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A França está nas ruas e em profunda crise política
O Presidente Emmanuel Macron nomeou o quinto Primeiro-Ministro da França desde o início de 2024. A greve geral desta quinta-feira (18 de setembro) sugere que sua manobra pouco contribuiu para resolver a crise política do país.
Publicado em: 22 de setembro de 2025
Cerca de um milhão de pessoas foram às ruas da França nesta quinta-feira, conforme dados da Confederação Geral do Trabalho [CGT], em protesto contra o Presidente Emmanuel Macron e suas políticas de austeridade. Esta foi a segunda maior mobilização nos últimos dias, após o relativo sucesso do movimento Bloquons tout! (Vamos bloquear tudo!) convocar greves e bloqueios na quarta-feira, 10 de setembro.
O apelo para a mobilização da última semana se espalhou espontaneamente pela internet, antes das ações serem organizadas por meio de assembleias populares realizadas em diversas cidades francesas. O Bloquons tout ! tinha convocado o bloqueio das rotas de transporte da França em protesto contra o orçamento de austeridade apresentado pelo então Primeiro-Ministro François Bayrou.
A massiva mobilização da polícia na semana passada (com oitenta mil policiais, um número recorde) desmontou os bloqueios, mas mais de duzentas mil pessoas participaram na mobilização – um sucesso considerável para um movimento que não existia já poucos meses atrás. Apesar da convocação original ter sido lançada por um pequeno grupo nacionalista, eles não estavam envolvidos na organização dos protestos da última semana, em que a esquerda tinha o papel mais proeminente.
Os sindicatos mais combativos (a CGT e os Solidaires) apoiaram a convocação para 10 de setembro. Entretanto, o Intersindical, que traz consigo todas as principais organizações de trabalhadores, decidiram convocar seu dia de mobilização para esta quinta-feira, 18 de setembro. Naquela época, Bayrou e seu orçamento já haviam sido derrotados na Assembleia Nacional, sendo forçado a renunciar e Macron nomeou um novo Primeiro-Ministro, Sébastien Lecornu. No entanto, os franceses responderam à convocação dos sindicatos, convencidos de que o novo Primeiro-Ministro não mudaria nada em relação às políticas de Macron. De fato, Lecornu começou a negociar um novo orçamento baseado no de Bayron, que previa cortes de 44 bilhões de euros nos gastos sociais e aumento dos fundos para as forças armadas.
O sucesso das manifestações de 18 de setembro, no qual os ativistas do Bloquons tout ! também participaram, mostrou o aprofundamento do descontentamento com as políticas de Macron e a crise política que tem atingido a França desde 2022. Conforme uma pesquisa recente [1], mais de sete a cada 10 cidadãos rejeitam o orçamento de austeridade e 64% exigem a renúncia de Macron – uma situação sem precedentes em uma república presidencial forte, em que a legitimidade eleitoral direta do chefe de Estado é geralmente considerada intocável. A questão agora é saber quão longe este círculo emergente de protestos pode ir – e como pode transformar a situação política hoje bloqueada pela determinação de Macron em se agarrar ao poder e às suas políticas contra a classe trabalhadora.
Um novo movimento social?
A mobilização sindical desta quinta-feira foi parecida com muitos outros grandes dias de protesto na França. A participação foi considerável, mas não um recorde: afinal, durante o movimento contra a reforma da Previdência de 2023, a CGT estimou que até 3,5 milhões de pessoas tomaram as ruas em um único dia, na maior manifestação da história da França.
A greve desta quinta-feira prejudicou consideravelmente os trens urbanos do metrô de Paris – com linhas inteiras fechadas – e alguns setores do poder público, tais como a educação, com escolas de vários níveis fechadas. No entanto, teve apenas uma participação esporádica no setor privado. Este é um padrão incomum das greves na França: apesar de todos os trabalhadores terem legalmente o direito de fazer greve, poucos fazem isso nas empresas privadas devido à pressão dos empregadores, baixa presença sindical e a fraca cultura da luta dos trabalhadores ali.
