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Guerra imperialista contra o Irã


Publicado em: 17 de junho de 2025

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Coluna Valerio Arcary

Esquerda Online

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Julga-se sempre o lobo maior do que ele é
Provérbio popular português

1 Num sentido amplo, todas as guerras são uma expressão de barbárie, ou seja, de brutalidade, bestialidade e estupidez. O uso da violência é uma maneira primitiva, ou seja, incivilizada, rude e obtusa de resolver conflitos. Mas não é verdade que todas as guerras são iguais. Há guerras injustas e guerras justas. A guerra iniciada pela agressão de Israel contra o Irã é uma guerra injusta. Trata-se de uma guerra imperialista. A operação ideológica de Tel Aviv de justificar a guerra por uma necessidade existencial, diante da suposta ameaça de Teerã construir uma bomba atômica é desonesta e falsa. O relatório da Agência da ONU não ofereceu prova alguma. A capacidade de enriquecimento de urânio a 60% é ainda muito insuficiente. Desde 1991 foi anunciada incontáveis vezes que o Irã estaria na iminência de construir a bomba. Não se confirmou esta previsão nos últimos trinta e cinco anos. O bombardeio das centrífugas é um pretexto. O objetivo da guerra é consolidar uma dominação israelense sobre o Médio Oriente. Seu plano é indivisível da estratégia norte-americana de preservação da supremacia mundial contra a China.

2 Ninguém pode ignorar que Israel invadiu a Faixa de Gaza, atacou no último ano o Líbano, a Síria, e o Yemen e conquistou, há décadas, a condição de potência nuclear com um arsenal de muitas dezenas de bombas que ameaçam, potencialmente, seus vizinhos. Não se confirmou, também, que o Iraque, sob o governo do partido baath liderado por Sadam Hussein, tinha armas de destruição em massa quando da invasão norte-americana em 2003. Não é uma coincidência que o argumento seja o mesmo. O objetivo é aproveitar a oportunidade da indisfarçável cumplicidade de Trump na Casa Branca, precedida pelo genocídio em Gaza e neutralização do Hezbollah, para impor uma derrota histórica ao Irã, ameaçando até o assassinato do ayatollah Ali Khamenei, e consolidar o poder imperialista de Israel.

3 Não se trata de uma guerra “religiosa” em que o Estado de Israel se protege de um “plano muçulmano” de islamização, embora o sionismo manipule a mentalidade paranoica do fundamentalismo judeu como vocabulário para fortalecer o ultranacionalismo do governo de extrema-direita liderado por Netanyahu. A maioria esmagadora da população do Oriente Médio é muçulmana, em suas diversas variantes, sunitas no Magreb e xiitas no Irã e em parte do Iraque e rivais entre si, mas o antagonismo com Israel não se explica pelo ódio religioso. Durante séculos prevaleceu no Oriente Médio a tolerância religiosa com o judaísmo e o cristianismo. Não se trata, também, de uma guerra pelo controle do abastecimento do petróleo, embora mais de um terço do consumo mundial de petróleo circule pelo Golfo Pérsico, seja de origem saudita, dos Emirados ou do Irã. Nunca existiu uma ameaça do Irã provocar desabastecimento mundial de petróleo, em primeiro lugar, porque o regime de Teerã depende da renda petroleira. Não se trata, tampouco, de uma guerra defensiva de Israel contra a ameaça emergencial de uma impensável invasão iraniana, diante da imensa superioridade da força aérea de Tel Aviv. O Irã é consciente de que Israel se fortaleceu, militarmente, depois da invasão da Faixa de Gaza e do Líbano, ainda que elevando isolamento político internacional.

4 A guerra é mais uma confirmação de que a fundação do Estado de Israel com o apoio da URSS foi mais que um erro, embora por um período indefinido, irreversível. Israel é uma “anomalia” ou disfuncionalidade histórica, até para a estabilidade da ordem capitalista: (a) ao final da Segunda Guerra Mundial, o horror diante do Holocausto nazifascista legitimou, politicamente, a reivindicação do movimento nacionalista judeu, o sionismo, da existência de um Estado judeu na Palestina histórica, apesar da oposição dos Estados árabes, e da resistência da população palestina que sofreu a Nakba, a limpeza étnica que deslocou centenas de milhares, senão um milhão de pequenos camponeses com métodos militares contra uma população desarmada, um crime contra a humanidade; (b) a Palestina não era “uma terra sem povo para um povo sem-terra”, e fracassou o projeto do Estado sionista de estabilizar uma sociedade de apartheid estruturada sobre a “superioridade” judia, porque a luta palestina, apesar de décadas de derrotas nunca cessou, exigindo um aparato militar desproporcional que só foi possível com o apoio do lobby da burguesia judia nos EUA e Europa, portanto, artificial.; (c) o Estado de Israel é, politicamente, um híbrido, ao mesmo tempo, um enclave dos imperialismos ocidentais e um Estado nacional-imperialista que consolidou interesses próprios; (d) a estratégia dos dois Estados só foi aceita pela maioria das forças sionistas que se radicalizaram até à extrema-direita como uma mediação para ganhar tempo e acumular forças; (e) a ofensiva contra o Irã obedece ao cálculo de que a superioridade militar vai permitir destruir o aparelho de segurança militar do Irã, mas não exclui a aposta de uma guerra total para impor uma derrota política que legitime a derrubada do regime da Igreja-Partido-Exército xiita, ainda que Israel seja consciente que sozinhos não podem erradicar todas as instalações nucleares e militares do Irã sem “soldados no chão”, ou uma invasão terrestre, cujo desenlace não poderia ser senão pior que a invasão do Afeganistão e do Vietnam pelos EUA.

