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E o dia seguinte da barbárie… quem enterra os mortos?


Publicado em: 29 de outubro de 2025

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Rachel Gouveia Passos, do Rio de Janeiro (RJ)

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Reprodução redes sociais

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A Folha de São Paulo publicou a seguinte matéria: “Moradores levam mais de 60 corpos à praça São Lucas, no Rio, no dia seguinte a operação que deixou 64 mortos”, ocorrida no dia 28 de outubro de 2025. O conteúdo retrata sobre os bastidores da megaoperação policial realizada e coordenada pelo governo do estado do Rio de Janeiro. Ou seja, revela o que não foi contado pelos dados oficiais divulgados pela gestão de Cláudio Castro.

Moradores do Complexo da Penha, na zona norte da capital fluminense, localizaram mais de 60 corpos e deixaram expostos em praça pública com o intuito de denunciar os bastidores da barbárie. Os corpos foram encontrados na mata entre os Complexos da Penha e do Alemão, carregados na caçamba de um carro e colocados em fileiras. A matéria, inclusive, destaca a presença de uma criança de 9 anos que ajudava nessa retirada. Afinal, quem enterra os mortos?

No Rio de Janeiro é naturalizado a convivência diária com a barbárie. Não é de hoje que crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos moradores de favelas convivem com o estado permanente de guerra, tornando-se bastante comum “acostumar-se” com a retirada de corpos destroçados por balas de fuzil. Dessa maneira, como aceitamos ver uma criança carregar um corpo alvejado por balas? Como aceitamos assistir uma mulher negra mãe despedaçar-se diante do corpo do filho com marcas de tortura? Como conseguimos dormir sabendo que pessoas tiveram suas casas invadidas e perfuradas?

No livro “Na mira do fuzil: a saúde mental das mulheres negras em questão”, lançado em 2023 e publicado pela Editora Hucitec, tratamos sobre os impactos da violência armada na saúde mental de mães e familiares de vítimas de violência armada. Ao entrevistar mulheres que tiveram seus filhos mortos e mutilados pela violência armada identificamos um processo que reproduz e justifica a autorização para o extermínio de determinada parcela da população: o estado permanente de guerra. 

Como parte da engrenagem da reprodução do modo de produção capitalista, a dinâmica da destruição é base da dominação imperialista e colonial. A produção da imagem do inimigo, fundamentada pela racialização dos corpos e subjetividades, encontra-se centralizada na figura do negro, pobre e favelado, que deve ser combatido e exterminado. Logo, o estado permanente de guerra ganha características particulares no Brasil, sendo justificado pela “Guerra às Drogas”, tornando-se o principal argumento para estabelecer a “pena de morte” aos “condenados da terra”.  

Frantz Fanon, autor que merece ser acionado nesse momento, nos auxilia na análise para compreendermos a dinâmica que rege as relações sociais brasileiras, principalmente na utilização da violência como instrumento de controle e destruição.  Aqui reconhecemos a violência como parte do processo de docilização dos corpos, identidades e subjetividades sendo intrínseca da vida cotidiana, gerando em alguns o prazer e o gozo com os atos de destruição. Como exemplo, podemos destacar o pronunciamento do deputado Nikolas Ferreira (PL/MG) que chamou a chacina fluminense de “a maior faxina já realizada na História do Rio”. 

O inimigo, que deve ser combatido e exterminado, é parte da retórica do projeto político nazifascista que utiliza a política de segurança, de assistência social e de saúde mental para desempenhar seus objetivos. É preciso sinalizar que a chacina ocorrida não é somente uma questão de segurança pública, também precisa ser parte da pauta da saúde mental. A disputa do projeto de sociedade impacta diretamente nas condições de vida, segurança, lazer, bem-estar e saúde mental da população. Portanto, o extermínio da população negra e favelada apenas fortalece os interesses econômicos, políticos, sociais e simbólicos da extrema direita.

 A banalização da violência, das violações e das iniquidades é recorrente no cenário fluminense. O que fica é a indignação, mas a preocupação com a população dos territórios afetados. O que será dessas comunidades, dos familiares, dos jovens, dos adolescentes e das crianças? Martín-Baró, um importante psicólogo social e militante, trata sobre Guerra e Saúde Mental. Ao abordar sobre o trauma psicossocial da população de El Salvador, o autor nos mostrar as consequências a curto, médio e longo prazo da guerra na saúde mental da população. 

Nesse caminho, podemos constatar que uma parcela da população já sofre com as sequelas sociais, psíquicas e simbólicas dessa realidade que não tem previsão de acabar. É urgente disputarmos o projeto político para o Rio de Janeiro, pois os “condenados da terra” precisam carregar seus mortos nas caçambas, enquanto seus algozes seguem gozando e brindando com a política de extermínio. 

Rachel Gouveia Passos é professora da Graduação e da Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenadora do Projeto de Pesquisa e Extensão Luta Antimanicomial e Feminismos. Autora de artigos e livros sobre saúde mental e as relações de gênero, raça e classe.


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