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MG: mobilizar a voz das ruas contra a ‘PEC do Cala Boca’
A PEC 24/23, de autoria do governador de extrema-direita Romeu Zema-Novo, mira a privatização da Copasa
Publicado em: 4 de novembro de 2025
A chamada de PEC do Cala Boca retira da constituição do Estado a necessidade de referendo popular para autorizar a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Copasa Serviços de Saneamento Integrado do Norte e Nordeste de Minas Gerais S/A (COPANOR), Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig). A PEC foi aprovada em 1º turno às 4h30 do dia 24 do último mês, após mais de 10 horas de sessão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com 52 votos favoráveis e 18 contrários. Os trabalhadores da Copasa e da COPANOR estavam em greve desde o dia 21, com a organização de uma audiência pública pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de MG (Sindágua-MG) que reuniu mais de 6 mil trabalhadores e apoiadores no dia 22. Apesar da resistência dos trabalhadores e dos movimentos sociais, que acompanharam a votação até o final, houve grande articulação da base do governo de extrema-direita de Zema na ALMG e o lobby das empresas e bancos como o BTG Pactual pela aprovação da PEC do Cala Boca. O processo agora volta à Comissão Especial, para emissão de parecer de 2º turno, antes da votação definitiva.
“Aqui o trem prospera” pra quem?

Romeu Zema do Partido Novo, eleito e reeleito pautando o debate neoliberal em Minas, vem trilhando negociações com nomes da burguesia nacional sobre a privatização de estatais mineiras. Ao longo dos anos, desde o seu primeiro mandato, se executa um grande plano entreguista visando disponibilizar bens do governo ao mercado sob o pretexto da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. A primeira tentativa noticiada de materialização da desestatização foi a proposta entregue à ALMG em 2019, onde se tentava rifar a Codemig.
O que é apresentado hoje é a tentativa final de Zema e seus aliados de realizarem as privatizações antes do fim de seu mandato. A PEC enviada para a Assembleia em agosto de 2023, de autoria do governador, retorna em função da legislação mineira ter mecanismos que dificultam a privatização. A constituição de Minas Gerais exige que haja consulta à população sobre propostas de desestatização, e o governo sabe que, se quer desestatizar, precisa retirar essa exigência. É possível observar isso no texto da Proposta de Emenda à Constituição:
“retira a exigência de referendo popular para a desestatização de empresa de propriedade do Estado prestadora de serviço público de distribuição de gás canalizado [Gasmig], de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica [Cemig] ou de saneamento básico [Copasa e COPANOR]”
O trecho acima escancara o apelido dado à PEC, que é a tentativa explícita de calar a opinião do povo mineiro. Em maio de 2024, mais de 300 mil mineiros participaram do Plebiscito Popular em Defesa das Estatais de Minas Gerais, iniciativa da resistência dos movimentos sociais. Desses, 95% disseram acreditar que as estatais mineiras devem continuar públicas.
Leia também: Movimentos de juventude de Minas Gerais cobram Tadeu Leite que não paute a ‘PEC do Cala Boca’
Em agosto deste ano, Zema e sua base na ALMG se reuniram com o fundador e sócio do Banco BTG Pactual André Esteves, às vésperas de lançar sua pré-candidatura à presidência. A conversa entre o líder da extrema direita mineira e o empresário se concentrou na apresentação da estatal de saneamento mineira e outros ativos estratégicos do governo buscando tornar estes empreendimentos atrativos. Após o café com André Esteves, as ações do BTG Pactual, que se coloca como organizador da privatização e principal interessado na compra da Copasa, subiram. Zema quer ser presidente e busca na agenda do mercado garantir sua campanha, já que os empresários como Salim Mattar, dono da Localiza, foi responsável por 28% de seu financiamento.
Liquidando o estado para “pagar a dívida”
Até setembro deste ano, a dívida do Estado de Minas Gerais já chegava a mais de 196 bilhões de reais, sendo 87,69% (mais de 170 bilhões de reais) em débitos com o Governo Federal. Além da União, também há dívidas com o Banco do Brasil, bancos internacionais, o Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e com depósitos judiciais. Hoje a dívida ainda é paga com base nas regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que faz parte do pacote de medidas de austeridade criadas pelo governo Michel Temer (MDB) em 2016. Para quitar as dívidas com a União, o RRF previa a privatização de empresas estratégicas, congelamento de salários e restrição de investimentos públicos por décadas.
