meio-ambiente
O desafio da nossa geração – Como combater o negacionismo climático neofascista?
Publicado em: 1 de novembro de 2025
Marcha “A resposta somos nós” no Acampamento Terra Livre 2025. Foto: Ronaldo Tapirapé
1. Contextualização do debate climático
Há mais de três décadas, a comunidade científica vem alertando com crescente urgência para os efeitos das mudanças climáticas e suas consequências sobre a vida no planeta. A crise ambiental é resultado direto da forma como o capitalismo se relaciona com a natureza: de modo predatório, sustentado pela exploração ilimitada dos recursos naturais e pela dependência estrutural da queima de combustíveis fósseis.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), se o aquecimento médio da Terra ultrapassar 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais, os danos ambientais e sociais se tornarão irreversíveis. Já não se trata de um alerta distante ou de ficção científica: os cenários de destruição que antes pareciam restritos a filmes apocalípticos agora fazem parte do cotidiano humano.
O debate ambiental, portanto, deixou de ser sobre “o futuro das próximas gerações”. Ele diz respeito ao presente, a um tempo em que a humanidade convive, simultaneamente, com enchentes devastadoras e secas prolongadas. Os oceanos estão mais quentes, ácidos e desertificados. O aumento global de 1,2 °C já ameaça a segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas. De acordo com o Instituto Potsdam (2025), a acidificação dos mares ultrapassou a fronteira de segurança, tornando-se o sétimo dos nove limites planetários rompidos, ao lado das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade, do uso insustentável da terra, dos ciclos de nitrogênio e fósforo, da escassez de água doce e da poluição química. Esse desequilíbrio demonstra que o planeta opera fora da zona de estabilidade que sustentou a vida por milênios. Um relatório internacional recente confirma que a Terra atingiu seu primeiro ponto crítico irreversível: a morte em massa dos recifes de corais, com mais de 80% deles afetados pelo calor e pela acidificação, um sinal de que os oceanos deixaram de conter a crise para se tornarem sua face mais visível.
O modo de produção capitalista, com sua lógica de expansão infinita, transforma tudo em mercadoria. A busca incessante pelo lucro mantém matrizes energéticas baratas e poluentes que destrói biomas inteiros. O capitalismo não apenas degrada ecossistemas e modos de vida locais: ele desequilibra o planeta como um todo, impondo riscos existenciais à humanidade.
No Brasil, esse processo se manifesta de forma particularmente aguda. O país vive uma sucessão de eventos extremos que escancaram sua vulnerabilidade ambiental e social. No Norte, secas recordes isolam comunidades ribeirinhas e secam rios; no Centro-Oeste, o Pantanal arde em chamas, e ecossistemas inteiros desaparecem; no Nordeste, a alternância entre estiagens prolongadas e enchentes violentas, como as que atingiram Pernambuco, Bahia e Maranhão, revela um clima em colapso; no Sudeste, as chuvas intensas e deslizamentos em Minas Gerais e no Rio de Janeiro se somam às ondas de calor que tornam as cidades quase inabitáveis; e no Sul, o Rio Grande do Sul se tornou símbolo da devastação climática, com cidades submersas, centenas de mortes e milhares de desabrigados.
As imagens de pessoas sendo resgatadas de telhados, de famílias perdendo tudo o que construíram e de animais ilhados por dias demonstram que a crise climática não é um problema do futuro, ela é o agora.
2. Negacionismo climático, ecofascismo e extrema-direita
O negacionismo climático não é um fenômeno isolado nem uma simples divergência de opinião. Ele faz parte de um projeto político global que se articula com o avanço da extrema-direita neofascista. Por trás dos discursos que desacreditam a ciência, há uma tentativa deliberada de deslegitimar o conhecimento, enfraquecer a ação coletiva e proteger os interesses das grandes corporações que lucram com a destruição ambiental.
Nos últimos anos, figuras como Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e Giorgia Meloni assumiram o protagonismo dessa ofensiva reacionária. Todos compartilham a mesma retórica: transformar a crise climática em uma guerra cultural, negando sua gravidade e apresentando políticas ambientais como ameaças à “liberdade econômica” ou à “soberania nacional”.
Nos Estados Unidos, Donald Trump simbolizou o negacionismo climático institucionalizado: retirou o país do Acordo de Paris, cortou recursos da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e nomeou lobistas do petróleo para cargos estratégicos. Chegou a afirmar que o aquecimento global era “um conceito inventado pelos chineses” e tratou políticas ambientais como “inimigas do crescimento econômico”.
No Brasil, o discurso ecoou entre os setores da extrema-direita. O governo Bolsonaro promoveu uma política ambiental de devastação: desmatamento recorde, ataques a povos indígenas e quilombolas, cortes orçamentários no Ibama e no ICMBio e a célebre promessa de “passar a boiada”, dita por Ricardo Salles. Ao mesmo tempo, Bolsonaro difundiu teorias conspiratórias segundo as quais a “agenda verde” seria um instrumento da ONU para limitar a soberania nacional, narrativa importada diretamente do trumpismo.
