editorial
As ruas dão voz à maioria
Publicado em: 23 de setembro de 2025
Reprodução/Redes Sociais
Faltavam as ruas. Agora, não mais. A vontade da maioria da população se apresentou de forma contundente no protesto de 21 de setembro. Em todo o país, centenas de milhares de pessoas foram à luta contra a Anistia e a PEC da Bandidagem. Multidões tomaram as ruas das 27 capitais e dezenas de outras cidades, superando todas as expectativas. As maiores concentrações foram em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte.
As mobilizações foram alegres e musicais, mas também firmes e incisivas. A mensagem era nítida: a impunidade para líderes do golpe de Estado e políticos criminosos é inaceitável. A manobra infame do Centrão e do bolsonarismo não será tolerada.
A jornada assumiu uma dimensão histórica, ocorrendo apenas nove dias após a condenação sem precedentes de Bolsonaro e seus generais. Foi uma reação direta à pretensão da extrema-direita de livrá-los da prisão, assim como ao conluio para blindar políticos de investigação e punição por crimes. A imensa rejeição na sociedade à PEC da Bandidagem potencializou a convocação do ato. Além disso, a defesa da soberania nacional e da justiça social — com o fim da escala 6×1, isenção do Imposto de Renda e taxação dos super-ricos — animou a participação na mobilização.
No teste das ruas, a maioria popular, até então silenciosa, demonstrou sua posição de forma ativa e categórica. A luta pela democracia, soberania e direitos sociais avançou.
Um dia inesquecível
No domingo, o Brasil reencontrou o melhor de si como nação. Em meio ao ataque imperialista de Trump, as bandeiras brasileiras marcaram presença, exibindo o orgulho da soberania nacional. O momento mais emocionante veio da presença de ícones da nossa cultura, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque, que uniram a beleza da nossa música popular com a resistência democrática, em uma linha de continuidade que vem desde a luta contra a Ditadura Militar nos anos 60 e 70.
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O dia 21 traz também outro significado: a esquerda voltou a liderar um evento de massas após vários anos de hegemonia da extrema direita nas ruas. Nacionalmente, o ato foi maior que o realizado pelos bolsonaristas no último 7 de setembro. O PL e a direita tradicional sentiram o impacto. Como resultado, a PEC da Blindagem deve ser enterrada no Senado e o projeto da Anistia sofreu um duro baque. No início dessa semana, Eduardo Bolsonaro foi denunciado pela PGR e, na Câmara, finalmente, foi revogada sua nomeação como líder da Minoria e foi aberto processo contra ele na Comissão de Ética, que pode resultar em cassação do mandato.
A virada nas redes e nas pautas
Desde julho, a esquerda passou à ofensiva nas redes sociais, com engajamento e alcance cada vez maiores. A primeira pauta, fundamental para essa virada, foi a defesa da Justiça Social após o Centrão impor amarga derrota ao governo na votação do IOF. As reivindicações populares foram contrapostas ao Congresso dominado pelos inimigos do povo. O giro político do governo Lula à esquerda, abraçando reivindicações populares, foi crucial. O Plebiscito Popular foi outra ferramenta importante na construção dessa linha de conquista de maioria social.
Na sequência, com o anúncio das sanções de Trump ao Brasil, Lula e a esquerda ergueram uma segunda bandeira popular: a da Soberania Nacional contra a agressão da potência imperialista, em parceria com a família Bolsonaro. Agora, a defesa da pátria está em nossas mãos, enquanto a extrema-direita desfila com a bandeira dos EUA na Paulista.
A disputa nas redes seguiu a pleno vapor nas duas semanas do julgamento de Bolsonaro. As pesquisas de opinião revelavam que a maioria da população era a favor da condenação. Mas esse posicionamento majoritário não extrapolava para as ruas. A esquerda não mostrava capacidade de expressar seu peso político em grandes mobilizações, ao contrário do bolsonarismo.
Dias depois, o STF julgou e condenou os golpistas. Um triunfo democrático histórico, comemorado por milhões de brasileiros. Esse resultado moralizou a base social ampla da esquerda, que se sentiu fortalecida. Bolsonaro sofreu duro revés. No entanto, a ausência de força da esquerda nas ruas era ainda uma debilidade sentida.
Audácia e acerto político
Embalada por sua presença nas ruas e peso no Congresso, a extrema-direita passou à contraofensiva, em aliança com o Centrão. A aprovação da PEC da Blindagem e da urgência do PL da Anistia, em dois dias, foi um movimento pretensioso, mas que se revelou um enorme erro de cálculo político, gerando uma onda de indignação. A temperatura nas redes sociais se elevou, e a esquerda iniciou um contra-ataque imediato e de grande repercussão.