Para substituir esse regime, o governo Lula criou o Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). O programa traz como alternativa às privatizações a exigência de que o estado repasse bens públicos à União, além de demandar o investimento em setores estratégicos como Saúde, Educação, saneamento básico e habitação e oferece um prazo de 30 anos para que os estados quitem sua dívida com o Governo Federal. Para a adesão, Minas precisa reunir 20% do valor da dívida com a União em ativos públicos. Até o momento, já foram aprovados pela ALMG e sancionados 4 projetos relacionados ao Propag: autorizando a adesão ao programa, permitindo a transferência da Codenge, da Codemig e de recursos do Comprev para União e também o repasse de créditos que o estado tem a receber. Porém, antes mesmo da autorização da ALMG, o governo enviou à Assembleia uma lista de imóveis do estado que seriam federalizados. Com muita luta, os movimentos sociais, sindicatos, o movimento estudantil e os deputados do Bloco Democracia e Luta conseguiram que fossem retirados da lista os imóveis da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), da Fundação Helena Antipoff, da Fundação Caio Martins (Fucam) e do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (Ipsemg).
Hoje o governo ainda ensaia sua adesão formal ao Propag, com a declaração da secretária de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais de que o anúncio acontecerá na próxima semana. No entanto, em meio a isso o governo arma um discurso para garantir as privatizações que prometeu em seu programa de campanha. Como parte dessa estratégia, Zema impõe sigilo de 15 anos ao valor da Codemig, que é dona da maior jazida de nióbio do mundo e pode sozinha quitar os 20% exigidos pelo Propag. A avaliação da Codemig, porém, ainda acontecerá em meados de 2026. Por isso, o governo tenta ocultar seu valor para justificar a privatização da Copasa e outras estatais como condição “de vida ou morte” para adesão ao Propag. Agora preparando para tramitar a PEC 24/23 em segundo turno, um novo parecer facilitou as condições para privatização da Gasmig, prevendo que os recursos obtidos em sua desestatização podem ser aplicados num fundo estadual de saneamento a ser instituído por lei.
Apesar do discurso de Zema, a dívida do estado não só cresceu mais de 50% sob seu governo, como seu governo abriu mão de diversas receitas dando incentivos fiscais bilionários a seus financiadores de campanha e aceitando menos de 7% dos R$ 135 bilhões relativos a Lei Kandir em acordo com o governo Bolsonaro.
Fazer ecoar a voz do povo mineiro em defesa das estatais
O governo de Romeu Zema, mesmo tendo ameaçado a Copasa, a Cemig, a UEMG e ter enfrentado greves de vários setores, ainda tem alta popularidade nas pesquisas. Ao mesmo tempo, ainda vale lembrar o fenômeno de eleitores que votaram em Lula e Zema em 2022. Ainda assim, os sindicatos, movimentos sociais e o Bloco Democracia e Luta conseguiram impôr algumas derrotas ao governador de extrema-direita, como a retirada dos imóveis da UEMG, Unimontes e outros da lista de privatização, a derrubada de veto que retirava direitos de trabalhadores da educação, o fracasso do projeto de escolas cívico-militares pela mobilização massiva contrária das escolas e a derrota das primeiras tentativas de privatização das estatais. No entanto, os retrocessos ainda são muitos e a correlação de forças exige do conjunto da esquerda mineira refletir sobre as estratégias para construir uma alternativa. É preciso um projeto de unidade capaz de derrotar a extrema-direita no estado e no país, mas também de reencantar o povo mineiro espalhados pelos interiores e apresentar um horizonte de transformação social.
Nesse sentido, 2026 será um ano crucial para impedir nas urnas e nas ruas que Zema se lance como uma figura nacional, como possível nome do bolsonarismo para a presidência, mas também impedir que um novo projeto de extrema-direita se eleja no estado. Por isso, a luta em defesa das estatais é importante não só para proteger o direito do povo à água de qualidade, saneamento básico, acesso à eletricidade, gás e outros serviços públicos. É também uma luta contra a tentativa de Zema de se projetar nacionalmente.
Os movimentos sociais, de juventude e sindicais devem se unir aos trabalhadores da Copasa, que tem dado um grande exemplo de mobilização, na luta em defesa da Copasa e das outras estatais. A luta continua para além da votação em 2º turno da ALMG. A mobilização deve seguir e marcar um novo momento na luta contra a extrema-direita em Minas Gerais e na recomposição de forças da esquerda.
As estatais são do povo mineiro! Fora Zema!
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