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O ProFIS não cabe no banco de reservas


Publicado em: 3 de junho de 2025

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Thaís Ferreira, de Campinas (SP)

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Em 9 de setembro de 2010, no CONSU (Conselho Universitário da Unicamp), o ProFIS foi aprovado. Em 2025, 15 turmas do curso depois, ainda enfrentamos dificuldade em explicar no que consiste o programa que fazemos parte. A segunda política afirmativa de ingresso da Unicamp, que há uma década e meia forma cerca de 100 estudantes oriundos de escolas públicas de Campinas por ano, passa desapercebida pelo cotidiano des estudantes de outros cursos. Não é incomum ouvir comentários que retratem o ProFIS como alienígena à Unicamp. “Qual curso você vai escolher quando entrar na Unicamp de verdade?”. Esse estranhamento muitas vezes leva em conta muito mais do que apenas o inusual caráter sequencial do curso (que já está legalmente previsto no ensino superior há quase 30 anos). Não é só sobre o que fazemos, mas também sobre quem somos.

Me permitirei realizar diversas articulações com o texto “Contos da desigualdade: desafios culturais da permanência estudantil dos estudantes do ProFIS”, escrito por Lucas Buscaratti e Isabella Manfrim Teixeira para o dossiê especial da revista Linha Mestra sobre o ProFIS, de modo a não só dar visibilidade ao artigo e ao dossiê mas também explorar os relatos nele expostos.

Gente com garra, cheia de brilho nos olhos e com muitos sonhos pela frente. Assim encontramos os estudantes do ProFIS em seu primeiro semestre de UNICAMP, provando o gosto de algo que, para a maioria deles, não era possível.” (Buscaratti, 2024, p.53)

O trecho acima entrega mastigado um elemento que por vezes nos é de difícil deglutição: muites de nós, se não fossem as políticas afirmativas de acesso ao ensino superior, teriam sequer chegado aqui. No entanto, não há motivo para se desmerecer ou envergonhar, uma vez que não podemos deslocar para o campo da individualidade um problema que é sistêmico. Segundo relatório da Comvest, entre 2008 e 2009, 55% das escolas públicas de Campinas não tiveram nenhum egresso matriculado na Unicamp. O ProFIS foi pensado para enfrentar parte desse problema e trazer, da sua maneira, o nosso povo de Campinas para a Unicamp (para além do Hospital das Clínicas).

Após estar matriculado como aluno da UNICAMP, acreditei que as condições estruturais iriam mudar, afinal, depois de tantas dificuldades para estar aqui, já dentro não terei que lidar com outros esforços que não sejam no âmbito do meu curso e em minha graduação. Erro meu, estava sim me deparando com um mundo novo, mas não completamente diferente daqui de fora, agora com outros zelos, outras atividades e outras caras, mas refletindo as relações de poder de uma sociedade capitalista.” (Buscaratti, 2024, p.46)

Aproveito esse trecho para fazer um apontamento importante: se vivemos em uma sociedade de classes, que oprime nosso povo, não podemos esperar que na Unicamp o oposto seja verdadeiro. Obviamente, gostaríamos de entrar na universidade e nos sentirmos em casa em companhia dos nossos, mas não podemos substituir a realidade pelo que gostaríamos que ela fosse. Não nos faltam casos isolados que evidenciam o caráter de classe das opressões que sofremos em nossos 15 anos de história na Unicamp. Aqui, poupando-me de explicá-los com mais detalhes por entender que o artigo previamente citado já o faz de maneira que eu não conseguiria em um texto tão curto, cito o caso trazido por Teixeira no relato “Dos cavalos e Tróias que encontramos por aí”, no qual uma aluna de graduação em 2019 “fez diversas postagens no seu Twitter pessoal dizendo que os alunos ingressantes [do ProFIS] de 2019 eram ‘mais burros’ do que o normal” (Teixeira, 2024, p. 49), e também o caso trazido por Buscaratti no relato “Apaga a luz, acende a vela, das coisas que escutamos e das camisas que vestimos”, onde, em um jogo das Calouríadas, foram proferidas ofensas classistas contra os membros do nosso time. Este episódio das Calouríadas remonta o cancioneiro mais emblemático da nossa torcida, que se mantém popular mesmo em turmas mais recentes que nem conhecem sua origem: “Apaga a luz, acende a vela, é o ProFIS, time de favela!”. A popularidade deste canto dentro de nossa torcida não é um caso isolado, muito menos o tamanho dessa torcida ou o empenho que colocamos em cada jogo. Não é só sobre torcer, é sobre encontrar na nossa coletividade, no que é ser ProFIS, forças e ferramentas para resistir.

