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O governo Trump, o avanço da extrema direita europeia e a resistência socialista nas ruas e nas eleições
Primeiro artigo do especial Avanço da extrema direita na Europa
Publicado em: 30 de setembro de 2025
A extrema direita na Europa se afirma como um fenômeno social com características estruturais. Da Itália de Giorgia Meloni aos crescimentos eleitorais da Alternative für Deutschland alemã, do Rassemblement National francês e do Vox espanhol, a extrema direita avança inclusive no Parlamento Europeu. Partidos nacionalistas, anti-imigração e autoritários ganham espaço, alterando profundamente o cenário político europeu. Diante da crise do capital, que tende a se aprofundar com uma periodicidade cada vez menor, o neofascismo se levanta diante da estagnação econômica, da insegurança social e da frustração com as políticas tradicionais, apresentando-se como antissistema, sendo que, na prática, reforça a manutenção da ordem vigente.
O avanço da extrema direita na Europa representa uma ameaça existencial à democracia e aos direitos dos trabalhadores, consolidando-se como expressão política das contradições profundas do capitalismo europeu em crise.
No entanto, as lutas de resistência contra o neofascismo europeu também se aprofundam, sendo visíveis nos momentos eleitorais, nas reconfigurações partidárias e nas mobilizações diretas nas ruas. Exemplos recentes incluem o avanço eleitoral da Die Linke alemã em fevereiro e as manifestações antifascistas que ocuparam as ruas, o fortalecimento da esquerda espanhola após as disputas contra o Vox nas eleições de julho, a vitória da Nouveau Front Populaire nas eleições legislativas francesas em julho e as greves trabalhistas e mobilizações sindicais contra a reforma das aposentadorias, a formação de um novo partido de esquerda no Reino Unido, além das massivas manifestações em várias localidades em solidariedade ao povo palestino, como a observada na Itália em 22 de setembro.
Assim, para fomentar o debate entre a militância brasileira, o Especial “Avanço da extrema direita na Europa” traz uma introdução de André Freire e uma seleção de artigos que analisam, em diferentes países, esse processo de reconfiguração política no continente com o avanço da extrema direita.
A tendência política que mais cresceu na Europa durante a última década foi, sem dúvida, a extrema direita, com suas distintas variantes. Sobretudo, se fortaleceram os grupos mais radicais, com características neofascistas e fascistizantes.
A informação acima não é exatamente uma novidade. Expressa uma realidade bem visível nos últimos anos, pelo menos desde a realização do Brexit, plebiscito que aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2015; e a primeira chegada de Trump à Casa Branca, em 2016. Essa tendência política não se fortaleceu por acaso, mas, sim, expressa a radicalização de um setor da burguesia, presente principalmente nos países imperialistas ocidentais, diante das graves consequências da crise econômica, iniciada em 2007-2008. Crise esta que não foi revertida totalmente até os dias de hoje.
Para esta extrema direita, e para os setores das classes dominantes que ela busca representar, a decisão fundamental era impor os planos de austeridade contra o povo trabalhador, custe o que custar, rompendo, se necessário, com as mínimas travas democráticas presentes no regime da democracia liberal. O alvo principal sempre foi os direitos democráticos e sociais da maioria, sobretudo as parcelas mais exploradas e oprimidas da classe trabalhadora, como os imigrantes, as mulheres, as populações racializadas, a juventude e a comunidade LGBTI+.
Grupos de extrema direita já existiram na Europa há muito tempo, assim como em outras partes do mundo. Porém, a novidade da última década foi a audiência que estes atores políticos ultrarreacionários adquiriram na maioria dos países europeus, inclusive entre os trabalhadores e a juventude.
Mesmo com a derrota da reeleição de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2020 nos EUA, esta tendência não se reverteu. Mesmo com mais contradições, seguiu sendo umas das principais características presentes na situação política mundial. Mesmo que não seja a principal explicação para este processo reacionário, é evidente que contribuiu, para esta situação muito preocupante, a frustração com os governos, principalmente ligados à social-democracia, no atendimento das reivindicações e demandas sociais e democráticas da maioria das populações de seus países.
Esta resiliência do peso que adquiriram setores da extrema direita está vivendo agora uma nova onda de pico. O retorno de Donald Trump à Casa Branca, a partir do início deste ano, com a radicalização de sua agenda internacional imperialista e ultrarreacionária, vem trazendo um novo impulso para a extrema direita internacional e um dos pólos mais avançados deste processo é novamente a Europa.
Neste grave contexto, é muito importante a decisão do Esquerda Online de publicar um especial sobre a força da extrema direita na Europa e seu avanço, dando voz aos ativistas e organizações socialistas que resistem aos seus ataques brutais. É fundamental avançarmos na compreensão deste processo para melhor combatê-lo.