Na Hungria, Viktor Orbán reproduz a mesma cartilha, apresentando políticas climáticas como “imposições da elite liberal europeia”. Na Itália, Giorgia Meloni adota um discurso ambíguo: reconhece o aquecimento global, mas o dissocia das causas humanas, reforçando a ideia de que a crise seria “natural” e inevitável. O resultado é o mesmo: paralisia política, inércia institucional e manutenção do status quo econômico.
Esses governos compartilham uma estratégia comum: usar o negacionismo climático como instrumento de controle ideológico. Trata-se de uma tática típica do fascismo a fabricação de inimigos e de mentiras. No campo ambiental, o inimigo passa a ser o “ambientalista radical”, o “ecoterrorista”, o “globalista” ou qualquer um que confronte os interesses das elites econômicas.
Ao disseminar fake news e teorias conspiratórias, a extrema-direita produz confusão cognitiva e desconfiança na ciência. O objetivo não é convencer, mas gerar dúvida, desmobilizar e paralisar a ação coletiva. Enquanto a sociedade se divide entre acreditar ou não no aquecimento global, o capital continua operando com liberdade para explorar, desmatar e poluir.
No Brasil, esse negacionismo discursivo se traduziu em políticas concretas de desmonte institucional: a destruição do Sisnama, a militarização de órgãos de fiscalização e o corte de verbas para pesquisa e monitoramento ambiental. Esse conjunto de ações não é fruto do acaso, é parte de um projeto deliberado de destruição da esfera pública e de mercantilização da natureza. A extrema-direita global atua, assim, como o braço político do capital fóssil, que teme perder poder diante da transição energética e da reorganização ecológica da economia.
Mas o negacionismo climático é apenas uma das faces do fascismo contemporâneo diante da crise ambiental. Em paralelo, cresce um fenômeno igualmente perigoso: o ecofascismo. Diferentemente do negacionismo, o ecofascismo reconhece a gravidade das mudanças climáticas, mas o faz sob uma lógica autoritária, racista e eugenista. Em vez de enfrentar as causas estruturais da crise, o capitalismo e sua desigualdade global, o ecofascismo transfere a culpa para os povos do Sul Global, migrantes, populações negras e indígenas. É a velha ideologia da dominação travestida de “defesa da natureza”. Essa retórica ganha força ao associar “superpopulação” e “escassez de recursos” à necessidade de controle social e repressão, naturalizando a violência e a exclusão como respostas legítimas à crise climática. O fascismo, assim, se reinventa: pinta-se de verde, mas mantém o mesmo projeto de hierarquização da vida e destruição dos comuns.
3. Como combater o negacionismo climático neofascista?
Se o negacionismo climático e o ecofascismo expressam o projeto neofascista e capitalista que ameaça o planeta, combatê-los não pode se limitar à disputa discursiva. Trata-se de uma tarefa histórica e estratégica, que exige organização coletiva e horizonte transformador. Nesse cenário, a juventude ocupa um papel decisivo: somos a geração que cresceu em meio ao colapso e que, por isso, carrega a responsabilidade de construir outro futuro.
O primeiro desafio é derrotar política e ideologicamente o projeto neofascista global, que se apresenta sob o disfarce de “patriotismo” e “liberdade econômica”. Esse projeto representa a destruição sistemática das políticas públicas, a militarização da vida e a negação da ciência. Ele combina autoritarismo político, fundamentalismo religioso e submissão aos interesses do grande capital, especialmente o capital fóssil.
O segundo desafio é construir um projeto estratégico de transição: o ecossocialismo. A crise climática não será resolvida dentro das fronteiras do “capitalismo verde”, que apenas adapta a lógica da mercantilização ao discurso ambiental. A verdadeira transição ecológica é incompatível com o lucro ilimitado, a financeirização da vida e a exploração do trabalho. O ecossocialismo parte do reconhecimento de que a crise ecológica é também uma crise de civilização e exige uma reorganização profunda das relações entre sociedade e natureza, rompendo com a ideia de que crescimento econômico é sinônimo de progresso.
Combater o negacionismo climático neofascista é, portanto, parte de uma disputa histórica pelo futuro. Não se trata apenas de refutar mentiras, mas de construir força política capaz de decidir sobre energia, território, corpos e vidas. A tarefa da juventude, dos movimentos e das forças progressistas é transformar o enfrentamento à destruição ambiental em reorganização social: da propriedade dos recursos à tomada de decisão coletiva; do planejamento energético à soberania territorial; da produção de conhecimento à mobilização popular.
Este editorial, “Mudemos o sistema, não o clima: debates rumo à COP30”, parte de um princípio inegociável: não há neutralidade possível. Cada política, cada narrativa e cada investimento refletem interesses de classe e projetos de poder. Por isso, os textos seguintes aprofundarão etapas essenciais desta reflexão, da transição energética justa e popular ao enfrentamento do agronegócio e das mineradoras, da adaptação das cidades ao combate ao racismo ambiental, até a construção de um programa ecossocialista estratégico para o século XXI.
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