editorial
A Doutrina do “Narcoterrorismo”: Rodrigo Pimentel é um Propagandista do Bolsonarismo?
Publicado em: 2 de novembro de 2025
Antes de entrarmos no tema em si desse artigo, que envolve uma polêmica sobre as posições do Ex-Bope, Rodrigo Pimentel, conhecido como o “capitão nascimento da vida real”, queremos registrar nossa posição sobre a caracterização e o papel do crime organizado como parte constitutiva da estratégia capitalista de acumulação em volume transnacional, através da exploração radical do trabalho de pessoas que se encontram em condições de vulnerabilidade social.
O crime organizado e suas representações como o “Escritório do Crime”, “Comando Vermelho”, “Bonde do Zinho”, “Primeiro Comando da Capital”, que estão envolvidos em trafico de armas, drogas, comercio clandestino de bens de serviço e consumo de produtos básicos como transporte público, gás de cozinha, especulação imobiliária, e ainda controle dos direitos civis e democráticos de territórios periféricos desassistidos pelo estado. São expressões do avanço da logica dos conceitos da gestão de máxima eficiência e liberalismo radical em nossa sociedade, na vida prática trata-se da aplicação concreta da ideologia “anarco-capitalista”. Se não, vejamos: uma organização criminosa como o Comando Vermelho ou o Escritório do Crime, são na pratica empresas que tem o objetivo de desenvolver um modelo de negócios que explora o trabalho humano de forma intensiva, sem qualquer controle ou regulação estatal, muito menos tem qualquer obrigação tributária ou ambiental.
É um modelo de gestão hierárquico e autoritário, cujo os sócios anônimos e desconhecidos são os verdadeiros proprietários que comandam um modelo de governança de elite, no qual as únicas figuras que aparecem para o público e que representam a empresa ( a organização criminosa) são os gerentes ( chefes de milicia ou trafico), que por sua vez administram as operações presencialmente nas instalações dessas empresas capitalistas ilegais, que estão localizadas em favelas e nas periferias de grandes centros urbanos. No caso brasileiro, após o final de mais de 300 anos do modelo escravocrata de produção, a formação econômico social do “capitalismo tupiniquim” jogou uma massa de pessoas afrodescendentes na marginalidade social. Geração após geração, vem servindo de recursos humanos abundante para esse modelo de negócio “anarco-capitalista”. É exatamente por esse processo histórico, que um peão dessa organização empresarial criminosa, cujo seu posto de trabalho é no “chão da favela”, geralmente é um jovem negro, mal remunerado, sem nenhum direito trabalhista e descartável, pois sua expectativa de vida nesse modelo de negócio é muito baixa e o nível de rotatividade no emprego é altíssimo.
Essas organizações empresariais criminosas, tem alto nível de eficiência e rentabilidade, sendo um paraíso financeiro de dar inveja a qualquer liberal dono de uma empresa convencional que segue regras e regulamentações do arcabouço juridico-legislativo. Não é por acaso que toda a disputa política dos partidos de direita e extrema direita, tem como um dos focos estratégicos principais, a luta pela “liberdade”, traduzindo: o direito das empresas capitalistas de ficarem livres de toda e qualquer regra, regulamentação e obrigações trabalhistas, ambientais e tributárias. Se levarmos até as ultimas consequências, a concepção liberal radical leva inevitavelmente ao anarco-capitalismo, que na prática já existe, e estão operando através de organizações criminosas que estão conectadas numa rede econômica global. Esse mundo econômico paralelo que está fora da contabilidade do PIB dos países, tem como pilar central de sustentação da sua presença, controle e defesa nos territórios o acesso as armas de alto poder letal. Sem equipamentos militares de alto desempenho, não é possível estabelecer a sua ditadura territorial. Assim, a demanda estratégica das organizações criminosas por armamento pesado de alta tecnologia é compulsiva. Trata-se da força propulsora que dá escala de alcance global para a industria armamentista, e no caso do Brasil, especialmente para o complexo industrial militar americano. As forças policiais estatais por sua vez, para poder trocar tiros em condições de paridade ou superioridade com as organizações criminosas, precisa também demandar cada vez mais os produtos da industria armamentista, e assim esse ciclo se retroalimenta, e o complexo industrial militar americano se consolida como o maior e mais poderoso do mundo.
