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Uma nova conjuntura
Publicado em: 1 de julho de 2025
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Coluna Valério Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
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Coluna Valério Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Foto Ricardo Stucker
Quem semeia vento, colhe tempestades
Provérbio popular português
A hard rain is gonna fall
Bob Dylan
1. A conjuntura mudou. A derrota esmagadora do IOF no Congresso foi mais que um sinal de alerta de que a governabilidade “a frio” caducou. O Congresso se assumiu como oposição. O centrão arrastou até a maioria dos deputados do PSB e PDT. Não foi uma votação “técnica” parlamentar. Não o fez em nome de uma “coalizão” de partidos, mas como órgão de uma classe: os capitalistas. O Congresso se posicionou como o órgão que unifica toda as alas e correntes da burguesia. Declarou que é ele quem governa, e abriu uma conjuntura de “dualidade” de poderes institucional. O desenho do regime democrático-liberal veio mudando, ao longo dos últimos dez anos, desde que Eduardo cunha liderou um golpe parlamentar disfarçado de impeachment. Mas é bom saber quando quantidade ameaça mudar em qualidade. Foi um teste para exame da reação de Lula. O desafio foi lançado: vai encarar? Este confronto de poder com o executivo abre uma conjuntura mais “anárquica”. Foram imprudentes? Um pouco de anarquia interessa à burguesia para encurralar Lula. Um pouco, ma non troppo, porque sempre consideram a hipótese de que Lula possa reagir e apelar à mobilização popular. O ambiente de imprevisibilidade caótica que ameaça intimidar e paralisar o governo interessa à classe dominante, porque já há uma esmagadora maioria que quer impedir a reeleição de Lula.
Diminuir o significado da votação é “negacionismo”, uma miopia imperdoável. Foi um giro político de centrão que desafiou, frontalmente, os limites da legalidade do regime. “Esticou a corda” até o limite da ordem constitucional.
2. Ocorreu uma mudança brutal de linha de Motta e Alcolumbre, que tinham feito um “acordo solene” e televisionado no 8 de junho, e o romperam “sem piscar”. Não foi somente uma concessão “parlamentar” do centrão ao bolsonarismo, ou uma manobra política das mesas da Câmara dos Deputados e Senado contra Haddad. A tática de “impedir” o governo de governar se apoiando no Legislativo contra o Executivo obedece a uma nova estratégia. Por que nova, e por que estratégia? Porque repousa na avaliação de que é possível forçar Bolsonaro a recuar da pré-candidatura, e anunciar
apoio a Tarcísio, simultaneamente, à condenação dos golpistas no julgamento do Supremo. A aposta de desgaste permanente responde, também, à necessidade de enfrentar o STF. A extrema-direita impõe ao centrão uma linha de enfrentamento contra o governo Lula, e conduz a maioria na Câmara de Deputados para se posicionar para as eleições gerais de 2026. A nova estratégia responde ao cálculo de que a vitória na eleição presidencial é possível, mesmo com Bolsonaro condenado e na prisão, e Tarcísio pode substituí-lo, até com maiores possibilidades em um segundo turno.
3. Na Paulista, no domingo de 29 de junho, a extrema-direita realizou um Ato com um quarto dos 50.000 de abril, sob a bandeira Justiça Já, pela anistia. O discurso de Bolsonaro explicitou três mudanças: (a) prevaleceu a contenção e não se autoproclamou pré-candidato; (b) anunciou que o centro da tática será conquistar maioria no Congresso, em especial, no Senado; (c) nem sequer atacou o STF. Há uma luta na oposição reacionária pela direção, agora que é iminente a prisão de Bolsonaro. “Frente Ampla” de direita e extrema-direita na ofensiva. Há em curso um possível giro na tática bolsonarista. Por enquanto, o acordo não foi selado. Bolsonaro poderia renunciar à pré-candidatura em troca da garantia de um indulto, mas não só. Mais do que isso, Bolsonaro exige um compromisso de choque contra o STF. A proposta de “usar a força” contra o Supremo é a “bomba atômica”, ou confissão de um projeto de golpe de Estado.
O caminho pode ser impeachment de ministros, ampliação da composição do Supremo para garantir uma nova maioria ou até impeachment, se Lula vencer. Mas estas manobras institucionais sendo apresentadas, publicamente, sinaliza o grau de provocação e atrevimento do bolsonarismo. Esta frontalidade corresponde a um programa de choque ultraliberal de capitalismo que se inspira em Milei. Tarcísio pode ser pré-candidato ainda no segundo semestre.
4 O PED, processo de eleição direta do PT no primeiro fim de semana de julho, deverá confirmar que a CNB mantém uma maioria absoluta. A ameaça de divisão da CNB feita por Quaquá, o insolente prefeito de Maricá no Rio de Janeiro, foi superada pela negociação de um acordo cujos termos permaneceram ocultos. Mas o que é certo é que o PT, sob a liderança de Edinho, o ex-prefeito de Araraquara, não vai sequer recuperar algum grau de autonomia diante do governo. Não importa se os ministros do quinteto (União Brasil/Progressistas, Republicanos, MDB e PSD) sentam “de frente” com Lula, enquanto estão “saindo de costas” para a oposição. O alinhamento do PT com Lula será incondicional. Não está claro se a estratégia de “pacificação nacional” que inspirou o slogan do governo Lula 3 “união e reconstrução”, e condicionou a linha de governabilidade “a frio” será mantida. Será que o governo Lula vai reagir ao ultimato do Congresso Nacional? Será que os ministros dos partidos do centrão serão demitidos? Entretanto, as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular convocaram um Ato para o próximo dia 10 de junho em São Paulo, uma iniciativa superpositiva, mas inusitada desde ao Ato contra a anistia de 30 de março, só interrompida pela corajosa passeata de solidariedade com a resistência palestina de 15 de junho. A nova conjuntura exige que a esquerda saia da inércia buscando apoio na mobilização de massas. Na verdade, a esquerda está diante do desafio de “reconquistar” a Paulista. Mas este movimento de “baixo para cima” será impotente, se não corresponder a um giro do governo para a esquerda. Na verdade, o protagonismo pessoal de Lula é insubstituível, como foi o de Claudia Sheinbaum no México e de Gustavo Petro na Colômbia.
5 A parcela da esquerda radical que não entende que se abriu uma oportunidade de contra-ataque perdeu a bússola de classe. Existem dois campos em luta neste momento. Quem tenta abrir uma brecha para um terceiro campo, que seria a afirmação de uma oposição de esquerda, e insiste em denunciar que Haddad limitou com novos filtros o acesso dos mais pobres ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), uma medida regressiva, está “vendo a árvore, e desconsiderando o bosque”, porque perdeu o sentido das proporções. O eixo da conjuntura não é a denúncia do arcabouço fiscal, embora seja justo denunciá-lo. O eixo da conjuntura é a luta contra o Congresso Nacional em defesa do mandato de Lula. O que se impõe é uma linha de contra-ofensiva pela aprovação do imposto de 10% sobre os super ricos, pela isenção do imposto de renda para os vinte e cinco milhões que ganham até R$5.000,00, pelo fim da escala seis por um, ou seja, a frente única construída em torno à campanha pelo plebiscito popular. Há uma oportunidade de pelo menos tentar sair da defensiva. Motta e Alcolumbre foram longe demais? Às ruas, às ruas, às ruas!!!
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