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“Acostume-se com a derrota” a dialética derrota-vitória e os ensinamentos da Palestina


Publicado em: 7 de abril de 2025

Cultura

Por Pedro Henrique, de Brasília-DF

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Foto: Divulgação Synapse

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Desde que vi “Sem Chão” (“No Other Land”), o documentário ganhador do Oscar que aborda, por um lado, parte do horror israelense, com a tentativa de destruição de Masafer Yatta, região do Sul da Cisjordânia – em Al Khalil, Hebron –, e, por outro, e a resistência palestina, uma cena ficou presa em minha memória. 

Enquanto dirige seu carro, Basel Adra, um jovem palestino (nascido em 1996 em Masafer Yatta), escuta Yuval Abraham, seu co-diretor do documentário e ativista israelense, expressar sua frustração quanto ao baixo número de visualizações de uma de suas ultimas postagens denunciando mais uma ofensiva de Israel contra os moradores da região. Escutando tudo enquanto dirige, Basel retruca: “Acostume-se com a derrota. Você é um perdedor” (“Get used to failing. You’re a loser”). 

Por mais que Yuval já estivesse há algum tempo denunciando os horrores israelenses, a fala de Basel serve como boas-vindas. “Bem-vindo ao lado perdedor”. Não é que Yuval seja inatamente um perdedor. Ele – ou ninguém – nasce assim. Não se nasce um perdedor, se é tornado um perdedor em um dada realidade histórico-concreta. No caso de Yuval, ele passa a ser histórico-socialmente um perdedor ao se posicionar ao lado de quem vem sendo oprimido e violentado há quase oito décadas por Israel, o vencedor. 

E, mesmo assim, há derrotas e derrotas. O próprio documentário demonstra como a condição perdedora de Yuval é transitória, é momentânea. As derrotas de Yuval se apresentam a ele quando ele ousa cruzar certas barreiras – físicas e simbólicas -, ao passo que para Basel e demais palestinos não há opção. 

Relembrando a análise incontornável de Frantz Fanon em “Os condenados da terra”: “O indígena é um ser encurralado, o apartheid é apenas uma modalidade da compartimentação do mundo colonial. A primeira coisa que o indígena aprende é a ficar no seu lugar, não ultrapassar os limites”. 

De novo, segundo Fanon “O mundo colonizado é cindido em dois”. Um mundo maniqueísta, cindido em vencedores e perdedores. É como se a derrota se apresentasse a Yuval como resultado de uma escolha – uma escolha errônea, execrável, segundo seus “pares” israelenses. Já para Basel, as escolhas já partem do marco da derrota.

Contudo, por isso mesmo, acostumar-se com a derrota não é aceitá-la ou naturalizá-la. Há uma profunda dialética na fala de Basel que nos faz pensar, inclusive, no que é derrota e no que é vitória e como nos comportamos diante delas. O próprio documentário denota isso. Por exemplo, mesmo após a vitória no Oscar, a região de Basel continuou a ser atacada. Mesmo após ganhar o Oscar, outro dos diretores, Hamdan Ballal – outro palestino – foi atacado por colonos israelenses, com apoio do exército israelense, violentado, torturado e preso. Nesse interregno, para a associação de cinema estadunidense responsável pelos Oscars, que se apresenta como global, não há por que repudiar a violência cometida contra quem acabou de vencer uma de suas premiações.

A trajetória de vida de Basel, enquanto expressão da resistência palestina nos ensina que, na realidade invertida na qual vivemos, mesmo que as derrotas continuem a ser derrotas, não devendo ser romantizadas – vide o avanço genocida contra a Palestina –, as derrotas substantivas, as derrotas humanas têm sido tomadas como vitórias. A “vitória” israelense tem sido a principal a derrota humana de nosso tempo, da mesma forma que a luta e resistência palestina configuram a régua e a bússola morais do presente.

Fazendo um trocadilho com os termos inglês, no caso concreto da Palestina, derrotas não são falhas (“fails”). As falhas – morais, humanas – estão no lado dos autoproclamados vitoriosos.

É nessa chave que a frase de Basel ganha ainda mais força. “Acostume-se com a derrota”. Como sabemos, nós fazemos a história, mas não nas condições desejadas ou necessárias. Na quadra presente, aliás, as condições têm sido cada vez menos as desejadas ou necessárias. Vivemos um impasse entre a urgência de mudanças e um tempo histórico cujos ponteiros do relógio, por um lado, aceleram seu poder de destrutividade e, por outro, retardam nossa capacidade de frear o próprio tempo. 

Nesse sentido, a paciência histórica de Basel é tudo menos sinônimo de fatalismo, indolência. Pelo contrário, faz parte de um realismo crítico. Faz parte do sumud palestino, um conjunto de valores comunitários, coletivos, de solidariedade, uma filosofia de vida, uma construção identitária e práxis de resistência, em contraponto à colonização e à fatalização objetiva e subjetiva israelense. 

Eis mais uma das lições a se extrair da luta palestina: frente à força do povo Palestino, não temos o direito de esmorecer ou de desistir. As perdas palestinas são o fracasso de Israel e da humanidade. A vitória Palestina, não só como processo, como luta, mas como horizonte, é a única vitória possível da humanidade. A Palestina é, assim, não só o presente, mas o futuro. A vitória Palestina não “apenas” acontecerá ou será; ela tem sido; ela é.

Pedro Henrique Antunes da Costa é Professor na UnB e da Resistência/DF


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