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Papa Francisco, um estadista: uma nota


Publicado em: 23 de abril de 2025

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Romero Venâncio

Romero Venâncio é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e professor da Universidade Federal de Sergipe (Departamento de Filosofia e Núcleo de Ciências da Religião). Atua em pesquisas sobre: Marx, Sartre, F. Fanon, Enrique Dussel e o pensamento Decolonial Latino Americano.

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Romero Venâncio é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e professor da Universidade Federal de Sergipe (Departamento de Filosofia e Núcleo de Ciências da Religião). Atua em pesquisas sobre: Marx, Sartre, F. Fanon, Enrique Dussel e o pensamento Decolonial Latino Americano.

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Neste dia 21 de abril de 2015, acordamos com a triste notícia da morte do Papa Francisco. Em tudo, um Papa raro. Ousaria dizer que a Igreja Católica não estava preparada para um Papa cristão em gestos e palavras como foi Francisco. Não afirmamos esse aparente paradoxo como crítica vulgar. Nada disso. Pensamos que a grandeza do Papa Francisco esteve desde o início de seu pontificado, em 2013. A escolha do nome surpreendeu. Ser de origem latino-americana foi mais uma surpresa. Ser um jesuíta foi inesperado. E ter a biografia eclesiástica que tinha deixou muitos atordoados. Um Papa de gestos simples e modos contagiantes. Doze anos de papado que indicam mudanças profundas na Igreja e só perceptíveis com o tempo.
Vamos fazer uma reflexão a partir do seguinte ponto de vista: não foi somente um Papa que morreu, mas um estadista na atual conjuntura europeia e mundial… E isto, o mundo sentirá. O Papa Francisco foi além das questões internas da Igreja Católica, foi um Pontífice que se posicionou contra a xenofobia, o racismo, o fascismo, o genocídio sofrido diariamente pelo povo palestino, contra a fome, contra o moralismo apequenado… Em seu humanismo radical, Francisco soube honrar o nome escolhido para o pontificado e avançou num caminho importante da conjuntura eclesial: deslocou o eixo teológico de temas de costume e moral individual para um projeto societário. Compreendeu a fé cristã em sua totalidade. Da Laudato Si à Laudate Deum, ampliou o horizonte de uma autêntica doutrina social da Igreja.
Dentro da Igreja, o Papa Francisco produziu algumas mudanças significativas. Tendo plena consciência de uma divisão insuperável que vive a Igreja Católica no mundo, o Papa não enfrentou a divisão alimentando o ódio como método. Sabia das contradições que estavam dentro da Igreja. Uma nota particular: acompanhei e monitorei durante quatro anos, numa pesquisa acadêmica, uma certa extrema-direita católica brasileira nas redes digitais e seu crescimento nas dioceses e paróquias. E, desde 2014, esses grupos extremistas tinham/têm no Papa Francisco seu foco de ataque quase cotidiano. O Papa é visto como comunista, infiltrado na Igreja, modernista, seguidor da Teologia da Libertação, apoiador da pauta “woke”, anticristo… O que mais chama a atenção nessa gente de extrema-direita dentro do catolicismo é a “qualidade” deles nestas redes digitais. São monarquistas, devocionalistas, tradicionalistas, moralistas, desqualificados teologicamente e simpáticos a ideias fascistas, bolsonaristas e sempre parecem viver num mundo que só existe nas “teorias conspiratórias”. Obviamente, não se pode reduzir a Igreja a essa direita atuante.
O outro lado da Igreja entendeu bem o projeto eclesial-missiológico do Papa Francisco. O que o Papa chamou sintomaticamente de: “Uma Igreja em saída”. Antenado com a herança do Concílio Vaticano II, o Papa viajou pelo mundo: Oriente Médio, Ásia, África, América Latina, Estados Unidos. Era preciso mudar a Igreja por dentro e fazê-la sair de si. Chamou seu principal pressuposto teológico de “Igreja Sinodal” e de uma “Igreja em escuta”. Sentiu forte as reações de dentro da própria Igreja a seu projeto sinodal. Francisco não desanimou. Sabia que era necessário um Evangelho que dialoga sem arrogância ou verdades eternas com o mundo contemporâneo.
Francisco Estadista. Até os ateus na Europa reconheceram que o único estadista na Europa nestas duas décadas do século XXI era o Papa Francisco. Não sem uma curiosa ironia. A mesma Europa que radicalizou o seu secularismo pós-Revolução Francesa e acreditou que “Deus estava morto” (Nietzsche) e que a religião era apenas alienação (Marx) ou ilusão (Freud), chegava no final do século XX acossada por xenofobia, neonazismo, integrismo e subserviente ao imperialismo dos EUA. Incapaz de sair de profundas contradições, a Europa se afunda em velhos e conhecidos obscurantismos que acreditou ter superado. Líderes medíocres, fascistas, simpáticos a ideias nazistas ou figuras sem brilho ou liderança. Uma Europa cansada e sem projeto. O que aparecia como uma lufada de inteligência e humanismo nessa Europa atual? Um Papa. Um modesto e sensível Papa. O Papa Francisco. Pensando para além de sua Igreja e não se limitando a questões internas da sua religião, o Papa se colocou como um farol para uma niilista e abatida Europa, mas sem nenhum eurocentrismo. Francisco foi um Papa que pensou grande e cosmopolita. Foi um Papa que chamou a atenção do mundo e colocou em trilhos atuais um projeto de esperança efetivo.
Por fim, recomendo um documentário que melhor resume o papado de Francisco e pelas lentes de um cineasta alemão nada religioso. Trata-se de: “Papa Francisco: Um Homem de Palavra” (direção de Wim Wenders, 2018). No filme, vemos uma jornada íntima pela vida pública e espiritual de uma das figuras religiosas mais importantes do mundo naquela quadra histórica de 2018. Viajando pelo mundo, espalhando mensagens de esperança em uma era de profunda descrença política, Papa Francisco representa ideais progressistas dentro da Igreja Católica. O documentário procura apresentar seu trabalho reformista, suas muitas visitas pelo mundo e suas respostas às questões globais atuais sobre morte, justiça social, imigração, ecologia, desigualdade econômica, materialismo e o papel da família. No gesto ou na palavra, o Papa Francisco marcou fundo a Igreja e o mundo como poucos Papas na história conseguiram fazer.

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