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Segundo turno, no Equador: é possível derrotar o candidato da extrema-direita !

A disputa acirrada reflete a divisão política no Equador em projetos distintos. A visão que pretende aprofundar Noboa busca consolidar sua gestão em direção à subserviência ao governo Trump e ao neoliberalismo. Enquanto González propõe uma mudança de direção, inspirada em parâmetros progressistas de soberania nacional e desenvolvimento


Publicado em: 10 de abril de 2025

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David Cavalcante, da redação

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Foto: Luisa González/Instagram

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O Equador se prepara para o segundo turno das eleições presidenciais, agendado para o domingo 13 de abril de 2025, no qual os mais de 13 milhões de eleitores decidirão entre o atual presidente, magnata do agronegócio, Daniel Noboa, e a candidata de oposição, Luisa González, progressista de centro-esquerda, e agora apoiada pela CONAIE, Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador, e o partido das nacionalidades indígenas, Pachakutik. A campanha da oposição tem tido um forte perfil popular no corpo-a-corpo das ruas.

No primeiro turno, realizado em 9 de fevereiro, que também elegeu os 151 membros da Assembleia Nacional, Noboa obteve 44,3% dos votos, enquanto González alcançou 43,8%, confirmando um cenário de polarização política no país.

O resultado foi bem apertado, mas poderá haver uma virada de Luisa González, não somente porque algumas pesquisas vêm indicando a vitória da candidata, mas porque Luisa e a direção de Revolução Cidadã (RC) conseguiram quebrar a barreira de ausência de diálogos que existia entre Rafael Correa e grande parte dos movimentos sociais indígenas que tem um grande peso e representação social no país.

Luisa conseguiu uma aproximação com as organizações majoritárias do movimento indígena, representado pela CONAIE e Pachakutik (PK). O próprio Leonidas Iza, que foi candidato no 1o turno e obteve 5,25% dos votos, batalhou pelo apoio à Luísa e declarou firmemente a necessidade de derrotar a extrema-direita, as oligarquias e o militarismo neoliberal, representado por Daniel e pela família Noboa.

Daniel Noboa é filho do magnata Álvaro Noboa, que concorreu à presidência em cinco ocasiões sem sucesso. Daniel emergiu na política equatoriana como uma figura que se apresentou como nova (outsider) e foi eleito presidente em 2023, para um mandato tampão, após a queda de Guillermo Lasso, que para fugir do impedimento recorreu à chamada “morte cruzada” convocando eleições gerais e ganhando mais 6 meses de gestão.

A gestão de Noboa promoveu um aprofundamento da linha neoliberal de Lasso, resultando numa grave crise de violência no sistema penitenciário, fato que aumentou a ansiedade coletiva quanto à emergência de medidas bonapartistas de segurança.

As eleições ocorrem em um momento de agravamento da crise no Equador, marcado por uma onda de violência sem precedentes e insatisfação econômica. A taxa de homicídios aumentou de 6 para cada 100 mil habitantes em 2018 para 38 a cada 100 mil habitantes em 2024, refletindo a crescente influência do crime organizado no país. O país também enfrentou apagões prolongados, com cortes de energia de até 14 horas, resultando em perdas econômicas significativas e protestos populares.

Especula-se que cartéis mexicanos, em associação com a máfia albanesa, atuem fortemente no país. Nas eleições passadas foi assassinado em plena luz do dia um candidato à Presidência da República, forjando uma mudança na reta final da campanha, prejudicando a então candidata Luisa González que tinha pesquisas de vitória no 1o turno.

Noboa tem adotado medidas bonapartistas, como governar por decretos de emergência e desconsiderar práticas constitucionais. Até mesmo sua vice-presidenta eleita, Verónica Abad, foi vítima de tais manobras autoritárias, em vez de permitir que ela assumisse o cargo de forma interina durante a campanha, conforme previsto na Constituição, nomeou a dedo outra no seu lugar.

Abad denunciou essa ação como uma tentativa de golpe de Estado e violência política de gênero, alegando que o playboy presidente tentou prejudicar sua imagem e limitar sua participação política, ante a previsão legal de que ela deveria ter assumido o cargo, liberando-o para fazer campanha sem se utilizar do aparelho de Estado para benefício próprio.

