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Bolívia: eleições, decadência do MAS e forte crise do governo Arce

As próximas eleições gerais na Bolívia ocorrerão num contexto muito diferente do que foi a gigantesca vitória de Evo Morales, o 1° dirigente indígena a governar o país depois de 500 anos de colonização europeia, genocídio e espoliação dos povos originários da região


Publicado em: 11 de junho de 2025

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Chantal Liegeois e David Cavalcante, da redação

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Foto: EL Periódico

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Bolívia e Equador são dois países que se destacam na América do Sul por duas características semelhantes. Uma grande presença das populações originárias em sua formação social e, também pela característica anterior, neste primeiro quartel do Século XXI, recorrentes episódios de levantes populares e indígenas semi-insurreicionais que enfrentaram pacotes neoliberais e arrancaram, ainda que dentro dos limites do capitalismo, significativas conquistas democráticas e sociais, concluindo na formação do denominado Estado Plurinacional.

Neste ano, haverá na Bolívia, em 17 de agosto, eleições para os cargos de Presidente, Vice-presidente, 36 senadores e 130 deputados. A votação ocorrerá em todo território nacional boliviano e nos 32 países onde residem cidadãos bolivianos, com um provável segundo turno em 19 de outubro de 2025.

Estas eleições gerais na Bolívia ocorrerão num contexto muito diferente do que foi a gigantesca vitória de Evo Morales, o 1o dirigente indígena a governar o país depois de 500 anos de colonização europeia, genocídio e espoliação dos povos originários da região.

Além daquela primeira vitória de Evo, em 2006, ascendeu ao poder nas várias instâncias parlamentares, executivas e judiciárias do Estado, um partido com bases e organização popular e indígena de massas, o MAS, Movimento ao Socialismo, que na sequência governou o país por 19 anos (14 anos de Evo e 5 anos de Arce).

Os resultados eleitorais e o gigante fortalecimento do MAS refletiram o protagonismo revolucionário das mobilizações massivas anti-imperialistas e indígena-populares dos levantes conhecidos como a Guerra da Água em 2000. e Guerra do Gás, em 2003 e 2005, que conseguiram derrotar os projetos privatistas da água e do gás e os governos títeres do imperialismo, os Presidentes Gonzalo Sanchez de Lozada, em 2003, e Carlos Mesa, em 2005

Governo de Evo Morales (2006–2019)

Na primeira gestão do governo do MAS (2006-2009), o partido implementou um programa político e social, por ele mesmo propagandeado de Processo de Câmbio, com uma série de medidas econômicas e sociais, como a recuperação da propriedade estatal dos recursos naturais do subsolo e uma nacionalização dos hidrocarbonetos, que se concretizou numa renegociação dos contratos de exploração de gás e petróleo com as transnacionais que exploram na Bolívia (entre as quais a Petrobras).

Essa renegociação permitiu triplicar a renda petroleira do país e implementar uma série de reformas políticas e sociais específicas como a redistribuição de renda, ampliação do acesso à educação e redução da miséria, que aumentaram o nível de vida do conjunto das classes populares. O percentual da população abaixo da linha de pobreza na Bolívia caiu de 63% para 35%, entre 2005 e 2018, de acordo com o Banco Mundial.

Tal ascenso colocou a Bolívia no mapa político das experiências com governos progressistas na América Latina. Mas levar adiante o Processo de Cambio não foi fácil, pois suscitou forte oposição da burguesia, liderada pelo setor agroindustrial da soja, no leste do país, conhecida como Meia Lua, na região e entorno do Departamento de Santa Cruz de la Sierra. E pelos departamentos (estados regionais) produtores de petróleo, que chegaram à beira de uma guerra civil. Tal conflito resultou no estatuto de autonomia departamental (dos estados regionais) em 2008 e foi consolidado na nova Constituição política de 2009.

A nova Constituição igualmente passou a reconhecer o Estado Plurinacional da Bolívia, composto por 36 etnias. Em um país com uma população majoritariamente indígena (quechuas, aimarás, guaranis), esse reconhecimento constitui um alicerce e avanço fundamental para os movimentos sociais historicamente expropriados e oprimidos, cujo slogan era “500 anos de resistência”. Também se ampliou a legalização do plantio da folha da coca, considerado parte da cultura milenar das populações indígenas que usam a folha para mascar e fazer chá.