5 O Irã é um Estado na periferia do capitalismo, mas um raro país independente, como a Venezuela, em um mundo em que a disputa dos EUA à frente da Tríade contra a ameaça colocada pela ascensão da China é o conflito central no sistema de Estados. A inserção do Irã no mercado mundial é periférica em função da condição primária-exportadora, dependência de investimentos e tecnologias, e industrialização precária, agravada por sanções devastadoras durante a pandemia. Mas, paradoxalmente, o Irã conquistou um lugar independente no sistema de Estados porque o seu governo tem plena soberania sobre suas decisões internas e autonomia nas externas. No entanto, o Irã está em inferioridade militar diante de Israel, e seu governo já sinalizou disposição de negociações e pediu um cessar-fogo.

6 A compreensão do lugar do Irá deve considerar: (a) ser uma nação com milênios de história herdeira do império persa com uma cultura própria forte como a língua farsi, a tradição nacional e a identidade xiita do islamismo; (b) o atual regime surgiu de uma poderosa revolução popular anti-imperialista liderada pelo clero xiita contra a ditadura de forma monárquica do Xá Reza Pahlavi instalada no poder em 1953 por um golpe de Estado com apoio da CIA que derrubou o governo de Mosaddegh (1951–53); (c) o regime é uma teocracia, como o Estado do Vaticano, ou seja, não há separação entre a dimensão política e religiosa nas instituições de poder que exercem a administração civil e militar do Estado, impondo normas morais, espirituais, educacionais e culturais e, embora haja eleições, elas não são livres e as candidaturas obedecem à autoridade do clero xiita, mas não é claro qual é o grau de coesão social interna; (d) embora o Irã tenha importantes reservas de petróleo – extrai 3,3 milhões de barris por dia, terceiro maior produtor da OPEP e sétimo em escala global – o regime é consciente que a soberania energética não pode depender de um recurso não renovável, e perseverou no desenvolvimento de um complexo de centrífugas de enriquecimento de urânio para fins civis, que não exclui a ambição de ter armas nucleares como Israel; (e) o Irã é consciente que a China não tem interesse em precipitar confronto com Washington e defende uma imediata desescalada da guerra que só é possível com concessões de Teerã a Tel Aviv. O Irã se associou aos Bric’s, uma articulação comercial e rede diplomática alternativa, inicialmente constituída por Brasil, Rússia, Índia e China e África do Sul, ampliada com Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, e Indonésia, apresentada como uma expressão econômica do Sul Global, excluída a Venezuela, sem uma plataforma política comum, mas que pode ser o embrião de um espaço de trocas desdolarizadas, se vier a ser constituída uma moeda virtual dos cinco r’s, o renmimbi, rublo, rúpia, real e rand.

7 Qual é a estratégia de Israel? O grau de autonomia relativa de Israel diante de Washington foi posto à prova inúmeras vezes desde o início da invasão da Faixa de Gaza, em inúmeras discordâncias com a gestão do partido democrata de Joe Biden. Mas desde a posse de Trump prevaleceram acordos, inclusive, sobre a criminosa intenção de limpeza étnica palestina. Não há dúvidas sobre as afinidades políticas entre Trump e Netanyahu, dois líderes mundiais da extrema-direita neofascista. O desenlace da guerra contra o Irã dependerá do papel dos EUA. Embora nunca se deva subestimar até onde poderá ir Trump, sem o bombardeio que só a Força Aérea dos EUA pode fazer, não é possível destruir a instalações subterrâneas do Irã. Mas não há perigo real e imediato de uma Terceira Guerra Mundial. Rússia não pode e a China não quer uma internacionalização da guerra. O perigo real e imediato é que o Irã seja derrotado. Não há nenhuma razão para a esquerda socialista alimentar qualquer ilusão sobre o regime teocrático de Teerã, mas o dever internacionalista mais elementar é defender o Irã contra a agressão imperialista de Israel.


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