cultura
Ednardo: expoente da geração do “pessoal do Ceará” chega aos 80 anos e lança autobiografia
Ednardo – Papel, Pele & Pulso, título da autobiografia do artista cearense, está sendo publicada pela Aura Edições Musicais, com patrocínio da Secult-CE. Lançamento ocorrerá na Biblioteca Pública Estadual do Ceará e no Iate Clube
Publicado em: 14 de abril de 2025
“Ele cria em cima do que seria raiz, sem folclorizar seu trabalho.
É um artesão da canção, um compositor cearense/brasileiro/universal”.
Gilmar de Carvalho
Ednardo tem uma trajetória na música que já conta pelo menos 5 décadas, mais de 400 composições próprias e em parceira, além de dezenas de discos, incluindo álbuns de carreira, coletâneas, compilações e discos ao vivo, que perpassam pelas tradições regionais do maracatu, do frevo e do forró; pelo baião, pelo repente e pelo cordel; além do rock, do bolero e do blues.
Neste dia 17 de abril Ednardo celebra seus 80 anos, ocasião em que lançará sua autobiografia. Uma história de vida que, sem dúvidas é parte da nossa cultura e se confunde com própria história do povo cearense. Uma trajetória que merece ser cohecida e celebrada.
Aldeia, Aldeota Estou batendo na porta pra lhe aperriar
Não é um exagero afirmar que sua figura foi um dos principais animadores daquela geração de jovens artistas cearenses que a crítica, as rádios e as gravadoras do Sul-Sudeste batizaram genericamente de “Pessoal do Ceará”: Fagner, Belchior, Amelinha, Rodger, Téti, Fausto Nilo, Augusto Pontes, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra, Tânia Cabral, Ieda Estergilda etc.
Apesar de já participar de festivais musicais no começo dos anos 70, Ednardo desponta no cenário da música nacional através de um disco lançado pela Continental, em 73, em parceria com Teti e Rodger Rogério, que leva o nome de Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem ou simplesmente Ednardo e o Pessoal do Ceará. Apesar de fazerem parte da mesma turma, Belchior e Fagner não entraram no disco porque já tinham projetos solos em outras gravadoras1,2.

Na capa da primeira prensagem (foto) destaca-se a imagem do artesanato em renda que, desde muitos anos, é fonte de sobrevivência para muitas famílias pobres no interior cearense. No encarte do disco, a explicação desta escolha, que também é uma homenagem ao povo do Ceará: “Nosso trabalho foi todo feito com o mesmo amor e carinho como se tecem os lindos bordados que esta capa estampa”.
Entre composições de Humberto Teixeira, Rodger, Fagner, Ednardo e Ricardo Bezerra, destaca-se nesse disco Ingazeiras que através de versos como O sul, a sorte, a estrada me seduz, discorre sobre o famoso “espírito retirante” que faz com que muitos cearenses, frente às dificuldades que vive o estado, então sob a batuta de velhos coronéis como Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora, que governam sob os auspícios da ditadura civil-militar, acabe indo procurar alguma oportunidade no chamado “Sul maravilha”.
Também é desse disco Terral, uma ode ao Ceará que, com poesia marcante, descreve um pouco das paisagens do litoral do estado, entre as dunas brancas, o sol e areia, a Praia do Futuro, o farol velho e o novo e, no refrão, grita para o mundo: Eu tenho a mão que aperreia//Tenho o sol e areia//Sou da América//sul da América//South America//Eu sou a nata do lixo//Sou do luxo da aldeia//Eu sou do Ceará.
Ao fim e ao cabo, o disco converteu-se em um registro decisivo da música local e abriu muitos caminhos. Aliás, há quem classifique-o como o Sgt. Pepper’s cearense, como é o caso do jornalista musical Nelson Augusto. Seja como for, foi com ele que a arte de Ednardo pôde finalmente “Varar cancelas e abrir porteiras”, assim, sua música alçou vôos para além das “dunas brancas” do litoral cearense. Diga-se de passagem, uma empreitada particularmente desafiadora, não só pela repressão ditatorial de turno, mas também porque as atenções das rádios e das gravadoras estavam todos voltados para os músicos do Clube da Esquina, dos Novos Baianos e da Tropicália, que já despontavam desde o começo da década.
Tudo é mistério nesse teu voar
Em 74, foi a vez do seu disco de estréia, solo, e um dos principais trabalhos da sua discografia: Pavão Mysteriozo, inspirado n’O Romance do Pavão Misterioso de José Camelo de Melo Rezende.
Ednardo queixou-se de que a gravadora não moveu muitos esforços para divulgar o disco. Entretanto, ele acabou sendo ouvido por Dias Gomes e a faixa título acabou caindo nas graças do diretor de novelas, que a colocou como tema de abertura de Saramandaia, de 76.
