de novembro de 2025

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Fábio Torres, coordenador do Cursinho Chico Mendes de Suzano (SP)

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Gabriel Jabur/Agência Brasília

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O avanço do acesso à universidade pública é uma das conquistas mais significativas das últimas décadas no Brasil. Milhões de jovens de escolas públicas, negros, pardos, indígenas e de baixa renda hoje conseguem disputar vagas antes reservadas às elites. O ENEM consolidou-se como a principal porta de entrada para esse público, integrando-se ao Sistema de Seleção Unificada (SISU) e ampliando o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Contudo, esse avanço, embora inédito, é insuficiente. As barreiras estruturais que limitam o verdadeiro acesso à educação superior permanecem altas, e muitos obstáculos ainda precisam ser superados para que a universidade seja de fato um espaço do povo.

Durante o período de consolidação do ENEM como porta de entrada para universidades públicas, observou-se um aumento significativo da participação de estudantes oriundos da rede pública. Essas conquistas históricas, vieram da política de inclusão implementada nos governos de Lula e Dilma, mas também revelam limites importantes: o acesso ampliado não garantiu equidade plena, nem permitiu que todos os estudantes ocupassem cursos estratégicos ou prestigiados.

O desafio é estrutural. O sistema educacional brasileiro ainda reproduz desigualdades profundas. Escolas públicas frequentemente enfrentam carências de infraestrutura, laboratórios insuficientes, sobrecarga de professores e escassez de materiais didáticos. Em muitos casos, a falta de acesso à cultura, à arte e à ciência na educação básica impede que estudantes da rede pública disputem de igual para igual com jovens de escolas privadas. Essa desigualdade se reflete não apenas nas notas do ENEM, mas também na capacidade de escolher cursos estratégicos e de alto prestígio, como Medicina e Direito, que permanecem concentrados em universidades de elite.

A questão não é apenas de acesso, mas de permanência. Muitos estudantes, mesmo quando aprovados, enfrentam dificuldades financeiras, falta de moradia estudantil, transporte precário, alimentação insuficiente e ausência de bolsas de apoio. Sem essas condições mínimas, a evasão continua alta e a universidade permanece elitizada. O avanço do acesso é, portanto, apenas parcial. A verdadeira democratização exige políticas de permanência, apoio e acompanhamento que garantam que cada estudante não apenas entre, mas consiga concluir sua formação e ocupar espaços de decisão na sociedade.

Os cursinhos comunitários desempenham papel estratégico nesse contexto. Há décadas, eles funcionam como ponte entre a escola pública e a universidade, oferecendo preparo acadêmico, orientação estratégica para o ENEM, apoio emocional e formação política. Esses espaços contribuem para superar barreiras estruturais e fortalecem a resistência dos jovens frente às desigualdades históricas. O CPOP, programa recente do governo Lula, reconhece a importância desses cursinhos, reforçando iniciativas que já vinham preparando gerações de estudantes para disputar vagas em condições mais justas.

A pressão do mercado e a lógica capitalista sobre a educação continuam moldando o perfil dos cursos. Áreas de maior prestígio social e econômico, como Medicina, Direito e Engenharia, ainda concentram estudantes de classes médias e da própria burguesia. Os cursos mais valorizados permanecem inacessíveis para a maioria da população que depende de escolas públicas, mantendo uma desigualdade estrutural que políticas de inclusão ainda não conseguiram romper. A pergunta que se impõe é novamente necessária: qual a chance de um jovem de escola pública ingressar na USP em Medicina ou Direito? Essa realidade evidencia que a luta pela democratização plena não se encerra no acesso: ela exige articulação, políticas estratégicas e engajamento coletivo para transformar o ensino superior em instrumento de justiça social.

Nesse cenário, o papel dos professores da rede pública é central. Mais do que transmitir conteúdos, esses profissionais se tornam agentes de transformação social, conectando os jovens a perspectivas de futuro, oferecendo orientação individualizada e apoio emocional. Cada aula bem planejada, cada incentivo pedagógico e cada orientação estratégica são passos concretos para que os estudantes possam competir com igualdade diante daqueles que vêm de escolas privadas. No entanto, nem precisa reforçar que é algo extremadamente insuficiente, é preciso politica pública de Estado para corrigir essa falha.

É importante destacar que as políticas de inclusão, incluindo cotas raciais e sociais, não são concessões ou favores: são instrumentos de justiça e reparação histórica. Elas equilibram forças desiguais, promovem diversidade e possibilitam que a universidade reflita a sociedade que a financia, ou seja, a classe trabalhadora, periférica e diversa. No entanto, essas políticas ainda enfrentam resistência e exigem mobilização constante de movimentos sociais, partidos de esquerda e do movimento estudantil. A conquista do acesso deve ser acompanhada por uma luta para garantir a ocupação de cursos estratégicos, ampliando oportunidades em áreas essenciais para o país e para a soberania nacional.

O Novo ENEM, implementado durante o governo Temer, após o golpe, trouxe mudanças que enfraqueceram o ensino médio público e favoreceram grandes conglomerados privados de educação, como a Fundação Lemann. Essa reforma contribuiu para ampliar desigualdades e dificultar a preparação de estudantes de escolas públicas para o ingresso na universidade. Reverter essas mudanças é uma tarefa urgente, que exige do governo atual, do Ministério da Educação e da sociedade civil ações concretas para reorganizar o ENEM e o ensino médio, garantindo que o conteúdo seja acessível, integrado e relevante para todos os estudantes.

O acesso às universidades públicas avançou, mas continua insuficiente. A batalha por cursos estratégicos deve ser encampada pelos movimentos sociais, partidos de esquerda, coletivos estudantis e cursinhos comunitários. Garantir que estudantes da rede pública ocupem cursos como Medicina, Direito e áreas essenciais para a formação profissional e estratégica do país é um passo decisivo para reduzir desigualdades, fortalecer o SUS e outros serviços públicos, e transformar a universidade em instrumento de emancipação social e territorial.

Os avanços do acesso à universidade pública demonstram conquistas históricas e inéditas, mas os muros que separam os estudantes populares do ensino superior permanecem altos. A luta pela democratização plena da universidade é contínua e exige articulação entre governo, movimentos sociais, professores e estudantes. O acesso ampliado é apenas um primeiro passo: garantir permanência, concluir a formação e ocupar cursos estratégicos é o verdadeiro desafio, e a mobilização coletiva é essencial para transformar o ensino superior em espaço de justiça social e igualdade.


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