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Quais são os limites entre a Enfermagem e a política?
Reação da categoria à nota da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) em defesa da democracia e da soberania nacional direciona as entidades de representação e chama enfermeiras e enfermeiros a se mobilizarem por valorização e representatividade
Publicado em: 26 de agosto de 2025
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Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
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Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Lígia Maria
Na última sexta-feira (15) a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) publicou em seu perfil no Instagram uma nota intitulada “Em defesa da soberania e em repúdio às interferências do governo dos Estados Unidos nas questões internas do Brasil”. Os comentários revelam a reação da categoria: poucos apoios, muitas manifestações de discordância, que vão desde a acusação de aparelhamento ideológico, passando por muitas confusões sobre as funções das entidades de classe, até às posições mais extremas, que pontuam apoio ao comunismo, por associação à defesa do Programa Mais Médicos.
Avaliar as opiniões dos profissionais que se manifestaram diante da publicação não é tarefa simples, requer que se percorra um caminho que começa na história da Enfermagem e leva à reflexão sobre como poderiam atuar as entidades de classe na conjuntura política.
O passo inicial pode ser guiado pelo texto publicado em 2020 pelo enfermeiro Jorge Henrique, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal (SindEnfermeiro DF), que se debruça sobre o sentido histórico da exploração da Enfermagem no Brasil. Delineando a consolidação profissional sobre princípios “de abnegação, obediência, disciplina e submissão, mediada, substancialmente, pela religiosidade, com uma linguagem sem sentido histórico e social”, que precedem a formação científica do ofício do cuidado, o texto permite acompanhar a origem da desvalorização profissional que vitima a Enfermagem, assim como as dificuldades de mobilização das profissionais e as lacunas que caracterizam o desenvolvimento político da categoria.
Neste sentido, observa-se um importante progresso na capacidade de mobilização da Enfermagem desde a pandemia de COVID19, com foco na valorização econômica, expressa na luta pelo piso salarial. Outras bandeiras também concentram o foco político na profissão, como a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras e a autonomia profissional – sobretudo no que tange à regulamentação de práticas avançadas.
Isto, contudo, esbarra nos limites do desenvolvimento daquilo que precisa se antecipar e fundamentar a mobilização: a consciência política. Ainda falta à enfermagem o exercício ativo de interligar aquelas que considera “suas pautas” com os temas gerais que constituem a determinação da saúde. Vê-se, por exemplo, a Enfermagem que reivindica o piso salarial, mas não compreende que as medidas de austeridade fiscal sobre o financiamento das políticas sociais, com maior impacto sobre a saúde, inviabilizam a sustentabilidade financeira da valorização econômica da categoria, ao passo que sucateiam o maior empregador da enfermagem brasileira: o Sistema Único de Saúde (SUS), impondo piores condições de trabalho.
Observa-se a Enfermagem que batalha pela segurança de suas práticas e proteção de sua autonomia, como na inserção do Dispositivo Intrauterino (DIU), mas não relaciona com o contexto geral dos direitos sexuais e reprodutivos, com a autonomia reprodutiva das mulheres e outras pessoas que gestam, com a proteção do futuro de crianças e adolescentes. Por outro lado, vê-se uma Enfermagem que em muitos momentos se posiciona contra a educação sexual nas escolas, o direito à interrupção gestacional prevista em lei e a proteção de mulheres em situação de violência – perpetuando suas características históricas baseadas no conservadorismo e na religiosidade, enquanto nega que a saúde reprodutiva é campo promissor de atuação profissional e que a mesma violência à qual estão submetidas meninas e mulheres também acomete a Enfermagem, que é majoritariamente formada por mulheres e sofre os reflexos da misoginia tanto na desvalorização do trabalho de cuidado quanto nos inúmeros casos de agressão física e sexual.
