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A esquerda palestina é parte essencial de sua história nacional
Desde a diáspora até os territórios ocupados e a minoria palestina em Israel, as forças de esquerda têm desempenhado um papel crucial nas lutas populares organizadas pelos direitos democráticos na Palestina
Publicado em: 14 de julho de 2025
Militantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina
A trajetória da esquerda palestina em suas diversas manifestações constitui parte crucial da história palestina mais ampla. No último quarto de século, a rivalidade entre o Fatah e o Hamas tem dominado o cenário político na Palestina sob a sombra da ocupação israelense. Porém, até a Primeira Intifada, no final da década de 1980, o principal desafio à liderança do Fatah no movimento palestino nacional provinha da esquerda – e não de grupos como o Hamas ou a Jihad Islâmica.
Além de sua influência o sobre o movimento nacional palestino, as organizações de esquerda influenciaram o desenvolvimento da vida cultural palestina. Alguns dos maiores escritores palestinos, tais como Emile Habibi, Ghassan Kanafani e Mahmoud Darwish, são oriundos desse meio político.
Duas tradições
Devemos falar sobre as histórias e não da história da esquerda palestina, porque não existe um movimento ou partido único que tenha conseguido canalizar todas essas energias. Tal fragmentação reflete a divisão mais ampla do povo palestino em espaços políticos e geográficos distintos: a minoria palestina dentro do próprio Israel; a população dos territórios ocupados, por sua vez dividida entre Gaza e Cisjordânia; e a diáspora em países como a Jordânia, a Síria e o Líbano.
O movimento comunista palestino se formou na década de 1920 sob o domínio colonial britânico. O Partido Comunista da Palestina tinha uma militância mista de judeus e árabes, apesar de ter se dividido sob a pressão das divergências comunais durante a década de 1940 em dois grupos separados.
Após a Nakba Palestina e a fundação do Estado de Israel em 1948, os comunistas no interior do que agora era Israel se reorganizaram como o Partido Comunista de Israel, conhecido como Maki, segundo sua sigla em hebraico. Os comunistas conquistaram expressiva adesão entre a minoria palestina em Israel, sendo o único partido a se opor ao regime de lei marcial a que foram submetidos até a década de 1960.
O grupo parlamentar do Maki incluía o romancista Emile Habibi, que inicialmente aderiu ao Partido Comunista durante o mandato britânico. Habibi foi uma das diversas figuras literárias importantes que pertenceu ao movimento, incluindo o homem amplamente reconhecido como o poeta nacional palestino, Mahmoud Darwish.
Com a guerra de 1967 e a ocupação de Gaza e da Cisjordânia por Israel, uma nova configuração da política de esquerda palestina emergiu, com sua base mais forte na diáspora. Desenvolve-se uma corrente declaradamente socialista dentro do movimento guerrilheiro palestino, que ganhou destaque a partir do final da década de 1960.
Essa corrente se desenvolveu a partir do Movimento Nacionalista Árabe (MAN – Movement of Arab Nationalists), um grupo formado em Beirute (Líbano) durante a década de 1950, cujos membros influenciaram a história de diversos países árabes, do Kuwait ao Iêmen. Embora o MAN inicialmente tenha se oposto firmemente ao comunismo e ao marxismo, seu líder palestino, Georde Habash, e seus aliados formaram um grupo declaradamente marxista-leninista em 1967, chamado de Frente Popular pela Libertação da Palestina (PFLP – Popular Front for the Liberation of Palestine).
Enquanto o Fatah, o partido de Yasser Arafat, tinha uma política de não interferência nos assuntos dos Estados árabes, a PFLP argumentou que a luta nacional palestina deveria ser parte de uma revolução árabe mais ampla. Seu líder falou em transformar a capital jordaniana Amã em uma “Hanói árabe” ao destituir seu governante, o rei Hussein.
Ao mesmo tempo, a Jordânia foi a principal base para as guerrilhas da Organização para a Libertação da Palestina (PLO – Palestine Liberation Organization), que conduziu ataques em Israel. O rei e seus conselheiros estavam naturalmente determinados a evitar a derrubada do governo monárquico de Hashemite e ordenaram a repressão violenta em 1970, que se tornou conhecida como o Setembro Negro.