Por outras vezes somos vetados de participações dos editais da Universidade e da posse das cadeiras de conselhos como qualquer outro estudante que pertence aos cursos de graduação. Assim, escrevemos com a esperança de que quando estiver lendo esse texto, algumas dessas coisas já tenham mudado, não por movimentos voluntários dos que podem fazê-los, mas à custa da luta diária desses estudantes, os quais estão longe de se contentar em fazer o mínimo, pois são conscientes de suas capacidades e não aceitam mais ficar relegados ao banco de reservas […]” (Buscaratti, 2024, p.54)

Gosto deste trecho por sua capacidade de desvelar uma dimensão dessa opressão que por 15 anos, salvo pequenas exceções, seguiu abaixo de nossos narizes sem causar grande alarde para grande parte do curso: a dimensão política e institucional. Infelizmente não trago boas notícias para o autor, pois o problema continua no mesmo lugar. Para ser sincera, descobri-o em sua totalidade após entrar no CAEFIS, em outubro de 2024. Me tornei lutadora antes de conhecer por completo meus adversários, e vêm sendo assim com todes do ProFIS que se aventuram no movimento estudantil. Se queremos avançar, não podemos permitir que seja assim. Entender desde cedo a gravidade de sermos impedidos de participar das consultas para a Reitoria e das eleições para o CONSU diferente dos demais estudantes da Unicamp é parte do caminho. Não defendemos que o ProFIS é uma política imaculada, mas entendemos que o fortalecimento do ProFIS e de outras políticas afirmativas é também o fortalecimento de uma universidade a serviço do nosso povo. O impedimento de nossa participação nos processos deliberativos da universidade nos imobiliza politicamente e institucionalmente, nos mantém amarrados aos mesmos problemas, com pouca possibilidade de mudança real.

No movimento estudantil nacional, vivemos ainda um momento de refluxo. Esse refluxo pode ser explicado por diversos fatores, como a pandemia, o avanço do fascismo no Brasil e no mundo, e outros. No ProFIS, que não está fora do movimento estudantil nacional, a coisa se intensifica. Afinal, o corpo discente do ProFIS é renovado quase na metade todo ano, com a entrada de 120 estudantes na faixa de em média 17–20 anos que em sua imensa maioria nunca tiveram contato direto com o ambiente universitário. Como encontrar forças e ferramentas para se mobilizar em um ambiente completamente novo e sem abertura para nossa participação? Respondo: Na nossa coletividade, somos capazes de encontrar o caminho para a conquista do nosso espaço. Ser ProFIS é mais do que apenas ser do ProFIS, mais do que ter um RA vinculado ao ProFIS, de modo que diversos egressos do curso ou pessoas que nunca passaram por ele mas tiveram seu caminho atravessado pelo mesmo se consideram parte dessa coletividade.

Arrisco dizer que somos o curso mais unido da Unicamp, e nossa grande capacidade de mobilização do corpo discente em comparação com outros cursos é a prova disso. Para citar um exemplo, nosso quórum mínimo nas assembleias de curso é de 1/3 dos discentes matriculados , e não lembro de nenhum momento em 2024 e primeiro semestre de 2025 onde essa proporção (que já seria suficiente para impossibilitar assembleias de curso em quase todos os outros Centros Acadêmicos) não foi alcançada e superada. Isso não é mérito apenas do CAEFIS, isso é resultado do fato de que foi nessa coletividade e unidade que fizemos da Unicamp um espaço onde podemos nos enxergar e estar em companhia dos nossos. Se não aceitamos mais o banco de reservas, se queremos não só seguir resistindo mas também avançar, precisamos estender esse sentimento de coletividade para a mobilização política. Não apenas conscientes da importância da luta, mas também capazes de se visualizar enquanto coletivo nessa luta e de se perceber enquanto indivíduo que a constrói.

Buscando construir as ferramentas necessárias para esse movimento, o CAEFIS promoverá um espaço não só de articulação e formulação política, mas também de expressão e participação artística de toda a coletividade que se sente representada pelo que é ser ProFIS. Consideramos eixo central da luta pelo espaço político do ProFIS na Unicamp um espaço que possa ser mais do que um evento, sendo também uma expressão da força da construção coletiva da nossa comunidade e um caminho para munirmo-nos de ferramentas no combate às opressões que sofremos. É pensando nisso que o CAEFIS convida toda a comunidade da Unicamp, em especial os estudantes do ProFIS e seus egressos, para participar do Sarau do ProFIS no dia 05/06 no Teatro de Arena da Unicamp às 16h30, com encerramento previsto para 19h. Este espaço contará com uma mesa de abertura que carrega o nome “O que forma o ProFIS?”, pergunta com diversas interpretações e que permitirá, a partir das articulações, produzir um acúmulo que se contrapõe às respostas simples e despolitizadas sobre as perguntas que mais nos fazem quando descobrem o curso que fazemos. No mesmo dia, durante o almoço, também haverá uma mostra de artes, no saguão do PB, que contará com exposições de artes visuais de estudantes do ProFIS e seus egressos, garantindo em conjunto com o Sarau espaço para todos os tipos de manifestações artísticas.

Finalizo aqui meu chamado. O chamado para a reflexão acerca das opressões que sofremos e tratamos com naturalidade, para a percepção da nossa potência enquanto coletivo filho de uma política de acesso ao ensino superior e para, em revolta qualificada, construirmos juntos a luta do dia 05/06.

Referência:
BUSCARATTI, L.; TEIXEIRA, I. M. Contos da desigualdade: desafios culturais da permanência estudantil dos estudantes do ProFIS. Linha Mestra, Campinas, v. 18, n. 53, p. 44-55, maio/ago. 2024.

Thaís Ferreira é militante do Afronte! Campinas e estudante do ProFIS Unicamp.

 


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