colunistas
Sobre metanol, álcool e outras drogas e a regulação do Estado
Publicado em: 2 de outubro de 2025
Colunistas
Coluna Saúde Pública Resiste
Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Colunistas
Coluna Saúde Pública Resiste
Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil
Por Pedro Henrique Antunes da Costa
Comecemos pela obviedade que precisa ser dita – e repetida: as drogas no capitalismo são transformadas em mercadorias. Nossa relação com elas se dá pela via do consumo. E aqui não há qualquer tipo de moralismo. Pelo contrário, nossas relações com as coisas num modo de produção que se pauta na/pela mercantilização das necessidades humanas e nos produtos produzidos para realizá-la se dá pela via do consumo. A mercadoria, como Marx apreendeu, é a forma mais elementar desta sociabilidade – e é necessária para a valorização do capital.
Logo, se as drogas são mercadorias, a lógica que está por trás da sua produção, comercialização e consumo é fundamentalmente a do lucro. E se o ciclo de produção e comercialização do álcool (assim como das demais drogas) está pautado no/pelo lucro, o que se busca é baratear o máximo possível a produção de tais mercadorias, junto do aumento da produtividade, para que se alcance o máximo de lucratividade. Tudo isso tende a resultar na piora do controle da produção, bem como da própria qualidade da mercadoria, quando não, em casos mais extremos como o visto em São Paulo, resultar no metanol e na contaminação de dezenas de pessoas, chegando a mortes. Eis a “autorregulação do mercado” cobrando mais alguns de seus preços.
Soma-se a isto um cenário de desmonte e precarização das políticas sociais, como, por exemplo, a Vigilância Sanitária no Sistema Único de Saúde, junto à desregulamentação dos mecanismos e processos de fiscalização pelo Estado. A questão é que tudo isso é frequentemente propagado por meio das narrativas (neo)liberais como avanço ou conquista, em prol da maior liberdade do mercado e da sua dita “autorregulação”. Para piorar, com o afrouxamento da fiscalização e regulamentação estatal, temos as portas escancaradas para a maior penetração das frações criminais e suas interfaces com as drogas – e que também devem ser compreendidas a partir de seus interesses econômicos e mercantis
Neste sentido, retomamos algumas das reflexões que fizemos no livro “Por um (outro) mundo com drogas: drogas, questão social e capitalismo” (Usina, 2020), em que debatemos caminhos para evitar casos como os de São Paulo, e que passam não só pela legalização do álcool e das demais drogas, como pelo debate sobre modelos de legalização, considerando as particularidades de nosso país, sua história e do momento presente.
É importante salientar que não existe somente uma única modalidade de legalização das drogas, sendo que ela também pode ser direcionada somente para algumas substâncias. O modelo que defendemos – maiores informações na obra supracitada – está pautado em uma política de legalização com uma participação ativa e rigoroso controle do Estado sobre os níveis de produção, comercialização e consumo, com evidências científicas para algumas drogas (como a maconha) já indicando sua superioridade frente ao proibicionismo e à descriminalização, assim como às outras formas de legalização de cariz mais liberais e permissivas ao mercado1. Em suma, tal modelo possui as seguintes características: (a) estatização dos meios de produção, com possíveis (e controladas) aberturas no âmbito varejista e do microcomércio, como para cooperativas, evitando, assim, o monopólio por grandes empresas, com os lucros sendo convertidos para fins de interesse público (educação, prevenção, tratamento etc.); (b) proibição da veiculação de publicidade e propaganda, contribuindo para uma visão de que as substâncias não são mercadorias comuns (commodities) e para limitar potenciais aumentos na prevalência de uso; (c) controle do preço, da qualidade e potência das substâncias dentro da oferta regulada, permitindo limitar os possíveis danos derivados do consumo.
O caso do álcool, aliás, diz respeito a um modelo de legalização (leia-se de regulamentação) frágil, com inúmeras lacunas, relegando atribuições e maior controle estatal justamente ao mercado e sua sanha por lucratividade. Um exemplo disso, para além do caso em tela, se refere às brechas quanto à publicidade e propaganda, ao poderio econômico-política da indústria da cerveja, resultando em maiores brechas regulamentárias, imunidades e isenções tributárias, dentre outras.
Nesse sentido, defender uma visão realista sobre a temática, reverberando em uma lógica de cuidado não-segregatória e humanizada, mostra-se congruente com uma perspectiva antiproibicionista que abrange todas as drogas consideradas ilícitas. Afinal, a legalização de uma(s) substâncias em detrimento de outra(s), não rompe com o controle do tráfico sobre o tema e nem com as consequências deletérias da “Guerra contra as Drogas” já explicitadas; na melhor das hipóteses pode abrandar algumas delas, ou, por outro lado, reforçar os malefícios com relação às outras que não forem legalizadas. E a defesa da legalização, ao invés de uma advocacia em prol da “liberação” das drogas ou da ausência de controle do Estado – como é bradado por muitos(as) – representa uma tentativa ética, racional e realista de se conseguir algo que o próprio proibicionismo prega, mas que jamais alcançou (e alcançará): reduzir os danos e custos relacionados a este tema. É claro que, enquanto parte de uma totalidade social, somente estas ações, por mais que se conformem como avanços frente ao nosso cenário atual, mostram-se limitadas. Contudo, tal constatação de forma alguma descarta a sua imprescindibilidade.