Noboa também emitiu um decreto que designa ele mesmo como membro permanente dos conselhos de administração de várias empresas estatais, incluindo a Petroecuador, a CNEL (Corporación Nacional de Electricidad) e a CELEC (Corporación Eléctrica del Ecuador). Essa decisão revogou delegações anteriores e permite participação direta das decisões estratégicas dessas empresas, para além de critérios técnicos.

O governo atual vem promovendo uma agenda neoliberal, incluindo a privatização de setores estatais e a implementação de políticas que tem prejudicado os direitos trabalhistas, sociais e das populações originárias para favorecimento dos interesses de grupos oligárquicos e do capital financeiro internacional.

A polarização reflete projetos distintos de país

Luisa González é ex-parlamentar e advogada, e a principal herdeira política do ex-presidente Rafael Correa, apresentou um perfil mais popular em defesa dos direitos sociais e com bandeiras voltadas para os direitos das mulheres e defesa das populações camponesas e indígenas, sobretudo depois do ato político no qual assumiu vários compromissos reivindicados pela CONAIE e Pachakutik, em plena praça pública.

Em 30 de março, González firmou o acordo de 25 pontos, intitulado “Por la vida y la plurinacionalidad” com diversos grupos políticos e sociais, incluindo o movimento indígena, o partido Pachakutik, o partido RETO e o Partido Socialista Equatoriano. Esse acordo aborda temas como segurança, combate à mineração ilegal, fortalecimento da educação intercultural bilíngue e políticas econômicas voltadas para os setores mais pobres do país, entre outros pontos.

A disputa acirrada reflete a divisão política no Equador em projetos distintos. A visão que pretende aprofundar Noboa busca consolidar sua gestão em direção à subserviência ao governo Trump e ao imperialismo. Enquanto González propõe uma mudança de direção, inspirada em parâmetros progressistas de soberania nacional e desenvolvimento.

Uma tragédia ambiental anunciada: vazamento de petróleo na Província de Esmeraldas

Na conjuntura do debate eleitoral, emergiu com mais força uma grave crise ambiental na província de Esmeraldas, que teve início em 13 de março de 2025, quando uma ruptura no Sistema de Oleoduto Transequatoriano (SOTE) resultou no derramamento de mais de 25.000 barris de petróleo nos rios Caple, Viche e Esmeraldas. O vazamento se estendeu por aproximadamente 86 km a partir do ponto de ruptura, afetando mais de 15 paróquias.

Os impactos ambientais e sociais têm se revelado terríveis. O derramamento contaminou extensas áreas de manguezais, praias e reservas de vida selvagem, causando danos significativos aos ecossistemas locais. Além disso, a crise afetou diretamente cerca de 500 mil pessoas, principalmente comunidades indígenas e rurais, que enfrentam agora mais dificuldades no acesso à água potável e meios de subsistência.

Em resposta ao desastre, o governo equatoriano declarou emergência ambiental na província de Esmeraldas, mas o estrago já estava feito. A estatal Petroecuador suspendeu temporariamente as exportações de petróleo e iniciou operações de contenção e limpeza. Mas o governo de Noboa é o grande culpado.

A região afetada continua enfrentando sérias dificuldades. A contaminação dos recursos hídricos comprometeu o abastecimento de água potável, resultando em uma crise de saúde pública com relatos de problemas respiratórios e gastrointestinais entre os moradores. As atividades econômicas locais, como pesca e agricultura, foram severamente impactadas, exacerbando a vulnerabilidade socioeconômica das comunidades afetadas. Ecossistemas foram gravemente danificados.

O bukelismo equatoriano: cortina de fumaça com mais e mais prisões

O tema da segurança pública igualmente teve destaque na campanha. Noboa considerou a construção de prisões até em barcaças para isolar detentos.

Mas sua grande inspiração é o modelo salvadorenho do ditador Nayib Bukele. Noboa anunciou planos para edificar duas prisões de segurança máxima, semelhantes às implementadas em El Salvador. Essas instalações seriam localizadas nas províncias de Pastaza, na Amazônia, e Santa Elena, na costa do Pacífico, visando isolar detentos.

