marxismo
Sobre as revolucionárias e os revolucionários
Publicado em: 3 de novembro de 2025
O genocídio em Gaza, o abismo da desigualdade entre a maioria e alguns poucos multimilionários, as guerras, os estragos ambientais, o crescimento das extremas direitas, a retirada de direitos ou os ataques contra as mulheres ou contra aqueles que são diferentes acumulam a indignação suficiente para nos perguntarmos o que fazer para transformar este mundo lamentável.
A indiferença ou o individualismo, promovidos pelas elites e pelas redes sociais, não são uma solução. A ação coletiva é o que pode ajudar a transformar as coisas. Não se deve ter medo das palavras. Deve-se ir à raiz dos problemas,é necessária uma mudança social e política e, para isso, uma nova geração de revolucionárias e revolucionários deve surgir.
Às mentes bem pensantes e abastadas, a palavra revolução causa temor. Contudo, ela permanece presente. Fala-se da revolução tecnológica, da necessária revolução ecológica ou da revolução feminista quando se menciona a luta das mulheres contra o patriarcado; até mesmo uma empresa de eletricidade faz propaganda da Revolução dos telhados para se referir a instalação de placas solares. Por que não falar de revolução social para transformar completamente esta sociedade?
Não está na moda ser revolucionário, mas é a resposta diante do fracasso das tentativas de ampliar este capitalismo que se afunda. É uma sociedade que não é capaz de dar condições de moradia e alimentação à população; retira direitos que conseguiu com muito custo e, sobretudo, é incapaz de oferecer uma perspectiva melhor de vida e trabalho para a maioria. Os discursos reacionários, xenófobos e racistas das extremas direitas se apóiam sobre esta desesperança. Manter as coisas como estão não é uma perspectiva. Ou se transformam radicalmente em favor dos interesses da maioria da população trabalhadora e da juventude ou o retrocesso em direitos e nas liberdades se torna uma ameaça real.
Uma definição clara e sincera sobre as revolucionárias e revolucionários foi expressa por Che Guevara: “Sejam sempre capazes de sentir, em seu interior, qualquer injustiça realizada contra qualquer um, em qualquer parte do mundo. É a qualidade mais linda do revolucionário”.
Vivemos tempos difíceis que exigem unidade e refazer desde as bases as condições para enfrentar a onda reacionária. Mas, quando se parece impossível, quando tudo é obstáculo, ter uma convicção, uma ideia geral de uma nova sociedade e dos passos que deveríamos dar é o que permite seguir lutando, não se afastar do caminho até acabar com o capitalismo. Os revolucionários atuam sobre a história para transformá-la, para organizar a vontade dos povos e para que o poder, quando exercido com consciência, seja uma ferramenta para libertação e não para a dominação.
Os processos revolucionário não caem do céu, nem surgem pelo simples desejo; necessitam de bases materiais, crises econômicas e políticas, conflitos entre as classes dominantes ou movimentos de massas que questionem a ordem estabelecida. A indignação diante das injustiças é o ponto de partida, ser revolucionário não é simplesmente se rebelar, mas ter a coragem para imaginar outro mundo, outra vida, e ser consciente de que isso exige abnegação; também alegria e determinação para lutar.
Estudar as leis fundamentais que regem a sociedade capitalista é uma condição para acabar com ela. Trata-se de uma tarefa dupla: teoria e prática. Deve-se estudar e compreender a realidade material – suas contradições, suas dinâmicas, seus atores – e atuar para transformá-la. A melhor ferramenta conhecida é o marxismo, uma compreensão materialista baseada no desenvolvimento da luta de classes. Um marxismo que não se limita a repetir citações, nem a dar lições sobre o passado, mas um instrumento vivo para compreender as transformações, as novas realidades e, sobretudo, para criar ideias para a ação das classes trabalhadoras. Um marxismo também aberto a outros projetos emancipatórios.
Os revolucionários não renegam o passado. Muito pelo contrário: se apoiam no passado mais progressivo e nas melhores experiências, tanto históricas quanto científicas e culturais, a fim de compreender o presente e vislumbrar o futuro.
Os revolucionários não se colocam acima de ninguém, nem vivem à margem da classe social ou do povo que pretendem representar. São humildes, sentem-se parte deles, compartilham de suas experiências, de suas vitórias e derrotas. A única coisa que os anima é a perspectiva de aprenderem juntos até à emancipação das classes exploradas.