Em resumo, não é difícil de entender que as organizações criminosas e seus modelos de negócios são mecanismos da própria burguesia para alavancar o processo de acumulação capitalista que opera em circuitos legais e ilegais utilizando muitas vezes a própria estrutura estatal para se reproduzir. A análise materialista dialética histórica nos ajuda a compreender que as operações militares violentas contra essas organizações criminosas nas favelas e nas periferias tem como consequência concreta gerar mais demanda por armas, recursos humanos, produtos ilegais e disputa de “ponto comercial”. Como isso? Na medida que o método de confronto e guerra eterna é o modus operantes por décadas, eliminando recursos humanos ( peões da milícia e do tráfico), apreendendo armas, drogas e deslocando facções de um território qualquer, mas tomando sempre o cuidado em preservar a diretoria da empresa ilegal-criminosa. O resultado é a geração de mais demanda para repor armas, drogas, recursos humanos destruídos por operações policiais, para reerguer esse modelo de negócios na favela ou região de vulnerabilidade social, gerando altíssima rentabilidade para a burguesia que está associada a esse sistema “anarco-capitalista” que funciona em simbiose a modelos de negócios legalizados, como por exemplo, a industria armamentista, de combustível, logística e outras infraestruturas necessárias. Bom, dito tudo isso, agora vamos ao tema principal desse artigo…
Rodrigo Pimentel faz parte da estrutura de propaganda bolsonarista?
Para uma melhor compreensão do papel chave que cumpre Rodrigo Pimentel nesse momento, nas engrenagens do projeto bolsonarista de poder no Brasil, é preciso uma breve contextualização. O ex-presidente da republica, Jair Bolsonaro e sua família, são amplamente conhecidos pelas suas intimas relações com lideres de milícias, especialmente o “Escritório do Crime”, que é um exemplo que já citamos de organização empresarial criminosa. Para ficar somente num exemplo mais conhecido, um dos principais dirigentes dessa organização criminosa, Adriano da Nobrega, foi homenageado duas vezes por Flávio Bolsonaro, a primeira vez em 2003, uma menção de louvor por serviços prestados, e em 2005 quando Adriano já estava preso, recebeu a medalha tiradentes, a mais alta honraria do estado do Rio de Janeiro, ambas homenagens foram feitas na assembleia legislativa do Rio de Janeiro quando Flávio era deputado estadual. O mais interessante é que Flávio Bolsonaro tinha como assessoras fantasmas em seu gabinete a esposa e a mãe de Adriano da Nóbrega, revelando o grau de confiança e ligação entre as famílias. O esquema de “rachadinhas” em seu gabinete envolvendo o ajudante de ordens Queiroz, a família Bolsonaro e a família de Adriano, ficou evidenciado, e só não chegou ao julgamento do mérito por “falhas técnico-processuais” no processo contra Flávio. Outros nomes ligados a organizações milicianas também já foram condecorados e homenageados pela família Bolsonaro, e a mais recente condenação por organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito envolvendo Bolsonaro, generais e membros de forças especiais do exército conhecidos como “Kids Pretos”. São fatos reveladores que reforçam a especialidade dos lideres bolsonaristas em recrutar agentes do estado para empreendimentos e operações de organizações empresariais criminosas de funcionamento idêntico ao que caracterizamos no inicio desse artigo. Por muito pouco, o projeto que é aplicado a muitos anos no Rio de Janeiro, não foi instalado no poder central do país. Aliás, não é preciso ser nenhum gênio da análise política para perceber que esse processo ainda se encontra vivo, tem apoio do atual governo americano e faz parte das disputas geopolíticas na América Latina como veremos a seguir…
Mas como Rodrigo Pimental está inserido nessa engrenagem? Ele é ex-capitão do Bope, eleitor e apoiador do governo de Bolsonaro, já que ele mesmo já declarou que votou e fez campanha para Bolsnaro tanto em 2018 como em 2022, emprestando sua influencia dentro das corporações policiais e na sociedade para o projeto bolsonarista. É co-autor do filme tropa de elite I e II, fez uma transição de carreira, de oficial da PM-RJ para comentarista político influente com mais de 1 milhão de seguidores nas redes socais. Também é empresário-palestrante, ilustre convidado da mídia e partidos da direita e extrema direita brasileira, como Revista Oeste, Brasil Paralelo e Fundação Indigo, ligada ao União Brasil. A ascensão de sua persona pública está intrinsecamente ligada à criação do Capitão Nascimento, o icônico protagonista dos filmes “Tropa de Elite”. Personagem que representa um oficial do BOPE que usa de métodos extra judiciais, tortura, comportamento machista e autoritário, que defende o método da violência e guerra as drogas como política de segurança publica.