A anti-imigracão une Trump e a extrema direita europeia
Um dos traços comuns mais importantes que unem o trumpismo nos EUA e a extrema direita europeia é o combate radicalizado contra a imigração. Os ataques permanentes aos direitos democráticos e sociais dos imigrantes vivem hoje seu auge no mundo e na Europa, sobretudo contra às populações racializadas.
O discurso anti-imigracão está na base de um novo impulso de crescimento da extrema direita europeia. É possível sentir esta tendência em vários países neste momento. E não nos faltam exemplos, infelizmente:
- No Reino Unido, pela primeira vez na história, um partido de extrema direita, o Reform UK, liderado por Nigel Farage, um dos principais impulsionadores do Brexit de 2015, assumiu a primeira colocação em pesquisas de opinião, caso as eleições legislativas fossem agora. Estes setores acabaram de realizar uma grande manifestação, em 24 de agosto, contra a imigração, que pode ter levado mais de 100 mil apoiadores às ruas de Londres.
- Na Alemanha, os neofascistas da Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland – AfD) já tinham se tornado a segunda força política do parlamento nacional alemão depois das últimas eleições legislativas do país, voltando novamente a crescer agora nas eleições municipais do maior Estado alemão (Renânia do Norte). Eles seguem pressionando para romper o cordão sanitário contra seu partido, buscando estar em governos regionais em aliança com a União Democrata Cristão (Christlich Demokratische Union Deutschlands – CDU), partido da direita tradicional alemã.
- Na França, diante da crise do atual governo Macron, que acaba de perder mais um Primeiro-Ministro (o quinto desde as últimas eleições legislativas em julho de 2024), segue se intensificando a polarização entre a extrema direita, liderada por Marine Le Pen do partido Reconstrução Nacional (Rassemblement National – RN), e a esquerda socialista, liderada por Mélenchon da França Insubmissa (La France Insoumise – LFI). A França é o único país que uma organização da esquerda alternativa disputa de fato a possibilidade de chegar ao poder, se apoiando em fortes mobilizações que acontecem neste momento (como as grandes manifestações de 10 e 18 de setembro).
- Na Itália, a atual primeira-ministra de extrema direita, Giorgia Meloni, já se tornou a Primeira-Ministra que mais tempo ficou no cargo na última década. Seu governo vem conseguindo impor sua agenda reacionária, inclusive com políticas anti-imigração. Ela e seu partido, Irmãos de Itália (Fratelli d’Italia – FdI), vem ganhando cada vez mais influência no parlamento europeu.
- No Estado espanhol, recentes pesquisas de opinião já apontam a possibilidade de já nas próximas eleições legislativas se chegue a um governo conjunto entre direita e extrema direita. Esta possibilidade se daria a partir da soma dos votos do Partido Popular (PP), partido da direita tradicional que vem se radicalizando nos últimos anos, e o Vox, partido neofascista que tem grande influência sobre grupos de extrema direita em várias partes do mundo. Eles já estão juntos em alguns governos regionais.
- Em Portugal, nas últimas eleições legislativas, o partido de extrema direita Chega! se tornou a segunda força política na Assembleia da República, ocupando agora o papel de principal partido de oposição do atual governo do Partido Social Democrata (PSD), partido da direita tradicional, que vem incorporando, cada vez mais, a agenda anti-imigracão da extrema direita no seu governo, que tem atacado permanentemente os direitos dos imigrantes.
A lista não para por aí: poderíamos continuar citando outras crises políticas e resultados eleitorais que demonstram o crescimento ainda maior da extrema direita no último período, como na Noruega, Polônia, Países Baixos, Áustria, entre outros. De fato, este novo impulso de crescimento está se revelando novamente como uma tendência em todas as regiões do continente europeu.
O grave risco da normalização da extrema direita
Como já foi abordado em outros artigos neste mesmo Portal, o processo de fortalecimento da extrema direita na Europa se combina com a tentativa de normalização destes setores ultrarreacionários, como se a existência deles e o peso que adquiriram não significasse uma enorme ameaça às liberdades democráticas e ao próprio regime democrático. E, quem tenta normalizar a extrema direita, inclusive seus setores neofascistas ou fascistizantes, é a própria direita liberal.
A começar pela própria União Europeia, que após às ultimas eleições para o parlamento europeu, incorporou o partido de Giorgia Meloni em setores chaves da governança continental, além de outros setores de extrema direita, próximos ao Irmãos de Itália.
Assistimos este mesmo processo em governos regionais no Estado espanhol e até em Portugal, onde partidos da direita tradicional formam governos com setores neofascistas. Esta realidade regional pode ser estendida nacionalmente, especialmente quando examinamos o cenário espanhol.