A existência dessa ampla rejeição popular não era, contudo, condição suficiente para a realização de uma grande ação de rua. Seriam necessárias audácia e amplitude de liderança para concretizá-la.
A corajosa iniciativa veio na noite de quarta-feira (17), quando Guilherme Boulos, Erika Hilton, a Frente Povo Sem Medo, o PSOL, o Mídia Ninja e o grupo 342 Artes, coordenado por Paula Lavigne, lançaram a primeira convocatória para o dia 21 de setembro. O vídeo de Caetano Veloso marcou a entrada decisiva dos artistas na convocatória. A Frente Brasil Popular, o PT e outros partidos e movimentos se somaram prontamente, fortalecendo a frente única para a realização do evento.
A convocação viralizou instantaneamente pela internet. O grande número de pessoas que já estava se mobilizando nas redes ganhou confiança para dar um passo além: ajudar na convocatória e ir às ruas massivamente.
A força da diversidade e as bandeiras de luta
Nas ruas cheias, havia muita diversidade e emoção. As mais variadas gerações se encontraram unidas por uma causa comum. Jovens negros e negras, os veteranos da luta contra a Ditadura, trabalhadores sindicalizados, feministas de todas as idades, pessoas LGBTQIA+, professores, artistas e trabalhadores da cultura, funcionários públicos, membros de movimentos populares, militância organizada da esquerda, ativistas das redes sociais, estudantes… Enfim, esteve presente o que há de mais consciente e combativo na nossa sociedade.
A principal e mais cantada palavra de ordem foi, indiscutivelmente, “Sem Anistia!”. A rejeição à PEC da Bandidagem também teve destaque. Mas não ficaram ausentes das mobilizações a defesa do fim da escala 6×1, a taxação dos super-ricos, a isenção de Imposto de Renda, a soberania nacional e a solidariedade ao povo palestino. Essas pautas, sem dúvida, compõem os eixos centrais da luta que segue.
A lição principal e os próximos passos
A conclusão fundamental que fica é a importância decisiva da mobilização de rua para enfrentar a extrema-direita e o Centrão, e para lutar pelas reivindicações da classe trabalhadora. A capacidade eleitoral da esquerda é muito importante, assim como a disputa de narrativas nas redes sociais. Mas não são o bastante. Sem força de mobilização social, não é possível obter avanços estratégicos e mudanças mais profundas na relação de forças.
É preciso que o dia 21 de setembro marque o ponto inicial da retomada das ruas pelas forças de esquerda e democráticas. O medo começou a mudar de lado. Preservar a articulação responsável pela convocação do ato tem enorme importância. A aliança entre as forças organizadas de esquerda e os artistas progressistas é fundamental.
Após o sucesso do ato, o presidente Lula saudou a iniciativa, demonstrando apoio público. Isso é muito positivo. Ele não participou da convocação, mas pode e deve fazê-lo nas próximas vezes. Precisamos do Presidente Lula na linha de frente dos chamados às ruas. Já está provado que as negociatas no Congresso não resolvem nossos problemas. Só a mobilização popular é capaz de dar sustentação às transformações reais que o Brasil deseja e precisa. É apoiando-se nas lutas do nosso povo que Lula terá condições de defender a nossa soberania e os interesses do Brasil.
Tivemos uma vitória no domingo, acuando a extrema-direita e o Centrão. Mas essas forças reacionárias seguem poderosas. O bolsonarismo não irá desistir tão cedo da Anistia e quer voltar ao poder central no próximo ano. A direita tradicional, por sua vez, seguirá fazendo chantagens e sabotagens para prejudicar o governo Lula.
Cabe à esquerda intensificar a luta unitária pelas bandeiras do povo nos próximos meses. O Plebiscito Popular entra na reta final para massificar a campanha pela aprovação da isenção do Imposto de Renda, taxação dos super-ricos e fim da escala 6×1. Essa é a pauta do povo. Junto com isso, é preciso redobrar a pressão para que o Congresso enterre de vez a Anistia, em todas suas versões, e a PEC da Blindagem. Diante desse cenário de intensa disputa, é preciso manter a mobilização nas redes e nas ruas.
Por fim, importa saudar o discurso de Lula na ONU nesta terça-feira, 23. O Presidente brasileiro fez uma corajosa e enfática defesa da soberania nacional, denunciando as agressões imperialistas de Trump contra o nosso país, Venezuela e Cuba, o genocídio de Israel em Gaza e os intentos da extrema-direita em todo o mundo contra a democracia, os imigrantes e a classe trabalhadora. Esse discurso, que enche de orgulho os verdadeiros patriotas, deve guiar as ações concretas do governo!