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Trump: a ideologia triunfa sobre os interesses econômicos

Trump está revogando até mesmo leis economicamente sensatas estabelecidas pelo governo Biden, pois sua política segue outra lógica. Até mesmo a política tarifária de Trump tem um cunho mais ideológico do que baseado em fatos, se mostrando como tentativas de avançar nas pautas da extrema-direita.


Publicado em: 3 de agosto de 2025

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Dany Rodrik, do portal Sinpermiso

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Dentre as catástrofes que o presidente estadunidense Donald Trump provocou com a lei fiscal e orçamentária que ele mesmo caracterizou como a “One Big Beautiful Bill” [uma grande e bela lei], existe uma que se destaca especialmente para os estudiosos da economia política: a eliminação radical prevista na lei das subvenções às energias limpas, implementadas há três anos pelo presidente Joe Biden [1]. Muitos consideravam que esses incentivos eram intocáveis diante da mudança de presidente, já que criavam novos postos de trabalho e aumentavam as receitas das empresas em Estados “em vermelho”, tradicionalmente republicanos. Por mais que o Partido Republicano, controlado por Trump, demonstre resistência à política verde, se pensava que não se atreveria a eliminar esses benefícios. Mas isso é precisamente o que se fez.

Uma decisão contrária à lógica

Em que consistia o erro dessa opinião generalizada? Os pesquisadores que se dedicam aos estudos dos processos de tomada de decisões políticas costumam concentrar-se nos custos e benefícios econômicos. Argumentam que as leis têm a probabilidade de serem aprovadas quando proporcionam vantagens materiais a grupos bem organizados e conectados, enquanto impõem desvantagens generalizadas ao restante da sociedade. Sob essa perspectiva, muitos elementos da lei de Trump são explicados com clareza: em particular, previa-se uma redistribuição drástica da renda em favor dos ricos em detrimento dos mais pobres.

Pelo contrário, é improvável que as leis que implicam em perdas concentradas para interesses econômicos poderosos tenham grande êxito. Isso explica, por exemplo, porque o aumento do preço de CO², necessário para combater as mudanças climáticas, mas contrário aos interesses da indústria dos combustíveis fósseis, revela-se politicamente inviável nos Estados Unidos.

O programa de energia limpa de Biden, a chamada Lei de Redução da Inflação (IRA – Inflaction Reduction Act), tinha como objetivo superar esse obstáculo político. Ao invés da penalização (o imposto sobre o CO²), a promessa foi oferecida na forma de subsídios para a energia solar e eólica, assim como para outras fontes de energia renovável. Esses incentivos não somente tornaram possível a IRA, mas se acreditava que permitiria sua permanência. Até mesmo no caso dos Republicanos voltarem ao poder, os beneficiários desses subsídios se oporiam à sua revogação. Além disso, calculou-se que, com o tempo, à medida que os grupos de lobby ambiental se fortalecessem, até mesmo podia ser politicamente viável um ataque direto contra os combustíveis fósseis.

Entretanto, essas esperanças desapareceram. Os grupos com interesses ambientalistas buscaram suavizar as disposições da nova lei dirigidas contra a IRA e buscaram postergar até meados de 2026 a extinção dos créditos fiscais para a energia eólica e solar. No entanto, ainda que a IRA não tenha sido revogada por completo, a transição ecológica pretendida pelos Democratas encontra-se, agora, em ruínas.

Narrativas ideológicas ao invés de razões materiais

Aqueles que se comprometeram com a vertente materialista da economia política encontrarão formas de pensar sobre esse giro. As reduções fiscais regressivas destinadas aos mais ricos trouxeram a necessidade de obter rendas por outros meios. Sendo assim, talvez se tenha sacrificado um grupo de interesse menos influente em favor de outro mais poderoso ou talvez três anos não tenham sido suficientes para criar um lobby suficientemente forte em favor dos subsídios da IRA. Um partidário se expressou do seguinte modo: “Nunca saberemos, mas se tivéssemos mais quatro anos para consolidar esses investimentos na indústria manufatureira, teria sido muito mais difícil para os deputados revertê-los”.

