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Tarifaço e terras raras: o descarado imperialismo ecológico de Trump


Publicado em: 29 de julho de 2025

Meio Ambiente

Matheus Hein, de Porto Alegre (RS)

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Foto: Eduardo Munoz/Reuters; Ricardo Stuckert/Divulgação via Reuters

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Há muito tempo não víamos, no Brasil, uma ofensiva imperialista tão grave e escancarada quanto o tarifaço de 50% de Trump. Ao declarar seu interesse nas terras brasileiras na negociação sobre as taxas, Trump expressa de maneira cristalina o que é o imperialismo ecológico — algo que se tornará cada vez mais frequente em tempos de emergência climática e crise estrutural do metabolismo social do capital.

1. A luta pela hegemonia global e as tarifas como arma de guerra
O tarifaço não é uma loucura de um presidente autoritário. Ele faz parte de uma estratégia de dominação mais ampla, que insere o Brasil no centro de uma nova guerra geopolítica num contexto de instabilidade mundial. O mundo vive uma reconfiguração da hegemonia global. Os Estados Unidos veem sua liderança ameaçada pela ascensão da China, e tentam restabelecer sua primazia a qualquer custo — inclusive pela coerção econômica direta contra seus “aliados”.

Desde seu primeiro mandato, Trump usa tarifas como armas políticas. O movimento MAGA (Make America Great Again) cria uma nova versão do destino manifesto: recuperar o “direito sagrado” dos EUA de dominar o mundo. Sob o discurso de “defesa da indústria nacional”, aplica sanções econômicas como forma de impor submissão dos outros países. O tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros, anunciado para entrar em vigor em 1º de agosto, é uma dessas armas. Trata-se de um recado ao Brasil: ou se alinha incondicionalmente aos EUA — inclusive entregando seus recursos estratégicos — ou será punido.

O governo estadunidense visa renovar o seu projeto imperialista: recorre à expropriação direta, ao roubo legalizado, às chantagens tarifárias e às imposições diplomáticas para garantir acesso privilegiado aos recursos dos países da periferia capitalista. O Brasil, com suas vastas reservas minerais, se torna peça central nesse tabuleiro. As tarifas são o bastão que acompanha a cenoura: abram suas jazidas de terras raras aos nossos interesses ou sofrerão as consequências.

2. O imperialismo ecológico como necessidade para o projeto de Trump
A emergência climática reconfigura todas as dimensões do metabolismo social. Enquanto a classe trabalhadora, especialmente no Sul Global, sofre as consequências devastadoras decorrentes da crise, as potências globais se lançam numa corrida para assegurar o domínio sobre os recursos que serão cruciais para o futuro — e nisso as terras raras assumem um papel estratégico. Os 17 elementos químicos encontrados nessas localidades são fundamentais para áreas como tecnologia, complexo militar e energias renováveis. Por tais razões, a busca por terras raras criam um mercado de bilhões de dólares com projeções que apontam um crescimento contínuo e rápido no futuro próximo. A China controla a maior parte da mineração, processamento e refino das terras raras, uma grande desvantagem para os EUA na disputa direta com a China pela hegemonia global.

Por óbvio, os EUA não podem entrar em um conflito direto com a China pelas terras, então precisa utilizar todo seu poderio econômico para pressionar e chantagear nações que considera seus inferiores. Foi o que ocorreu com a Ucrânia, já que Trump utilizou o contexto da guerra do país com a Rússia para colocar as terras raras ucranianas como moeda de troca para apoio dos EUA no conflito. A Ucrânia possui por volta de 5% de todas as terras raras do mundo, já o Brasil possui aproximadamente 23%. Entrar na mira do governo americano era questão de tempo e é aqui que entra o conceito de imperialismo ecológico: a dominação sistemática das potências centrais sobre os recursos naturais do Sul Global, especialmente os minerais estratégicos das “tecnologias do futuro”. Para manter seus padrões de consumo e acumulação, os países imperialistas precisam garantir acesso irrestrito a terras raras, lítio, cobalto e outros elementos essenciais às tecnologias de ponta.

O imperialismo ecológico não é exclusividade de governos reacionários, mas assume um padrão ainda mais devastador e violento em governos como Trump. Como não possuem tais recursos em abundância, voltam seus olhos — e suas garras — aos países da periferia capitalista, em especial o Brasil.

As terras raras brasileiras estão entre as mais valiosas do mundo. Presentes em estados como Minas Gerais, Goiás e Amazonas, são insumo essencial para veículos elétricos, turbinas eólicas, armas guiadas e painéis solares. Assim, a ação do governo americano cumpre uma função tripla: 1) Viabilizar uma maior extração e processamento de materiais raros ao submeter o país com a segunda maior reserva de terras raras; 2) Atacar um dos fundadores e principais articuladores do BRICS; 3) Minar a influência chinesa no Sul Global e na disputa dos recursos vitais às tecnologias. Por isso, Trump condiciona a retirada das tarifas à abertura da mineração brasileira ao capital estadunidense, sem qualquer compromisso com soberania tecnológica, transferência de conhecimento ou agregação de valor no território nacional. De tal modo, trata-se de uma operação clássica de imperialismo ecológico: chantagem econômica, assédio para acessar recursos valiosos no mercado global e nenhuma contrapartida para o país atacado.