Com políticas de redistribuição de renda e inserção social e política às instâncias de poder no país, o MAS, conquistou um enorme apoio popular, pulverizando todos os partidos da direita, e Evo Morales e seu vice, Álvaro García Linera, ganharam todas as reeleições com mais de 50 % dos votos (no primeiro turno), em 2009, e depois da nova Constituição, em 2014 e 2019.

Assim, o MAS se consolidou como o partido mais poderoso da história da Bolívia, que conseguiu unificar todos os movimentos sociais e inclusive parte da esquerda socialista e ativista em torno de seu programa nacional-popular, colocando os povos originários e os movimentos sociais como sujeitos do processo de mudança, chamando-o de revolução democrática.

Após mais de dez anos de prosperidade econômica, graças às políticas econômicas e sociais (embora parciais) do MAS, a partir de 2013, a crise econômica mundial atingiu a Bolívia devido à queda dos preços das matérias-primas.

Os erros e as insuficiências das políticas que não tinham como estratégia romper com o capitalismo, mesmo com um discurso anti-imperialista, marcaram os limites da experiência do MAS no poder, em um contexto de interferência permanente do capital transnacional, sempre ávido por se apropriar os abundantes recursos naturais da Bolívia (gás e petróleo, lítio e minerais raros, ouro e prata).

Crise, decadência e rupturas do MAS

O Movimento ao Socialismo surgiu em 1995, num congresso da central sindical camponesa CSUTCB, como um Instrumento Político pela Soberania dos Povos (IPSP), em reação e ruptura com os partidos tradicionais, e como uma ferramenta de luta política das classes populares, resultado de um longo processo de reflexão política e organizacional dos sindicatos camponeses e do setor de produtores de folha de coca, em luta frontal contra o imperialismo durante toda a década de 1990. Logo se abrirá a participação aos movimentos sociais das cidades a partir de 1999 e chegada ao poder central em 2006 como resultado das lutas sociais.

Evo foi eleito para um primeiro mandato e depois da promulgação da nova Constituição, eleito e reeleito, mas se negou a preparar a renovação da liderança e da Presidência do país. Em 2016, foi organizado pelo governo um referendum popular para modificar um artigo da nova Constituição (Art. 168) que prevê “O mandato do presidente ou da presidenta e do vice-presidente ou da vice-presidenta do Estado é de cinco anos, podendo ser reeleitos uma única vez consecutivamente.” (Assembleia Constituinte, 2009).

O governo perdeu o referendum e depois apelou ao Tribunal Constitucional. O NÃO obteve a maioria com 51,3% dos votos válidos, contra 48,7% dos votos pelo SIM. O MAS não respeitou o seu compromisso de acatar os resultados e seguiu postulando Evo para um novo mandato. Em novembro de 2017, o Tribunal Plurinacional Constitucional decidiu a favor das reeleições de todo cidadão, baseando-se no artigo 256 da Constituição e nas normas sobre Direitos Políticos da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A partir desse momento, um setor da classe média (concentrada nas cidades) se posicionou abertamente contra do MAS e seu líder Evo, além disso se potencializam as disputas fracionais internas visto que sua liderança, antes inconteste, começa a ser questionada.

A crise do MAS e da autoridade de Evo Morales se relaciona com dois aspectos principalmente: a recusa a construir a sua sucessão com novas lideranças do MAS e a queda do preço das commodities no mercado global que também limitou as políticas sociais do governo. Nesse contexto, a extrema-direita adquire novo impulso e junto com a OEA patrocinou um Golpe de Estado em torno do questionamento dos resultados das eleições de 2019.

Em outubro de 2019, explode distúrbios após as eleições nacionais, uma parte da classe média clama fraude, recusando-se a reconhecer uma nova vitória de Evo Morales. Após 15 dias de manifestações, a extrema direita liderada pelo departamento de Santa Cruz patrocina um golpe de Estado, apoiada pelo exército e, também pela OEA. Todas as autoridades nacionais do MAS renunciaram. Evo e Álvaro Garcia, seu vice-presidente, e alguns ministros fugiram do país. Durante um ano, Jeanine Añez, títere dos golpistas, exerceu a Presidência.

Mas a força das conquistas sociais e o enraizamento do MAS eram tamanhas que, mesmo após um ano do Golpe, conseguiram voltar ao poder pela via eleitoral. Em novembro de 2020, o MAS tem uma nova vitória como resposta aos ataques que o governo golpista começou contra o povo.