Num plano propositivo, coloca-se a premência de considerarmos a legalização das drogas como um de nossos horizontes políticos (e, portanto, não o final), de modo a propiciar novas formas de se conceber e relacionar com as drogas, nas esferas de produção, comercialização e consumo. Contudo, essa necessidade aponta também para pensarmos e debatermos o que chamamos de legalização e, mais especificamente, que tipo de legalização queremos, a partir da realidade brasileira. É necessário entender que, para além do imaginário social bastante estereotipado, moralista e recheado de deturpações propositais, existem várias perspectivas de gerência sobre a “questão” das drogas sob o guarda-chuva da legalização, muitas delas, paradoxais. Fabiola Leal (2017)2 retrata um pouco desse panorama de multiplicidade de visões sobre a legalização das drogas, quando analisa o movimento antiproibicionista brasileiro. Os próprios exemplos da legalização da maconha no Uruguai – onde o Estado detém maior controle sobre as etapas de produção, comercialização e também sobre o consumo – e de alguns estados dos Estados Unidos – com o mercado possuindo maior incidência e lucratividade sobre estas esferas – também são bastante ilustrativos dessa heterogenia de modelos legalizatórios, impactados pelas esferas econômica, políticas e pelas diferenças socioculturais de cada país. Marcelo Dalla Vecchia, Telmo Ronzani e Bruno Azevedo (2017)3 também alertam para o perigo do “atrelamento automático ao liberalismo econômico, onde o mercado passa ser o regulador da comercialização das drogas e indicador de acesso aos direitos sociais – como a ideia do cidadão-consumidor” (p. 178). Outro ponto fulcral do debate, diz respeito à necessidade reparatória do Estado frente aquelas e aqueles vítimas dessa política racista e classista focalizada para “gastar gente”.
Cabe entender também que, apesar de ser considerada imprescindível, e, portanto, um avanço frente ao cenário proibicionista que temos, não será a legalização estritamente que resolverá os “problemas” das drogas. Além do mais, incidida numa realidade que é iminentemente (e cada vez mais) antagônica e sendo atravessada pela dimensão política com seus jogos de poder e interesses enquanto expressão dessa nossa base econômica desigual, ela também trará consigo uma série de contradições que merecem ser sinalizadas e tensionadas, ao invés de um mascaramento que só servirá para a sua deslegitimação por aqueles que se posicionam contrariamente. Tais lembretes servem para que não nos orientemos por um politicismo ingênuo e que, assim como a temática das drogas de modo geral, analisemos a legalização e suas possibilidades, circunscrita à nossa totalidade social, seu ordenamento e dinâmica de funcionamento.
Atrelado a esses fatores, que a legalização possa ser considerada um avanço em termos da emancipação política dos usuários e consumidores de drogas, mas que contribua para processos de transformação radical de nossa ordem social, ao explicitar a barbárie da lógica proibicionista e de “Guerra contra as Drogas” que se ancora na própria crueldade de um sistema que se pauta na desumanização do ser humano, bem como da exploração do ser humano pelo próprio ser humano. Uma política enquanto mecanismo estatal que se valeu e vale de inúmeras “guerras”, que, apesar das diferentes nomenclaturas e roupagens ideológicas, possuem as mesmas finalidades: dominação imperialista e, internamente, a manutenção de uma ordem desigual às custas das maiorias populares. Isso nos faz questionar a própria ordem social que produz estas “guerras”, ao mesmo tempo em que se conforma e se sustenta por meio delas.
Você pode comprar o livro “Por um (outro) mundo com drogas: drogas, questão social e capitalismo” no site da Usina editorial
1 REHM, J. & FISCHER, B. Cannabis legalization with strict regulation, the overall superior policy option for public health. Clin Pharmacol Ther., 97(6), 541-544, 2015.
2 LEAL, F. C. Movimento Antiproibicionista no Brasil: discursos de resistência. Tese (Doutorado em Política Social). Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, 2017.
3 DALLA VECCHIA, M., RONZANI, T. M. & AZEVEDO, B. L. Os Cuidados à Saúde dos Usuários de Drogas em Perspectiva Psicossocial: Conquistas e Desafios 10 Anos após a Nova Lei de Drogas. In: ABRAPSO (Org.), Democracia, Política e Psicologia Social: Rupturas e Consolidações. Porto Alegre: ABRAPSO, 2017, p. 168-181.
Top 5 da semana

especiais
O governo Trump, o avanço da extrema direita europeia e a resistência socialista nas ruas e nas eleições
brasil
Vazamento de nudes: riscos, consentimento e como se proteger
mundo
“Plano de Trump” premia “israel” por extermínio de palestinos e diz ao mundo que genocídio compensa
colunistas
Sobre metanol, álcool e outras drogas e a regulação do Estado
mundo