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Carta nº 3 sobre a conjuntura: não é hora de um balanço sobre a frente ampla?


Publicado em: 8 de julho de 2025

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Coluna Fábio José de Queiroz

Fábio José de Queiroz

Cearense, marxista, graduado em história, mestre e doutor em sociologia, professor associado da URCA (Universidade Regional do Cariri). Há mais de 40 anos milita sob a bandeira do trotskismo. É militante da Resistência, corrente interna do Psol. É autor, entre outros livros, de "1964: O dezoito de brumário da burguesia brasileira" (2015)

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Fábio José de Queiroz

Cearense, marxista, graduado em história, mestre e doutor em sociologia, professor associado da URCA (Universidade Regional do Cariri). Há mais de 40 anos milita sob a bandeira do trotskismo. É militante da Resistência, corrente interna do Psol. É autor, entre outros livros, de "1964: O dezoito de brumário da burguesia brasileira" (2015)

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Foto: Ricardo Stuckert

Ouça agora a Notícia:

Foi ainda durante a pandemia que a expressão frente ampla adentrou o vocabulário de uma parte expressiva da população brasileira. Outro ponto importante a ser notado é que a militância marxista, desde o princípio, se opôs a qualquer proposta direcionada a constituir algo com essa noção política como alternativa popular ao bolsonarismo.
Tampouco se pode esquecer que, ao fim e ao cabo, malgrado toda oposição da esquerda socialista, foi a tática da frente ampla que animou a formação de uma chapa que, tendo Lula da Silva como cabeça, derrotou o candidato neofascista, dando origem ao terceiro mandato do líder petista.

Traçadas essas linhas gerais, há que se problematizar, pelo menos, incialmente, duas questões: i) o que é a frente ampla e qual o seu significado? ii) no caso da experiência concreta, iniciada em primeiro de janeiro de 2023, pode-se falar de êxito ou de fracasso? Enfim, o que pode ser dito da experiência de dois anos e meio de frente ampla?

A partir dessas perguntas inicia-se o debate que desenvolvo ao longo desta terceira carta sobre a conjuntura; essas são as questões e os fatos.

O que é frente ampla?

Arriscando-me a ser demasiadamente simples, diria que a frente ampla é um episódio piorado da frente popular, entendendo essa como a unidade política entre as principais organizações e lideranças da classe trabalhadora com sombra da burguesia. No Brasil, nunca me pareceu que a frente popular – expressão cunhada pelo stalinismo, quando girou do terceiro período “esquerdista” para defender a colaboração de classe com partidos burgueses – tenha se dado com a sombra da burguesia.

Para ser breve, diria que Lula iniciou o seu terceiro mandato muito mais comprometido e muito mais amarrado com a democracia formal da época da decadência capitalista imperialista e de seu receituário econômico, permeado de palavras trágicas para a classe trabalhadora, a exemplo de corte de gastos, do rigor fiscal e da austeridade.

Tal como se apresenta o problema, a frente ampla, diferentemente do que se observou com a frente popular no Chile, no começo da década de 1970, e mesmo de Lula 1 e 2, e esse talvez seja o detalhe significativo, implica maiores dificuldades no sentido de que o governo possa desenvolver algumas reformas de conteúdo progressista. Disso decorre a compreensão de que a frente ampla é uma modalidade piorada de frente popular.

A frente ampla fracassou?

Aqui me parece que estou diante de uma coisa a que posso enquadrar na tal crônica de uma morte anunciada. Como a frente ampla poderia ter êxito, uma vez que faço referência a um fenômeno político no qual 100 pares de braços empurram a carroça em uma direção e 300 pares de braços empurram o coche em um sentido oposto?

Há quem recorde que a frente ampla teria sido um instrumento importante para i) eleger o Lula; ii) enfrentar o golpe bolsonarista; e iii) aprovar as medidas iniciais do governo. Responder a isso, contudo, só é possível no plano das suposições. E, nesse sentido, posso especular que Lula poderia ter efetuado acordos práticos no segundo turno sem se comprometer com o ideário embutido na frente ampla, e, por outro lado, mobilizar as massas populares para defender o governo e o programa eleito nas urnas sem, evidentemente, renunciar a acordos políticos pontuais e a unidade de ação contra os golpistas.