Da Jordânia ao Líbano
Ghassan Kanafani e Leila Khaled foram duas das figuras mais proeminentes associadas ao PFLP. Como Habibi, Kanafani foi uma figura literária importante e seu romance de 1963, Homens ao sol [Editora Tabla, 2023], foi outro marco histórico na cultura palestina do século XX. Kanafani também escreveu ensaios políticos e editou o jornal Al-Hadaf da PFLP antes de seu assassinato por um carro-bomba de Israel em 1972.
Khaled se tornou mundialmente famosa por um período no final da década de 1960, após participar de duas tomadas de controle de aviões por membros da PFLP. A PFLP defendeu o uso de sequestros de avião como um modo de publicizar a causa palestina, mas enfrentou forte crítica de outros grupos palestinos, especialmente do Fatah. A segunda operação de controle de aeronave da qual Khaled participou contribuiu de maneira decisiva para o desencadeamento da crise do Setembro Negro de 1970, após o qual os guerrilheiros palestinos transferiram a maior parte de suas forças para o Líbano.
Durante a década de 1970, as disputas ideológicas e os desacordos sobre a liderança de Habash na PFLP resultaram em uma cisão e na formação de um novo grupo que se autodenominou de Frente Democrática para a Libertação da Palestina (DFLP – Democratic Front for the Liberation of Palestine), dirigida por outro egresso da MAN [Universidade Americana de Beirute], Nayef Hawatmeh. A DFLP passou a formar uma aliança com o Fatah no interior do PLO acerca da ideia de estabelecer um Estado palestino nos territórios ocupados desde 1967 – um passo em direção ao que ficou conhecido como o modelo de dois Estados para a resolução do conflito.
Enquanto isso, a presença das guerrilhas palestinas no Líbano foi um dos principais fatores que contribuíram para uma crise política importante, já que os líderes maronitas de direita que dominavam o país desde a independência enfrentaram um desafio da esquerda. Os grupos palestinos se alinharam com o Movimento Nacional Libanês liderado por Kamal Jumblatt, que buscou a refundação do sistema político libanês. Quando a crise eclodiu na Guerra Civil de 1975, os relatos da mídia ocidental frequentemente a apresentaram como um conflito sectário entre cristãos e muçulmanos, mas questões de classe e ideologia política também desempenharam um papel importante.
Sobre o movimento comunista dentro de Israel na década de 1970, pode-se abordar que, em 1975, o político comunista Tawfiq Zayyad foi eleito como prefeito de Nazaré, que tinha ampla população palestina. No ano seguinte, Zayyad e seus camaradas lideraram os protestos do Dia da Terra, que revelou ser um momento decisivo para os cidadãos palestinos de Israel. A experiência do Dia da Terra estimulou os comunistas a estabelecerem uma aliança ampla de esquerda que ainda hoje tem uma base de apoio no Knesset [parlamento israelense]: a Frente Democrática pela Paz e Igualdade, ou Hadash, como é conhecida em hebraico.
Intifada
Em 1982, Israel iniciou uma invasão em larga escala ao Líbano para expulsar a PLO de seu reduto em Beirute. Isso provocou uma reorientação do centro da vida política palestina para os territórios ocupados, o que levou à Primeira Intifada [1987-1993]. A Intifada assumiu a forma de uma insurreição popular em massa, com greves, manifestações e outras formas de protesto. Ela colocou a ocupação israelense de Gaza e da Cisjordânia sob forte pressão.
A Intifada se apoiou em anos de trabalho organizativo nos territórios ocupados. Os comunistas na Cisjordânia foram os pioneiros desse ativismo na década de 1970, Em 1982, eles se separaram do movimento comunista jordaniano para formar um novo Partido Comunista Palestino (PCP – Palestinian Communist Party), que se integrou à PLO cinco anos mais tarde. O PCP, a PFLP e a DFLP estavam todos representados ao lado do Fatah na Liderança Nacional Unificada da Revolta, aliança que deu direção política à Intifada.