No entanto, essas explicações parecem trazer pouca confiança. Devemos reconhecer que, por vezes, a ideologia prevalece sobre os interesses materiais. Não existem dúvidas de que muitos deputados republicanos votaram contra os interesses econômicos de seus eleitores. Alguns o fizeram por medo de represálias por parte de Trump, outros porque são verdadeiros céticos em relação às mudanças climáticas e, à semelhança de Trump, rejeitam tudo o que se assemelha ao ativismo ambiental. De todo modo, as ideias sobre o que é importante e sobre como o mundo funciona prevaleceram sobre os lobbies econômicos ou interesses particulares.

Disso se pode extrair uma lição mais geral sobre a economia política. As narrativas podem ser tão importantes para a imposição da agenda de um partido quanto às políticas dos grupos de interesses. A capacidade de moldar as visões de mundo e as ideologias tanto das elites como dos eleitores comuns é uma ferramenta poderosa. Os possuidores podem levar as pessoas a tomarem decisões que parecem contrárias aos seus interesses econômicos.

Vencer Trump com suas próprias armas

De fato, os interesses, sejam eles econômicos ou de outro tipo, são moldados pelas ideias. Para determinar se uma certa política nos beneficia ou não, devemos compreender como essa política afeta o mundo real e o que aconteceria sem ela. Poucos de nós temos a capacidade ou o desejo de investigar essa questão. As ideologias oferecem atalhos para processos de decisão tão complicados.

Algumas dessas ideologias se apresentam na forma de histórias e narrativas sobre como funciona o mundo. Um político de direita poderia dizer, por exemplo: “A intervenção do Estado sempre é prejudicial” ou “As universidades da elite produzem conhecimentos que servem apenas a seus próprios interesses e são pouco confiáveis”. Outros se concentram em dar mais destaque a diferentes tipos de identidades, sejam elas étnicas, religiosas ou políticas. Dependendo do contexto, a mensagem poderia ser: “Os imigrantes são seus inimigos” ou “Os Democratas são seus inimigos”.

Vale ressaltar que o termo “interesse próprio” se baseia, em si só,em uma ideia implícita sobre quem é esse “eu”: quem somos, o que nos diferencia dos demais e que objetivos perseguimos. Essas ideias não são inatas, nem determinadas pela natureza. Outra tradição da economia política considera que os interesses são uma construção social e não são determinadas pelas circunstâncias materiais. Por exemplo, dependendo de como nos identificamos – como “homem branco”, “classe trabalhadora” ou “evangélico” – veremos nossos interesses de maneira diferente. Como diriam os construtivistas: “Os interesses são uma ideia”.

Os opositores de Trump podem aprender uma lição disso. Para obter êxito, devem fazer mais do que desenvolver políticas bem pensadas que proporcionem benefícios materiais aos grupos-alvo. Seja para enfrentar as mudanças climáticas, promover a segurança nacional dos Estados Unidos ou criar bons postos de trabalho, é preciso vencer a batalha mais ampla das ideias, especialmente aquelas que moldam a percepção que os eleitores têm de quem são e de quais são seus interesses. É particularmente importante que os Democratas reconheçam que os discursos e as identidades que têm promovido até pouco tempo atrás deixaram muitos estadunidenses desamparados, assim como a política econômica anterior a Biden, que contribuiu para a ascensão de Trump.

[1] As “leis das subvenções às energias limpas” de Biden se referem ao conjunto de incentivos fiscais, créditos e investimentos públicos para promover energias renováveis e tecnologias limpas.

Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Harvard Kennedy School da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Traduzido de Trump: la ideología triunfa sobre los intereses económicos. Tradução de Paulo Duque, do Esquerda Online.

O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista

 


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