Posso concluir, desse modo, que era possível outro caminho, ainda que apenas me restrinja ao terreno das conjecturas.

É possível também supor que, caminhando nos passos determinados pela frente ampla, em algum momento, Lula, para conseguir governar plenamente, pudesse desenvolver uma tática cujo centro se traduzisse em uma ruptura que, lentamente, se instalasse. O que se viu, contudo, não foi assim. Inversamente, o governo foi se enredando mais e mais nas armadilhas da frente ampla, partindo para uma política de concessões que entrava em uma trajetória de choque com o programa com o qual foi eleito. O arcabouço fiscal foi o golpe de misericórdia. E tudo isso apoiado em uma base parlamentar instável e com elementos profundamente reacionários, com reflexos catastróficos nos ministérios.

Trata-se de um exemplo instrutivo no sentido de que uma força política A + uma força política B + uma força política C não significa a constituição de uma fortaleza governamental. Na razão oposta, pode ser a sua fraqueza.

Não surpreende, portanto, que o fato dominante nesses últimos dias foi a admissão que o governo de frente ampla não governa, salvo naquilo que interessa a Faria Lima, que, por seu turno, tem o parlamento em suas mãos. De resto, Lula está encurralado, e o programa ungido pelas urnas pode ser deixado para as calendas gregas. Se isso pode ser chamado de êxito de uma tática, o que seria a sua frustração e ruína?

Uma luz no fim do túnel?

A história política tem seus meandros, seus segredos e o seu próprio tempo. O fato é que muita gente, finalmente, descobriu por si mesma que o país, e não apenas o governo Lula, está temporariamente à mercê dos humores de um congresso antipopular e cinicamente sintonizado com os interesses dos bilionários. Esse congresso, mais do que nunca, segue testando a força dos trabalhadores e do governo.

A partir disso a luta de classes escalou. Só quem toma a realidade como um esquema acha que a luta de classes sempre comparece. Não! Às vezes, ela se dissimula e ninguém a enxerga. Outras vezes, sai das sombras e mostra o seu rosto à distinta plateia. Não por acaso, a Globo sentiu o golpe e reservou quase 7 minutos do Jornal Nacional para acalmar a dona luta de classes.

Saberá o governo aproveitar essa oportunidade ou seguirá refém da moderação traiçoeira da frente ampla? O fato é: ou o governo derrota o restricionismo imposto pela pauta neoliberal ou, desde já, deve ser tomado como um condomínio governamental moribundo.

A felicidade passou duas vezes na janela de Luís Inácio Lula da Silva, primeiro, quando lhe deu o terceiro mandato; segundo, há pouco, dando-lhe a oportunidade, de apoiado na mobilização popular, lançar ao mar as algemas da frente ampla, para, afinal, lutar pelo fim da escala 6×1, pela taxação dos milionários e por outras bandeiras da classe trabalhadora.

Remate provisório

Esta é uma discussão que apenas começa. De qualquer maneira, parece-me nítido que não se deve naturalizar a frente ampla e, pior, tê-la como se não restasse às organizações da classe trabalhadora outro destino a não ser a fatalidade desse encontro miserável.

Uso aqui um vocabulário sem grande carga emocional porque o que almejo é a discussão política e não me apresentar, de antemão, como o ilusório vencedor de uma contenda.

O fato é que o balanço da frente ampla é o check-up de uma estratégia política que renuncia a luta em lugar de encorajá-la. Por isso, indago: que luz esses mais recentes episódios lançam sobre os apoiadores da política da frente ampla?

Posso apenas concluir que uma ruptura se instala lentamente, até porque o contraste entre os partidos, as suas personagens e as bases sociais que constituem a frente ampla, em algum momento, haveria de se manifestar com nitidez cristalina. A questão é: saberão os defensores da tática da frente ampla realizar o necessário balanço? Irão até o fim no embate que recém começa? Conseguirão, por fim, mudar o rumo do governo?

O ponto final a notar é: quem caminha sem nitidez não pode reclamar sob a hipótese de machucar o dedão na próxima pedra. Posto isso, a naturalização da experiência da frente ampla é o começo do fim.


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