Luis Arce, (ex-ministro da Economia do governo de Evo por 14 anos) assume como Presidente. A gestão de Luis Arce desses três últimos anos, foi de crises econômicas, denúncias e escândalos de corrupção, ineficiência de gestão, escassez de combustível, paralisação do Congresso nacional pela divisão interna dos parlamentares do MAS, e sobretudo, o fracasso da estratégia e incapacidade para administrar os recursos naturais do país, acelerando a entrega para interesses privados internacionais.

Um exemplo claro dessas políticas ao grande capital foi o processo de assinatura de contratos com várias empresas de capital internacional, entre 2023 e 2024, como com Uranium One Group, da Rússia, y CBC, da China para a exploração da maior reserva mundial de lítio, localizada no grande Salar de Uyuni[1].

Soma-se à crise do governo Arce a oposição que começa organizar o próprio Evo Morales que voltando do exílio, em 2020, e se tornou o principal crítico e opositor do governo atual, agravando uma luta fratricida para recuperar a liderança única do partido.

O Presidente Luis Arce, pelas influências e poder que adquiriu nas relações institucionais, ficou legalmente com a sigla do MAS e com o aparato do Estado, mas afundou nas pesquisas. Tanto que chegou a renunciar mais recentemente à sua candidatura.

Evo por sua vez retomou parcialmente seu protagonismo com marchas e mobilizações em torno da sua luta para novamente disputar a Presidência, acusando Arce de traidor. Somente neste mês de junho já são mais de 20 pontos de bloqueios e protestos no país, alguns reprimidos pelo governo.

Evo tem demonstrado ainda ter força nas mobilizações de rua, sendo um líder caudilho que conta com uma base fiel na região do Chapare, mas ele perdeu o apoio da classe média urbana emergente que antes o apoiava e de segmentos importantes do partido que agora é controlado por Arce e seus aliados.

Eleições de 2025, sem Evo Morales

O calendário eleitoral estabeleceu o dia 19 de maio como prazo final para registro de candidatos à Presidência, Vice-Presidência, Senado e Deputados, cargos que serão disputados em 17 de agosto. Neste dia 6 de junho, o Tribunal Superior Eleitoral publicou as listas definitivas de candidaturas homologadas.

Evo foi declarado inelegível por decisão do Tribunal Constitucional, além do fato de que pesa contra ele a reedição de um mandado de prisão por uma acusação de estupro que já havia sido arquivada. Evo está confinado em seu reduto no Chapare, com organização de autodefesa, para não ser preso.

O Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP), emitiu uma sentença, em 13 de maio, definindo que só é permitido uma única reeleição, seja ela contínua ou descontínua, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 7 de maio, cancelou a personalidade jurídica da Frente para a Vitória (FPV) e da PANBOL, partidos que tinham concordado a ceder a sigla para Evo Morales. A principal fundamentação para limitar a participação política dessas organizações políticas foi que elas não atingiram o piso de 3% nas eleições gerais de 2020.

Segundo o informe do TSE do país, 10 candidaturas foram homologadas para disputar a Presidência com suas respectivas listas de senadores e deputados. Sendo 3 do campo da esquerda (do MAS e suas dissidências), com as seguintes chapas: Eduardo del Castillo e Milan Berna (MAS); Andrônico Rodriguez e Mariana Prado (Alianza Popular); Eva Copa e Jorge Richter (Morena). E 7 chapas alinhadas com a direita e grupos empresariais.

Entre os mais competitivos da direita estão Samuel Doria e José Luis Lupe (Alianza Unidad); Jorge Quiroga e Juan Pablo Velazco (Alianza Libertad e Democracia); Manfred Reyes e Juan Medrano (APB-Sumate); entre outras.

A disputa pública fratricida e com acusações mútuas entre os líderes, sectarizou umas bases contra outras do mesmo partido gerando o racha. A briga que recrudesceu há mais de 2 anos entre os partidários de Evo Morales (os evistas) e os de Luis Arce (os arcistas) enfraqueceu o partido enormemente e o conjunto dos movimentos sociais, provocando nas bases uma real divisão em duas partes ou mais, deixando as comunidades enfraquecidas.

Nesse contexto de fortalecimento da extrema-direita no cenário global, torna-se mais urgente ainda que mesmo que haja mais de uma candidatura da esquerda no 1o turno, que essas diferenças não sejam maiores do que defender o país ante a mesma ameaça da direita que já retomou os governos na Argentina, Peru e Equador.

  1. Plano de Desenvolvimento Econômico e Social-PDES, 2021-2025.

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