A novidade da mobilização de 18 de setembro, se comparada com o movimento sobre a aposentadoria dois anos e meio atrás, reside no contexto político atual. As greves de 2023 aconteceram logo após a reeleição de Macron como presidente, quanto ele ainda tinha o apoio do maior grupo da Assembleia Nacional. Isso facilitou para ele a aprovação de seus cortes nas aposentadorias, apesar da oposição majoritária do público. Agora, Macron é tão fraco quanto um presidente na França pode ser: ele tem apenas um governo minoritário fraco e seus Primeiros-Ministros são derrubados um após o outro por um parlamento no qual a extrema direita e as várias forças da esquerda dominam.
Além disso, está surgindo uma dinâmica de retroalimentação entre a Bloquons tout! e o movimento sindical. Os sindicatos – especialmente a CGT, a segunda maior em número de membros e o principal ponto de referência na maioria dos ciclos de mobilização – aprenderam com seus erros com os Gilets Jaunes (os “coletes amarelos”, em referência ao uniforme de protesto de alta visibilidade).
Aquele movimento, que surgiu espontaneamente em 2018, bloqueou as ruas da França, fim de semana após fim de semana por meses, e organizou manifestações massivas em frente do Palácio Élysée do presidente e da Assembleia Nacional, desafiando diretamente o poder ao invés de respeitar os caminhos usuais das marchas sindicais. Este é um detalhe simbólico, mas que tem peso na França.
Os Gilets Jaunes conseguiram forçar Macron a tomar algumas medidas para melhorar o poder aquisitivo das classes média e trabalhadora – um grande sucesso, ao contrário das poucas concessões obtidas pelo movimento sindical contra a reforma da previdência de 2023. Os sindicatos mal apoiaram os Gilets Jaunes, preocupados com a presença de elementos da extrema direita e com a falta do controle sindical sobre a mobilização. Agora, a CGT e os Solidaires deram o suporte legal às greves de setores específicos em 10 de setembro e comemoraram o sucesso do movimento Bloquons tout!
Nas manifestações sindicais em Paris desta quinta-feira, a presença dos ativistas do Bloquons tout ! foi sentida. Juntamente com os sindicalistas mais radicais, eles exigiram que os líderes sindicais convoquem uma greve indefinida que pressionaria verdadeiramente o poder econômico e político, ao invés do sucesso comum de dias de greves e manifestações isoladas – uma estratégia falha em 2023 no movimento pela reforma da previdência. Entretanto, também é claro que não existe um botão vermelho que os líderes sindicais podem apertar para decretar uma greve geral indefinida. De fato, é difícil para eles até mesmo convencer a maioria dos trabalhadores a fazer greves de um dia.
É possível que a interação entre o radicalismo do Bloquons tout ! e a capacidade de mobilização dos sindicatos, em um clima de regime política, possa promover formas mais massivas e radicais de protestos, capazes de verdadeiramente pressionar Macron. Embora tenha havido manifestações dignas de nota em pequenas cidades em 18 de setembro, ainda não está claro se o novo movimento será capaz de integrar os setores populares das áreas periurbanas e rurais, que saíram às ruas com os coletes amarelos, mas até agora estão sub-representados no atual ciclo de mobilizações.
Uma crise de regime com um resultado incerto
Se espera que o novo Primeiro-Ministro, Sébastien Lecornu, falha em sua tentativa de negociar um novo orçamento com os Républicains, de direita, e o Parti Socialiste, de centro esquerda. Se Lecornu novamente for censurado pela Assembleia Nacional, como foram seus três predecessores macronistas, o presidente pode ser forçado a convocar outra rodada de eleições parlamentares antecipadas.