Ao imaginar a nova sociedade, pensam na liberdade, que são os direitos democráticos e as condições materiais para exercê-la; a igualdade de direitos sem exclusões; na república como forma de governo; na fraternidade dos povos; em acabar com a corrupção e o poder econômico e políticos de alguns poucos, realizando-o em nome da administração democrática e coletiva dos assuntos públicos.
Os revolucionários defendem suas ideias com ardor, mas escutam e são capazes de compreender a posição dos outros e se esforçam para que os debates e divergências parciais não acabem com o trabalho nem com a unidade do movimento e a organização.
O conformismo não faz parte de seu ideário. Não aceitam o argumento de que “sempre foi assim”. Ao contrário, questionam as estruturas, as normas e os privilégios. Mas, sobretudo, propõem alternativas: não destroem por destruir, são audazes porque querem construir sobre as ruínas do velho uma ordem mais humana, mais livre e mais justa. “Sabemos -disse o revolucionário anarquista Durruti – que não vamos herdar nada mais do que ruínas, porque a burguesia vai buscar arruinar o mundo na última fase de sua história. Mas nós não temos medo das ruínas, porque carregamos um mundo novo em nossos corações”.
O fracasso da experiência do “socialismo” na Rússia e nos países do leste da Europa é um fardo pesado do qual é preciso se livrar. Esta parte da história não é um espelho no qual se espelhar; devemos nos fixar nos projetos emancipatórios igualitários, democráticos, participativos nos quais os povos e as classes exploradas são os sujeitos dirigentes.
Ser revolucionário exige coerência e autocrítica. É necessário repensar os valores, as práticas e as formas de liderança. Não basta se proclamar inimigo da opressão se, no exercício do poder ou nas relações cotidianas, a mesma lógica autoritária que se combate é reproduzida. Não é aceitável reivindicar a igualdade e não a praticar na vida social, partidária ou nas relações pessoais. Ou que defende os direitos dos povos e nega a autodeterminação.
A impaciência nunca é uma boa conselheira. Não é mais revolucionário aquele que grita mais alto ou aquele que pretende ir mais rápido, mas o que compreende melhor a situação e está mais próximo do nível de consciência e organização das classes populares. Elevar o nível da consciência e organização é a chave para preparar ações mais decisivas; por isso é tão importante o trabalho nos sindicatos ou participar nos processos eleitorais. Estes são imprescindíveis para acumular forças contra o capital e experiência da luta política nos marcos da democracia burguesa.
As reformas são necessárias, mas insuficientes. Não se deve esperar a revolução para se exigir o que é necessário hoje. Movimentos como o feminista, tão importante em nível mundial, demonstram que uma parte do futuro pode ser conquistada agora. Também não se deve esperar para se exigir medidas e mudanças urgentes diante da crise climática. É possível avançar em direitos, em organização e consciência, sendo conscientes de que não será possível assegurá-los sem enfrentar o capitalismo predador da natureza e sua expressão patriarcal.
O internacionalismo é um sinal de identidade. Significa estar sempre com o povo oprimido e contra o opressor. A luta tem uma expressão em cada nação, mas isolados, cada país por si, nos tornamos débeis. Deve-se opor ao capitalismo globalizado uma aliança internacional das classes trabalhadoras e dos povos.
Resta muito a fazer, não somos iludidos. São necessárias a unidade, a mobilização, a organização, a consciência e novas experiências. Por isso, o importante é se organizar, debater sobre as perspectivas para a emancipação e participar em todo movimento por menor que seja. Nesse marco, poderão surgir as revolucionárias e os revolucionários que tanto precisamos hoje. Em um de seus escritos, relata o revolucionário russo Lênin: “É preciso sonhar! […] O desacordo entre os sonhos e a realidade não produz nenhum dano desde que a pessoa que sonha acredite seriamente em seu sonho, observe atentamente a vida, compare suas observações com seus castelos no ar e, em geral, trabalhe escrupulosamente na realização de suas fantasias. Quando existe algum contato entre os sonhos e a vida, tudo corre bem”.
Temos todo o direito de sonhar com um outro mundo melhor!
Originalmente publicado em https://memoriadelfuturo.eu/revolucionarias-revolucionarios/
Tradução de Paulo Duque, do Esquerda Online
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