A sua fama de policial incorruptível e especialista em segurança publica, praticamente um intelectual das forças de segurança que tem como foco fazer propaganda contra a esquerda, ao mesmo tempo em que defende com boa eloquência ideias de gestão e governança neoliberais radicais em suas palestras para corporações empresariais, banqueiros e gestores de empreendimentos bilionários. A ideia principal de suas palestras recebe o título “ Construindo uma tropa de elite”, estabelecendo uma relação direta entre a realidade do BOPE e o mundo empresarial. Os temas abordados são traduzidos para a linguagem empresarial: “liderança, trabalho em equipe, superação de metas e limites, e o foco no resultado”. Pimentel efetivamente “mercantilizou” o ethos do “caveira”, transformando uma doutrina militar de sobrevivência em uma filosofia de gestão. Ele identificou o paralelo entre as missões de alto risco da polícia e os desafios de alta pressão do mercado, oferecendo às empresas um modelo romantizado de disciplina, foco e resiliência para alcançar o sucesso. Essas ideias estão no livro Elite da Gestão , demonstrando sua notável habilidade em traduzir e monetizar sua experiência de vida. Qualquer semelhança e afinidade dessas ideias com o modo de gestão de organizações criminosas de concepção “anarco-capitalista” fica ao critério do leitor. O livro Elite da Gestão foi escrito em parceria com Maurilio Nunes da Conceição, ex-comandate do Bope, nomeado pelo governador cassado Wilson Witzel e que hoje faz parte do governo de Cláudio Castro, como braço direito do atual secretário de segurança publica do Rio de Janeiro. Talvez isso explique a enfática defesa de Rodrigo Pimentel ao governo bolsonarista de Claudio Castro contra as críticas de setores da esquerda, chegando a publicar um video em suas redes com dados distorcidos contra Benedita da Silva ( a única governadora do Rio de Janeiro que não foi presa por corrupção nas ultimas gestões), video que acabou retirando, provavelmente temendo um processo.

Após a operação mais letal da história das forças de segurança do Rio de Janeiro nas favelas do complexo do alemão e da penha. Rodrigo Pimentel surge no atual momento do debate público brasileiro, como um dos maiores propagandistas da doutrina da extrema direita trumpista de classificar organizações criminosas ligadas ao tráfico como organizações terroristas. Qualquer estudante de primeiro ano de um curso de relações internacionais sabe muito bem que o interesse do governo americano nessa política é justificar possíveis intervencionismos contra a soberania dos países do continente. Tudo isso está ligado a disputa de hegemonia na região e na defesa dos interesses do imperialismo ocidental contra a ascensão chinesa, não é por acaso que existe nesse momento um aparato militar de grandes envergadura no mar do caribe com ameaças permanentes contra Venezuela e Colômbia.
Para o Ex-Bope Rodrigo Pimental, a sua adesão ao projeto bolsonarista através da suas declarações de apoio eleitoral, o seu foco na propaganda anti-pestista e anti-esquerda, a sua contribuição intelectual monetizada por partidos e empresários de direita e extrema direita e a sua persistente defesa da principal politica americana para controle do que o governo trumpista considera como o “ seu quintal”. Tudo isso revela como suas contribuições na guerra cultural como influente propagandista localiza a sua persona como uma peça chave na engrenagem da extrema direita bolsonarista e no seu projeto de poder no país. Para Pimentel o seu apoio político a família bolsonaro nas ultimas eleições, não tem a menor contradição como o fato de que foi no governo Bolsonaro que o acesso a fuzis de alto poder letal foi facilitado para as organizações criminosas, seja do trafico ou das milícias, como também não tem nenhuma importância que a família bolsonaro seja líder de organizações milicianas, muito menos existe em seu discurso qualquer enfase à critica em relação ao projeto golpista de Bolsonaro. Aliás, Rodrigo Pimentel deveria dizer qual a sua posição sobre a proposta de anistia para os condenados pelo crime de organização criminosa armada e abolição violenta do estado democrático de direito. Como também deveria dar o mesmo peso a critica que faz a esquerda, aos partidos e lideranças da extrema direita que votaram a favor da PEC da bandidagem recentemente. O seu silencio e suas relações privilegiadas com as organizações da direita brasileira falam por si só…
E por fim, a sua relação com lideres do União Brasil, partido Novo, Revista Oeste, Brasil Paralelo, confirmando a sua localização política no espectro da extrema direita, ainda que o seu discurso tenha alguma mediação, contradiz completamente a sua defesa de que o estado deveria ocupar as áreas dominadas por organizações criminosas. Já que a política neoliberal radical de seus principais aliados é de diminuição do papel social do estado e todo poder ao livre mercado. Os milicianos do “escritório do crime” Adriano da Nóbrega (matador de aluguel) e Ronnie Lessa ( assassino de Marielle Franco) foram contemporâneos de Rodrigo Pimentel na PM-RJ, chegando a fazer parte das mesmas equipes de trabalho. Nos parece que está nítida a divisão de tarefas dessa geração de quadros oficiais do BOPE para o projeto bolsonarista miliciano, enquanto uns estiveram na linha de frente da liderança de empreendimentos ilegais, outros optaram em cumprir um papel na disputa política e ideológica na sociedade com o objetivo de fortalecer no imaginário social as ideias neofascistas da extrema direita. No final são todos adeptos do impulso de morte da ideologia da simbologia caveira!
Gibran Jordão, é historiador e analista de geopolítica.
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