De muitas maneiras, a Primeira Intifada foi o ápice da influência de esquerda na política palestina, com as duas tradições distintas do comunismo e do nacionalismo de esquerda agora trabalhando juntas na mesma estrutura organizativa. Porém, esse período também foi marcada pela emergência de um novo desafio aos grupos de esquerda e ao Fatah: a ascensão do Hamas, o partido islâmico formado por Ahmed Yassin e seus seguidores em 1987.
A liderança exilada da PLO em torno de Arafat empregou a Intifada como plataforma de lançamento para uma nova estratégia diplomática fundamentada no reconhecimento de Israel em 1988 e na defesa de um acordo pelo estabelecimento de dois Estados. No entanto, o fruto concreto desses esforços foi o Acordo de Oslo de 1993, que deixou as questões básicas sobre a soberania palestina e o futuro dos assentamentos nos territórios ocupados para serem tratadas em uma etapa posterior. Arafat ignorou as críticas de figuras como Haidar Abdel-Shafi e Edward Said, que argumentaram que Oslo era um mau negócio para seu povo.
Apesar da PFLP e da DFLP terem se oposto aos Acordos de Oslo, enfrentaram dificuldades para se apresentar como uma alternativa viável ao Fatah durante a década de 1990. Muitos de seus ativistas foram atraídos para atuar em ONGs apoiadas pelo ocidente, realizando trabalhos importantes sobre as bases, mas tiveram que cumprir com a agenda de seus fundadores. Com o Islã político em ascensão em todo o Oriente Médio, enquanto os partidos de esquerda estavam em declínio, o Hamas parecia cada vez mais o rival mais eficaz do Fatah.
Após o fracasso das negociações no Camp David em 2000, estoura a Segunda Intifada [2000-2005] e os grupos de esquerda experienciaram uma maior marginalização conforme a competição entre o Fatah e o Hamas se tornava a dinâmica central da política palestina. Nas eleições para o Conselho Legislativo Palestino em 2006, as forças de esquerda conquistaram aproximadamente 10% dos votos na lista proporcional. Mas sua votação foi dividida em três partes e seu desempenho foi completamente ofuscado pela vitória do Hamas. Nos dois anos seguintes, a polarização entre Hamas e Fatah resultou em confrontos violentos, fomentados pelos Estados Unidos, culminando na tomada de Gaza pelo Hamas.
Outro aspecto relevante é o desenvolvimento do ativismo de solidariedade à Palestina no Egito sob a ditadura de Hosni Mubarak, após 2000, e o modo como os organizadores egípcios se valeram da experiência adquirida nesses protestos para impulsionar a renúncia de Mubarak em 2011. Após sua queda, manifestações em apoio aos palestinos tornaram-se frequentes, chegando a sugerir uma possível mudança da política estatal egípcia em relação a Israel. O golpe de Abdel Fattah el-Sisi em 2013 encerrou essa janela de possibilidades, instaurando uma repressão ainda mais severa a todas as formas de protesto do que a observada sob Mubarak.
Solidariedade e sobrevivência
Embora o declínio da influência de esquerda na política palestina desde a década de 1990 certamente tenha suas próprias características particulares, ele se encaixa em um padrão mais amplo no Oriente Médio e no mundo todo, em evidência em todos os lugares, da Itália à Índia. Nesse contexto, não surpreende que os ativistas e as organizações de esquerda na Palestina tenham lutado para se manter em condições políticas extremamente desafiadoras, mesmo antes do ataque genocida que Israel lançou contra Gaza desde outubro de 2023.
Entretanto, ainda podemos encontrar herdeiros dessa tradição política assumindo uma posição decisiva contra os horrores que estão sendo infligidos sobre o povo de Gaza hoje, desde o líder do Hadash, Ayman Odeh, até Mustafa Barghouti, líder da Iniciativa Nacional Palestina, que começou sua carreira no Partido Comunista.
A solidariedade com o povo da Palestina contra a ameaça da genocídio se tornou uma questão decisiva para a esquerda internacional e que essa solidariedade se aplica a todos os palestinos, quaisquer que sejam suas visões políticas. Porém, existem boas razões para ter um interesse especial nas histórias da esquerda palestina.
Originalmente publicado em https://jacobin.com/2025/06/palestine-left-history-jacobin-podcast.
Tradução de Paulo Duque, da equipe do Esquerda Online.
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