Em uma entrevista à Carta Capital, Ednardo explica seu disco: “A fome ensina a gente a caçar. A gente viu que a situação estava feia. Foi a época das metáforas. A gente falava por meio das metáforas. E o público entendia. “Pavão Mysteriozo era uma metáfora contra a ditadura: Pavão misterioso/ Pássaro formoso/ Um conde raivoso/ Não tarda a chegar/ Não temas, minha donzela/ Nossa sorte nessa guerra/ Eles são muitos/ Mas não podem voar.”
Também são desse disco músicas inesquecíveis como Carneiro, cuja composição é creditada ao irreverente Augusto Pontes, que também foi o compositor de Apenas um rapaz latino americano e também uma figura fundamental por trás do formação do Pessoal do Ceará; Mais um Frevinho Danado; entre outras.
Berro

Em 76 foi a vez de outro grande trabalho, Berro, um disco refinado e cheio de referências literárias, históricas e humanísticas. Peça de destaque na sua carreira.
Artigo 26, a partir de uma referência ao movimento literário e intelectual que atuou em Fortaleza no fim do séc XIX até o começo do séc XX conhecido como Padaria espiritual, é uma reivindicação clara ao artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que determina que a educação primária deve ser gratuita e universal. A agremiação literária é novamente homenageada na faixa Padaria espiritual.
A quarta faixa, Passeio público, leva o nome de uma praça histórica no Centro de Fortaleza que, no passado, foi o local onde foram fuzilados Azevedo ‘Bolão’, Feliciano ‘Carapinima’, Francisco ‘Ibiapina’, Padre Mororó e Pessoa ‘Anta’, por sua participação na Confederação do Equador, em 1825. Mas essa música fala, sobretudo, de uma das maiores lideranças da Confederação, a pernambucana Bárbara de Alencar que, na condição de presa política, amargou vários dias na prisão do então forte de Nossa Senhora de Assunção, a atual 10° região militar, do lado do Passeio Público:
Hoje ao passar pelos lados
Das brancas paredes, paredes do forte
Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos
Ganidos de morte
Vindos daquela janela
É Bárbara, tenho certeza
É Bárbara, sei que é ela
Que de dentro da fortaleza
Por seus filhos e irmãos
Joga gemidos, gemidos no ar
Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão loucos
Tão loucos foi Bárbara sonhar
Também é desse disco Longarinas, cuja letra reflete Ednardo já plenamente estabelecido no Sudeste, embalado pelo espírito retirante cearense, longe da família e da paisagem que moldou sua música. Uma ode à nostalgia e à persistência da memória:
Faz muito tempo
Que eu não vejo
O verde daquele mar quebrar
Nas longarinas da ponte velha
Que ainda não caiu
Faz muito tempo
Que eu não vejo
O branco da espuma espirrar
Naquelas pedras com a sua eterna
Briga com o mar.
(…)
Êeee, maninha,
Arma aquela rende branca
Que eu tô chegando agora…
Massafeira livre

Ednardo também foi protagonista, ao lado de Augusto Pontes, do movimento Massafeira livre, que culminou em um festival no Teatro José de Alencar, em 79, e no lançamento de um álbum duplo, gravado pela CBS em julho do mesmo ano e lançado em 1980. A Massafeira reuniu vários artistas, de distintos segmentos além da música, chegando a ser considerada como uma Semana de arte moderna cearense.
Nesses anos de carreira Ednardo não deixou de trabalhar, chegando a lançar o álbum Sarau Vox 72, em 2022, no qual incluiu as músicas Bip Bip e De Areia e Vento, cujas composições são do começo de sua carreira e foram gravadas em parceria com Belchior e Tânia Cabral.
Na edição de 2025 do carnaval de Fortaleza, Ednardo também foi convidado pela prefeitura municipal da cidade para abrir as festividades com um show no aterro da Praia de Iracema. Uma oportunidade inesquecível e emocionante para quem pôde vê-lo, aos seus 79 anos, animando a multidão.
Ednardo – Papel, Pele & Pulso
Essas e várias outras histórias serão contadas em sua autobiografia, trabalho que começou a ser elaborado em 2020, em parceria com o jornalista Luã Diógenes, e foi publicado neste ano pela Aura Edições Musicais.
O lançamento ocorrerá em duas oportunidades. A primeira delas será na BECE (Biblioteca Pública Estadual do Ceará), no dia 15, às 18h. A segunda será no dia 17, data do aniversário de Ednardo. O local escolhido foi luxuoso Iate Club, localização privilegiada para contemplar o pôr do sol de Fortaleza.
Uma oportunidade imperdível de ver esse grande artista da nossa música, para quem estiver em Fortaleza nesses dias.
Serviço:
Lançamentos de “Ednardo – Papel, Pele & Pulso”
Dia 15 de abril, às 18h, na BECE (Av. Pres. Castelo Branco, 255 – Moura Brasil).
Dia 17 de abril, às 17h, no Iate Clube (Av. Vicente de Castro, 4813 – Cais do Porto).