Pesquisas mostram uma situação semelhante à observada na última disputa no verão de 2024: o Rassemblement National, de extrema direita, de Marine Le Pen, venceria, a não ser que os partidos de esquerda estivessem unidos novamente, o que poderia permitir outra vitória a esse campo. O problema é que as relações entre o France Insoumise (a principal força de esquerda), por um lado, e os socialistas e os verdes, por outro, estão em seu ponto mais baixo. Enquanto o France Insoumise de Jean-Luc Mélenchon exige a renúncia de Macron como a única saída da crise, os socialistas e os verdes continuam empenhados em buscar acordos impossíveis no parlamento. Tais partidos estão presos em uma lógica institucional cujos limites se tornam evidentes no último ano: a maioria dos cidadãos e até mesmo dos deputados na Assembleia Nacional querem a mesma coisa, mas o governo macronista tem o poder institucional para fazer oposição.
É por isso que mais vozes estão falando de uma “crise de regime”: a Quinta República, altamente presidencialista, fundada por Charles de Gaulle, está esgotada. Macron levou ao extremo a lógica política dos recentes presidentes franceses Nicolas Sarkozy e François Hollande: ambos impuseram reformas neoliberais impopulares (cortes nas aposentadoria e nos gastos públicos, flexibilização do regime de trabalho) usando a dívida pública como desculpa, acompanhada de doações de impostos aos ricos e às grandes corporações. Ambos, como Macron, conseguiram levar adiante a maioria de suas reformas, apesar da oposição pública majoritária, indignados com a exploração das desigualdades nas décadas recentes. Apenas durante os governos de Macron, os quinhentos franceses mais ricos dobraram sua riqueza, que já tinha crescido durante a presidência de Hollande. Está crescendo o sentimento de que o sistema político é manipulado em favor das elites e impermeável à vontade popular, o que se traduziu em maior apoio ao Rassemblement National, o principal beneficiário dos votos de protesto.
No entanto, os protestos recentes conseguiram centrar o debate político na justiça tributária e não em temas de extrema direita. Em talk shows, a imigração e a insegurança não são mais os tópicos principais, substituídos pela discussão de propostas como as “taxas de Zucman”, um imposto de 2% sobre a riqueza dos ultrarricos que afetaria apenas 1.800 pessoas em toda a França e arrecadaria 5 bilhões de euros por ano. Esta é uma proposta muito moderada, mas com o poder de destacar o nível escandaloso que a desigualdade chegou, alimentada pelas políticas dos presidentes recentes. O Rassemblement National – que não votou a favor do imposto de Zucman no parlamento quando teve chance – está desconfortável com o contexto atual, em que sua insistência em culpar os imigrantes pelos problemas do país soa excêntrica.
As organizações políticas e sindicais da esquerda, juntamente com as assembleias populares nascidas do Bouquons tout!, enfrentam o desafio de mover a maioria silenciosa da sociedade francesa da resignação à rebelião ativa. Esta é a parte da França que rejeita Macron e suas políticas, mas não confia na utilidade de protestar – uma crença compreensível, dado o histórico frustrante dos movimentos de protesto das décadas recentes. Uma onda de mobilizações fortalecida pelas mais amplas camadas da população e os métodos de protesto disruptivos (greves de massa e prolongadas, bloqueios das rotas de transporte etc.) aumentaria significativamente a pressão sobre Macron. Sua renúncia é improvável, pois ele parece determinado a se manter no poder até as eleições presidenciais de 2027. A esperança é que a tradição revolucionária da França possa trazer surpresas.
As mobilizações pelo menos colocarão a esquerda em uma posição mais favorável para a disputa eleitoral de 2027. A vitória de um candidato à esquerda do Partido Socialismo – seja Mélenchon ou outro – provavelmente significaria o fim da Quinta República presidencialista e a convocação de uma assembleia constituinte. Tal perspectiva abriria repentinamente todas as possibilidades políticas que foram fechadas pelo governo unipessoal de Macron.
Mas para chegar lá, permanecem muitos estágios, que começam com a intensificação das mobilizações – e evitar uma vitória eleitoral do Rassemblement National. Tal risco, atualmente, dificilmente pode ser excluído.
Texto original em https://jacobin.com/2025/09/bloquons-tout-melenchon-macron-gilets-jaunes
Tradução por Paulo Duque, do Esquerda Online