3. Um Trump precisa de Bolsonaros
Nenhuma forma de imperialismo se sustenta apenas pela força externa. Para que funcione, ele precisa de aliados internos, de uma classe dominante local disposta a agir como sócia menor da pilhagem e um reforço ideológico do seu domínio. No Brasil, o bolsonarismo cumpriu esse papel com perfeição. Durante o governo Bolsonaro, vimos uma política sistemática de desmonte das regulações ambientais, ataque aos povos indígenas, entrega de ativos nacionais e alinhamento automático a Trump. O acesso irrestrito dos EUA à base de Alcântara, a submissão na OCDE, a ausência de qualquer política industrial e o desmonte do Ibama foram componentes de um mesmo projeto que visa posicionar o Brasil como um fornecedor subordinado ao centro imperialista.

O bolsonarismo é, no fundo, a expressão política de uma fração substancial da burguesia brasileira que aceita plenamente a posição de apêndice do capital global. Quer extrair, exportar e lucrar — mesmo que isso signifique destruir o país e entregar sua soberania. Somado a isto, o bolsonarismo representa uma ideologia ultra-conservadora e fascista, uma visão perfeitamente alinhada com o trumpismo e que posiciona o Brasil como um país subordinado e à serviço do centro imperialista — nesse caso, destacadamente os EUA. O governo americano já manifestou reiteradamente sua intenção de fazer da América Latina seu “quintal” novamente, ecoando as relações do século XX em que os EUA intervieram diretamente nos países latino-americanos e derrubaram governos ao seu bel prazer.

Não por acaso, o tarifaço contra o Brasil foi o primeiro a levantar justificativas claramente políticas. Ao colocar o julgamento de Bolsonaro como o motivo central para a medida, Trump desvela sua aliança com o bolsonarismo e seu comprometimento em intervir descaradamente na vida política dos países que quer sujeitar. As medidas contra o STF reforçam a lógica imperialista e golpista do governo americano. Se não com tanques e golpes clássicos, até o momento, então com tarifas e sanções. Desestabilizar o governo Lula, visando o retorno de Bolsonaro ou de seus aliados ao poder, é uma tarefa que o governo americano vê como central no seu projeto de dominação da América Latina.

4. O anti-imperialismo segue central para os países do Sul Global
A resposta do governo Lula tem sido firme, afirmando que ninguém pode “meter a mão” nos recursos brasileiros. Entretanto, a resposta definitiva virá na forma concreta que se dará o revide do governo. A mídia tradicional e a burguesia brasileira respondem em uníssono que a saída é a negociação “puramente econômica”, sem se deixar “contaminar” pela política. O que esses setores querem é uma saída mediada em que o Brasil ceda o bastante para não atrapalhar os lucros da burguesia, independentemente das consequências à soberania nacional. Entretanto, as experiências recentes apontam exatamente o contrário: o caminho não é baixar a cabeça, mas afirmar com firmeza a soberania nacional.

México e Colômbia assumiram uma postura combativa ao enfrentar os ataques e chantagens de Trump. Ao mesmo tempo, enfrentaram os opositores internos que são capachos do imperialismo estadunidense. Como resultado, a popularidade de Sheinbaum e Petro subiu e a relação dos governos com sua base social e popular foi fortalecida. Por aqui o tema do tarifaço de Trump — combinado com as disputas com o Congresso, o posicionamento a favor do fim da 6×1 e da taxação dos super-ricos — deu um respiro ao governo Lula que vinha numa curva perigosa de desaprovação. Há uma abertura de oportunidade rara: a opinião da maioria da população está alinhada com a esquerda nos principais temas da conjuntura. O governo fez uma relocalização acertada, adotou os temas centrais como suas bandeiras e partiu para a ofensiva na comunicação. Isto não significa que o jogo virou e se alterou a correlação de forças atual no Brasil. Entretanto, num período de constante defensiva, ganhamos algum espaço para aliviar a pressão e avançar alguns passos.

A iniciativa das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular de lançar um Plebiscito Popular pautando o fim da escala 6×1 e a taxação dos super-ricos coincidiu com o estourar dessa agressão imperialista dos EUA. Com isto, torna-se uma importante ferramenta para a esquerda incidir nos principais temas da conjuntura e tirar um importante saldo em acúmulo de forças. Por um lado, a defesa da soberania nacional é defendida pela esquerda e potencializada pela postura de Lula — enquanto a extrema-direita revela seu viralatismo com patacoadas como a bandeira de Trump no Congresso. Por outro lado, o fim da 6×1 e a taxação dos super-ricos são bandeiras encampadas pela esquerda e tradicionalmente ligadas a ela. Cavalo encilhado não passa duas vezes, devemos aproveitar as oportunidades antes que se alterem as dinâmicas e a janela se feche.

Por fim, reafirma-se a centralidade das relações Sul-Sul. Não podemos esquecer que o ataque de Trump relaciona-se diretamente com as elaborações dos BRICS para romper com o domínio dos EUA nas relações econômicas internacionais. O fortalecimento das relações dos países do Sul Global é estratégico para o enfrentamento ao imperialismo americano. Frente ao imperialismo ecológico, é preciso apresentar alternativas. O Brasil deve investir na nacionalização da extração mineral estratégica, no controle estatal do refino e da tecnologia verde, em parcerias soberanas Sul-Sul, e em uma transição ecológica popular, que não repita os padrões de destruição colonial.Sem esta visão estratégica das relações internacionais, não é possível construir um projeto de país popular e soberano.

Matheus Hein é Pesquisador da emergência climática e Teoria do Estado e militante da Resistência-PSOL no RS


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