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47 anos de MNU: ​identidade histórica e perspectiva de futuro para a luta negra no Brasil

Reflexões sobre as contribuições teóricas, programáticas e políticas do movimento e a atualidade do debate sobre esta ferramenta organizativa de tradição radical negra


Publicado em: 7 de julho de 2025

Negras e Negros

Malu Nogueira e Simone Nascimento

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Malu Nogueira e Simone Nascimento

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7 de julho de 1978, nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo, nascia um marco da luta antirracista no Brasil: o Movimento Negro Unificado. No contexto de luta pela redemocratização, a ousadia daquele gesto desafiava o regime vigente não somente pela desobediência da proibição de manifestações políticas, mas também porque o seu conteúdo — de denúncia do racismo, da discriminação racial, da violência policial e da “dupla exploração” das mulheres negras — materializava um embate ideológico com a noção de democracia racial propagada pelo militarismo. 

Se hoje nomeamos categoricamente como mito ideias racistas como “escravização branda”, “miscigenação a partir de relações amorosas”, “equilíbrio de antagonismos”, muito se deve às formulações que atravessaram a conformação desse movimento. Ao reunir ativistas com atuações diversas nos movimentos sociais, do sindicalismo aos movimentos culturais, e intelectuais como Lélia Gonzalez, Eduardo de Oliveira e Oliveira, Neusa Santos, entre outros, o MNU deu contribuições para formulações teóricas, programáticas e políticas que são base para as lutas antirracistas dos períodos subsequentes, como as do nosso tempo presente.

São exemplos disso ao menos dois grandes debates hoje em voga na agenda do movimento negro: reparação histórica, um dos eixos principais da segunda edição da Marcha Nacional das Mulheres Negras; e a afirmação de uma identidade racial negra no Brasil. Sobre o primeiro aspecto, cabe retomar que uma das principais consequências políticas da denúncia do racismo foi a busca pelas raízes históricas da perpetuação das desigualdades raciais e a responsabilização do Estado brasileiro pela dívida histórica com os afrobrasileiros desde o período da escravização. E o segundo, como parte da luta contra o mito da democracia racial, de afirmação de uma identidade aos negros e negras a partir da experiência comum de discriminação e marginalização a partir das desigualdades sociais. 

Atualidade de um desafio histórico: unidade na auto-organização negra

Ancorada no trabalho de base de uma espécie de pulverização organizativa — que se traduz concretamente em iniciativas comunitárias, culturais como hip-hop, maracatu, capoeira, escolas de samba, movimentos como o de mulheres negras, quilombola e em diversas organizações dos movimentos sociais de maioria negra — foi que a popularização de uma consciência antirracista ao longo das últimas décadas se fez possível, com uma ampla vantagem de audiência políica​ para a esquerda, por um lado.

Mas, por outro, reside nesta mesma característica um​ desafio que segue atual, de construção de uma perspectiva estratégica comum, a partir da compreensão de que tanto a derrota completa do mito da democracia racial quanto a eliminação do racismo são tarefas que pressupõem o enfrentamento ao neoliberalismo e ao próprio sistema capitalista. 

Diante da novidade que é a conformação de uma maioria social negra e do próprio discurso de enfrentamento ao racismo, os aparelhos privados de hegemonia burguesa, disputam hoje ainda mais intensamente as suas perspectivas estratégicas, neoliberais, para a questão racial brasileira.  

É a partir deste cenário​, portanto, de encruzilhada entre a massificação das ideias por igualdade racial​, pulverização organizativa e disputa estratégica, que refletimos sobre uma característica comum ao período de fundação do MNU e ao tempo presente: o desafio da unidade, ou de maior intensidade na articulação, das múltiplas formas organizativas que assumem as iniciativas políticas​ dos negros e negras do Brasil.