No entanto, esses projetos enfrentaram resistência. Em dezembro de 2024, comunidades indígenas Kichwas de Archidona, na Amazônia, protestaram contra a construção de uma mega-cárcere na região, temendo impactos negativos na economia local e no meio ambiente. A tentativa de construir uma dessas prisões na Amazônia encontrou resistência das comunidades indígenas, que temem desmatamento, militarização de suas terras e perda de modos de vida tradicionais.

O militarismo pretende ir adiante. Ainda em 2024, o governo propôs a eliminação do artigo 5º da Constituição, que não permite a instalação de bases militares estrangeiras no país, nem instalações com propósitos militares, com o objetivo de aprofundar os pactos neocolonialistas com o governo do imperialismo estadunidense, que haviam sido desmantelados por Rafael Correa.

As chamadas “superprisões”, como o Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT), em El Salvador, inspiram as propostas de Noboa. A suposta inovação está na tentativa de aplicar um modelo extremamente rígido e centralizado, com alto nível de vigilância, coerção e torturas.

O CECOT, com 236.000 m², foi inaugurado em 2023 e é considerado uma das maiores da América Latina, com capacidade para até 40 mil presos. A gestão é altamente militarizada, sem recreação, estudo ou trabalho para os detentos. Os presos permanecem em celas por longos períodos, com iluminação artificial constante e ausência de camas (os detentos dormem no chão). Rações mínimas de comida e sanções físicas em casos de indisciplina. Toda a operação faz parte da chamada “guerra contra as gangues”, conduzida com mão de ferro por Bukele.

A imprensa e organismos de direitos humanos, como Human Rights Watch e Anistia Internacional tem denunciado tal modelo que restringe o acesso das organizações aos ambientes prisionais. Ocorre que até mesmo os números fornecidos pelo governo Bukele são suspeitos. Há relatos de familiares de presos que passam meses sem acesso aos presos, sem informações, nem advogados. Os relatos de tortura são recorrentes. As celas são superlotadas, com relatos de até 100 presos por celas.

O outro showmício foi tentar adaptar navios para uso de presídios. Que exigem uma estrutura complexa de segurança, transporte, abastecimento e manutenção, tudo isso longe do litoral. Seria caríssimo e logisticamente muito mais arriscado.

Tentar isolar presos em alto-mar dificulta o acesso a advogados, familiares e até cuidados médicos, o que viola princípios básicos dos direitos humanos e das normas penitenciárias internacionais. Nada de novo, um modelo que revela total ausência de reabilitação social, nos parece um retorno aos Séculos XVIII e XIX, em matéria penal.

A militarização da segurança pública, no modelo de Bukele, tem sido amplamente criticado por organismos internacionais e ONGs ligadas aos Direitos Humanos, por serem prisões arbitrárias, tortura e suspensão de direitos civis.

O encarceramento em massa, sem garantias legais, tem afetado inocentes e populações marginalizadas, com base muitas vezes em tatuagens, padrões de roupas ou localização geográfica, alimentando mais injustiças e aumentando a tensão social, com o viés espetacularista.

Derrotar Noboa significa deter um regime político que está em vias de rasgar vários pontos da Constituição equatoriana em suas conquistas de garantias da soberania nacional, direitos sociais e democráticos, direitos das populações originárias e ambientais, num rumo autocrático guiado pelos grandes grupos privados exportadores e extrativistas predatórios do país que desejam retornar às relações neocoloniais.

A vitória de Luisa é um primeiro e importante passo para reconquistar um Equador mais soberano e democrático, com garantias aos direitos sociais das mulheres e minorias sociais, com promoção de políticas de igualdade racial e étnicas, além de respeito aos direitos humanos também no sistema prisional.

Num novo ambiente nacional mais democrático, sem militarização do ambiente político, se fortalecerão os sujeitos sociais das batalhas por um país que possa recuperar sua moeda nacional, os direitos trabalhistas e as estatais privatizadas. Que contribua para uma integração regional sul-americana com soberania regional anti-imperialista, justiça social e avance numa industrialização que promova a transição energética ambiental e seja contraponto aos projetos da extrema-direita na América Latina.


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