Notas
1 Para explicar a origem do nome Pessoal do Ceará, Walter Silva escreveu a seguinte apresentação no encarte do disco: “Era um sábado. Sábado à tarde e o rádio mostrava uma das mais inteligentes entrevistas. Nela, Júlio Lerner mostrava ao público de São Paulo um novo grupo. Como não houvesse uma marca, ainda para esse grupo, ele era designado a cada intervalo como Pessoal do Ceará. E no dia seguinte já moravam nos ouvidos da gente a nova informação e o quase susto que as composições e as interpretações dos meninos nos passara. O mesmo produtor levou-os à televisão, onde o grupo tomou parte num dos mais inteligentes programas de São Paulo: “Proposta”. Apresentados ao grupo por Moracy do Val, adotamos a “cidadania musical” cearense de hoje. E eis o disco pronto. Nosso trabalho foi todo feito com o mesmo amor e carinho como se tecem os lindos bordados que esta capa estampa. Ponto a ponto, movidos pelos bilros da amizade fomos nos juntando. Hareton Salvanini, este excelente maestro-cantor-compositor que até agora, vinha trabalhando em publicidade e em trilhas sonoras para cinema e televisão, também juntou-se a nós e como eles, faz aqui sua estréia em disco…a renda vai ficando cada vez maior, que só será completa se você também entrar nela. Rodger Rogério e Tétty são casados e pais de dois lindos filhos. Ele, professor de física da USP, não aparenta os vinte e oito anos que tem. Ela, com aquela voz pequena e incrivelmente afinada, é a “estrela” deste grupo. Todos os desvelos são para Tétty, importante revelação musical deste ano. Ednardo é, talvez, o mais habituado com as transas todas do ambiente, uma vez que até produção de programas musicais já fez. Tem vinte e sete anos e tem mais identificação com o grande público, ao primeiro ouvir, por serem suas obras mais agitadas e comunicativas, nem por isso menos importantes do que as de Rodger Rogério. O Pessoal do Ceará não é um conjunto vocal. É um grupo de novos mensageiros que, cada um à sua maneira, dá o recado mais importante desta temporada” (Walter Silva)
2 Há também um texto de provável autoria de Rodger: “Impossível dizer como tudo começou. Poderíamos partir dos shows do Instituto de Física da Universidade Federal do Ceará (1965). Poderia ser a Escola de Arquitetura, que tornou-se (1966) o ponto de realização das “tertúlias-etílico-lítero-musical e badernosas”. Poderia ser o “Bar do Anísio”onde se bebia todas as fossas, todas as alegrias e se aguardava o sol…
Poderia também ter começado com os galos e cangaceiros de Aldemir Martins ou os traços do Chico Silva… os contos do Juarez Barroso… teria começado no singular movimento revolucionário, sério, satírico, cultural e de danações em geral da “Padaria Espiritual”, 1892-1898, ou ainda na Academia Francesa de Letras (a primeira nacional) ou já mais recentemente no movimento de teatro.
Aderbal Jr.-José Humberto-B. de Paiva-Carlos Paiva-João Falcão-Haroldo Serra
O que se sabe é que, na década de 60, mais especificamente no ano de 1968, deu-se uma avalanche de poesia
Yeda Estergilda-Brandão
De música e pintura. Uma verdadeira algazarra de criação. A partir daí, a ânsia de mostrar, de registrar. As peças e os shows ficavam restritos quase que completamente ao âmbito da universidade.
Braguinha-Rodger-Edson-Petrúcio-Dedé-Augusto Pontes (a quem pertencem as palavras da capa deste disco e as que encerram este texto)-Fausto Nilo-Pepe
Começou-se a “inventar” as caravanas culturais para o interior, para outros estados e até para o exterior.
Cláudio Pereira-Antonio Carlos-Sérgio Pinheiro
Descobriu-se o apelo popular dos festivais de música – “Festival do G.R.U.T.A.”, Festival de Música Popular “Aqui no Canto” – Festivais Nordestinos de MPB – e daí, aos programas de televisão (TV Ceará-Canal 2) e então a vontade de Rio e São Paulo.
Luiz Fiúza-Ricardo Bezerra-Lauro Benevides-César Russeau-Pretextato-Gustavinho-Tânia Araújo.
Xica-Alba-Olga-Tetty-Manoel Ferreira-Ray Miranda-Amelinha-Fatinha e Vavá.
Cirino-Fagner-Jorge Mello-Ednardo-Belchior-Sérgio Costa.
Augusto Borges-João Ramos-Miguel da Flauta-Descartes-Gonzaga Vasconcellos-Neide Maia-Mauro Coutinho-Ivan Prudêncio-Guilherme Neto(Guiba)-Paulo Lima Verde.
Os anônimos e os esquecidos.
Todos esses nomes também fazem parte do “Pessoal do Ceará”. Uns ficaram, outros saíram. Alguns para Rio-São Paulo. Outros, optaram por uma estada em Brasília… “Enfim, comemos muito a cultura nacional e sempre querendo que a “comida” fosse melhor. Continuamos nesse banquete, mas começaram a botar os pratos na mesa, para distribuir o nosso angu…” Mesmo que digam que não, Lauro Maia e Luiz Assumpção estão neste disco.”
Parte da Discografia de Ednardo














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