>>Leia também: Antirracismo e luta de classes: uma perspectiva marxista

Nos últimos anos, já diante da ofensiva racista da extrema direita, novas experiências de aglutinação dos movimentos negros emergiram e cumpriram papéis relevantes, em especial no governo Bolsonaro, com denúncias da violência racial e iniciativas de solidariedade durante a pandemia. Um dos mais significativos exemplos disso foi a conformação da Coalizão Negra por Direitos — da qual o próprio MNU  e outras entidades negras nacionais fazem parte. Mas o desafio de aprofundamento de uma experiência de maior coesão e capilaridade nos parece ainda atual.  

O desafio político do contexto em que lançamos essa discussão ao conjunto dos movimentos negros merece destaque. Uma situação política reacionária, com a escalada mundial do neofascismo — que expressa seu caráter abertamente supremacista e violento contra a população negra. Ainda que a consciência antirracista expresse sua resiliência, este cenário defensivo e de refluxo do conjunto dos movimentos sociais impõem uma dificuldade concreta na organização do movimento negro de forma geral, que queremos superar de forma coletiva, em unidade tanto com as demais iniciativas do movimento negro, como com as frentes por onde se articulam os principais movimentos sociais e partidos políticos da esquerda no Brasil. 

Movimento Negro Unificado: um instrumento de luta atual e em construção

O MNU é ​uma entidade histórica do movimento negro brasileiro, que cumpriu papel fundamental na redemocratização do país, mas também na construção de uma nova consciência racial na população brasileira e de diversas políticas públicas. Ainda que não haja uma direção inconteste dos movimentos negros atuantes, é um instrumento que traduz e representa certo acúmulo histórico de lutas do movimento negro brasileiro e por isso tudo, já seria justa a homenagem diante dos seus 47 anos de existência.  

Mas além disso, refletimos que, acompanhando a ampliação do debate racial no Brasil dos últimos anos, o MNU soube se relocalizar e possui ainda hoje peso e significado político, renovando seu quadro de ativistas. Trata-se de organização viva, com congressos regulares e atuação nacional. Possivelmente a maior do Brasil no movimento social negro. Suas posições internas têm espaço na imprensa e uma audiência na vanguarda negra, não negra e também na academia. Ilustram esse reconhecimento o gesto em um dos documentários nacionais de maior sucesso recente AMARELO: É tudo pra ontem protagonizado pelo rapper Emicida, mas também a atuação nacional junto às Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular na construção da luta unitária contra a extrema direita. 

As razões para isso são diversas, mas destacadamente, consideramos como um elemento-chave a sua característica ampla politicamente: dentro do MNU cabem diversas tendências ideológicas da esquerda e do campo progressista, do panafricanismo ao marxismo negro, de ativistas independentes à militantes orgânicos de partidos. Há debate político diverso e mantém-se constante a disputa de ideias. Ou seja, possibilita abertura de diálogos e uma atuação unitária em torno de uma estratégia de esquerda​, apesar das diversas posições políticas. 

A observação destas características foi o que fez, anos atrás, que militantes negros organizados politicamente na Insurgência (tendência interna do PSOL)  reconhecessem como uma tarefa-compromisso com o antirracismo o fortalecimento desse instrumento de luta, que é parte do tronco de sua tradição política no Brasil, a partir da Liga Operária e da Convergência Socialista. E é o que faz hoje, na sequência ​de uma série de confluências políticas, estratégicas e programáticas entre as duas tendências, com que a militância negra da Resistência (outra tendência do PSOL) chegue às mesmas conclusões. Mais do que um marco histórico, o MNU tem se provado como um instrumento de organização e luta política da classe trabalhadora negra brasileira. E, se assim como nós, ele segue aberto, permeável aos debates e divergências políticas e em constante construção, fortalecê-lo é preciso. Como dizia Lélia Gonzalez, vamos “com solidariedade e organização”. 

Viva os 47 anos de Movimento Negro Unificado!

Simone Nascimento é coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado SP, membra da coordenação nacional do MNU e Codeputada Estadual da Bancada Feminista do PSOL. É jornalista formada na PUCSP e Mestra na USP.

Malu Nogueira é mestranda em Ciências da Comunicação – PPGCOM ECA-USP, pesquisa reprodução de estereótipos racistas na mídia. Integra a coordenação do Núcleo de Consciência Negra – USP e é militante do MNU. 

 


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