Assiste-se a Enfermagem que reivindica melhores condições de trabalho, menor volume de atendimentos e mais estrutura para acolher as comunidades onde está inserida, mas não avalia que as contrarreformas trabalhista e da previdência, a precarização do trabalho, o desemprego, a falta de acesso a insumos básicos de subsistência, à educação, ao transporte de qualidade, ao lazer adoecem a população, portanto aumentam a demanda dos serviços de saúde e, consecutivamente, o volume de trabalho da Enfermagem. Dessa mesma Enfermagem que enquanto cuida da população acometida pelas condições degradantes de vida e trabalho, também sofre suas consequências enquanto cidadãs e trabalhadoras.
A mesma Enfermagem que prevalece nos territórios mais remotos do País, como segmento profissional que assegura o acesso à saúde às populações mais vulnerabilizadas, responde a um importante posicionamento da primeira entidade representativa da história da categoria se colocando contrária a um Programa que é uma política de mitigação aos efeitos do desmonte da política de saúde e do modelo de formação que dificulta a fixação de médicas nos territórios interiorizados. Ora, a mesma Enfermagem que pode se beneficiar substancialmente da composição adequada de Equipes de Saúde da Família (eSF) por meio do aporte do Programa Mais Médicos nega os benefícios do intercâmbio de conhecimento, da expressão de autonomia e supremacia de países que sofrem a exploração das nações mais ricas, das relações internacionais e da melhora dos indicadores epidemiológicos e de qualidade da atenção à saúde.
Parece muito custoso à Enfermagem que se reivindica como profissão científica recorrer à autonomia de conhecimento e se atualizar sobre as políticas públicas. Aparentemente essa Enfermagem prefere uma defesa cega ao campo ideológico que perpetra contra a população – portanto, também contra a própria categoria profissional – toda sorte de destituição de direitos à atualização científica, à compreensão da determinação social da saúde, à consciência social.
Essa Enfermagem tem se esquecido de que o SUS – atacado pelo setor político que angariou tanto apoio de parte da categoria – é firmado no trabalho de cuidado por ela prestado; de que um dos mais caros princípios da saúde pública brasileira, a Equidade, foi cunhado pela mobilização de enfermeiras e enfermeiros e incluído nas disposições da VIII Conferência Nacional de Saúde, base do SUS, pela ABEn; de que cada elemento que determina a saúde e o adoecimento é alvo do cuidado de Enfermagem para a promoção da dignidade.
Ainda que a nota publicada pela ABEn expresse grande coragem da entidade para a defesa pública da democracia e da soberania nacional, todos esses lapsos da Enfermagem demonstram que a imposição vertical de uma linha política, sem antes dialogar sobre as relações entre aquilo que se defende e as necessidades e atribuições da profissão, cumpre um papel de ratificação entre quadros técnico-políticos já ganhos ao campo progressista ou de satisfação àqueles que ativamente constroem espaços orgânicos de ativismo e militância.
A resposta da categoria à nota da ABEn traz luz à necessidade das entidades representativas, com maior ênfase nas Associações e Sindicatos, retomarem as bases socio-históricas da Enfermagem brasileira, sem ilusões de que o último período promoveu um salto qualitativo aprofundado na consciência da categoria ou, ainda, de que o resultado da última eleição à Presidência da República fragilizou o neofascismo e sua capacidade de mobilização popular.
O diálogo diuturno para a construção dos consensos; a conscientização sobre as necessidades da sociedade e sua relação com aquelas reconhecidas como bandeiras de luta no trabalho de Enfermagem; a desmistificação dos posicionamentos misóginos, racistas, LGBTfóbicos que ganham audiência entre os colegas, com a profundidade necessária a partir da reflexão do papel das opressões na exploração dos trabalhadores e, portanto, da própria Enfermagem são alguns pontos cardeais constituintes do mapa que pode direcionar a atuação das entidades de classe e das enfermeiras e enfermeiros que se preocupam com o destino não só da categoria, mas da democracia brasileira.
Quanto à pergunta inicial, a resposta é: nenhum. Qualquer tentativa de colocar limites entre a Enfermagem e a política se trata ou de ignorância ou de desonestidade. Uma Enfermagem que não se implica politicamente para se posicionar ao lado da população a quem serve não pode exercer com qualidade o objeto da profissão: o cuidado.
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