E até na Alemanha, berço do nazifascismo, identificamos este processo de normalização, quando o atual primeiro-ministro e líder do CDU, Friedrich Merz, tentou aprovar um projeto anti-imigração, ainda antes de sua eleição, em aliança com a AfD.
De forma mais geral, o que vemos em praticamente todos os países são partidos da chamada direita tradicional incorporando em seus programas aspectos importantes das propostas ultrarreacionárias da extrema direita, sobretudo em relação aos temas vinculados ao combate a imigração e aos direitos dos imigrantes.
Ao lado do combate político e ideológico prioritário e cotidiano à extrema direita e sua agenda reacionária, é fundamental também denunciar e derrotar esta tentativa de normalização. Como, por exemplo, vimos com a firme atuação do Die Linke em protestos de rua e na campanha eleitoral das últimas eleições legislativas alemãs, denunciando de forma forte e ousada a tentativa de quebrar o cordão sanitário contra a AfD por parte de Merz, atual Primeiro-Ministro da CDU.
Apostar na resistência nas ruas e nas eleições
Sem ter a ilusão de que vivemos um equilíbrio de forças sociais e políticas na Europa atualmente, temos que acompanhar atentamente, dar muita importância e apoiar o rico processo de resistência que os diversos movimentos sociais e a esquerda vem protagonizando contra a ascensão da extrema direita e de sua agenda reacionária.
O exemplo mais avançado deste processo de resistência é, sem dúvida nenhuma, a França. A construção da Nova Frente Popular (Nouveau Front Populaire – NFP), impulsionada principalmente pelo partido de esquerda França Insubmissa, nas últimas eleições legislativas francesas representou uma real alternativa de poder, obtendo a maior bancada na assembleia de deputados franceses.
Diante da negativa de entregar a Mélenchon o cargo de Primeiro-Ministro, o governo Macron segue tentando impor sua agenda de austeridade, acabando por ajudar no fortalecimento e na resiliência da extrema direita na França. Também diante de um novo pacote de austeridade, que busca cortar verbas sociais e até mesmo acabar com dois feriados nacionais, mais um Primeiro-Ministro macronista caiu: François Bayrou foi derrubado pelo Parlamento. Macron acabou de nomear outro Primeiro-Ministro, Sébastien Lecornu.
A França Insubmissa defendeu a queda do agora ex-Primeiro-Ministro e, diante da negativa do atual presidente de chamar novas eleições legislativas, o partido de esquerda está fazendo uma campanha pela destituição diretamente de Macron, através de um pedido de impeachment no parlamento e uma campanha de abaixo-assinado popular. A ação ousada de França Insubmissa se combina e se apoia numa nova e forte onda de protestos populares contra Macron e sua política de austeridade, que vem acontecendo em toda França neste momento.
É neste país que a esquerda socialista europeia tem sua grande chance de apresentar uma alternativa real de poder, radicalmente contra a extrema direita, mas também como alternativa à chamada direita tradicional. Em todo o mundo, a esquerda tem tido dificuldades em se apresentar como alternativa e um novo projeto civilizatório, diferente do pautado pelo neoliberalismo globalizante.
Ainda, existem outros exemplos positivos que merecem ser valorizados. Como o surpreendente fortalecimento da Die Linke (A Esquerda) nas últimas eleições legislativas alemãs, unindo a presença destacada em manifestações populares, uma grande campanha eleitoral porta à porta e uma forte agitação política nas redes.
Também chama muita a atenção o processo de lançamento de um novo partido de esquerda no Reino Unido, encabeçado pelo Deputado Jeremy Corbyn, entre outras figuras, que já atingiu cerca de 1 milhão de adesões, já ocupando parte do espaço de esquerda deixado pelo giro à direita do partido trabalhista. Mesmo com um processo de divisão interna, a proposta de um novo partido necessita seguir em frente e superar as diferenças.
Além da reconstrução e fortalecimento do Podemos no Estado Espanhol, principalmente se vinculando de forma heroica com a causa palestina e sendo um ponto de apoio à esquerda contra os sucessivos vacilos do governo de conciliação chefiado pelo partido socialista espanhol.
Algumas destas organizações, em alianças com outros grupos, como o Bloco de Esquerda de Portugal, acabaram de lançar um novo Partido da Esquerda Europeia, uma nova iniciativa unitária, lançada num encontro conjunto realizado em junho deste ano na cidade do Porto.
Diante do exemplo da França Insubmissa e das diversas iniciativas de esquerda no continente, a tarefa principal da esquerda europeia segue sendo apostar numa ampla unidade para derrotar a extrema direita, prioritariamente nas ruas, mas também nas eleições, sem deixar, em nenhum momento, de apresentar o programa, as propostas, as saídas e a alternativa de poder, sempre a partir da própria esquerda e em aliança estratégica com os movimentos sociais.
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