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Quanto pesa no corpo a jornada 6×1


Publicado em: 28 de março de 2025

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Yara Fers, de Camaçari (BA)

Esquerda Online

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Foto: Letycia Bond/Agência Brasil

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Trabalhei por 11 anos no setor industrial, no chão de fábrica, até ser demitida na pandemia. E as jornadas extenuantes, associadas à exigência de alta produtividade, sempre foram características constantes nas 8 empresas em que estive. Vivi jornadas 6×1, 6×2, 2×2 com turnos de 12 horas, e muitas vezes a oculta jornada 7×0, quando a hora extra no dia de folga era constante e quase imposta.

Tenho observado, nesses anos trabalhando na indústria, uma série de mecanismos tecnológicos e comportamentais para que, dentro da mesma jornada de 44 horas, o trabalhador tenha um rendimento cada vez maior.

Como há um limite de horas previsto em lei e as empresas não podem estabelecer aquelas jornadas da época da revolução industrial, o que elas buscam é, dentro das 44 horas, aumentar cada vez mais a produtividade. Incentiva-se o funcionário a bater as metas de todas as formas possíveis, e quando são batidas, novas e mais elevadas metas se estabelecem. As anteriores jamais serão retomadas.

Já os avanços tecnológicos, que poderiam significar redução das jornadas, na verdade servem para que as pessoas produzam em ritmo cada vez mais frenético.

As práticas aplicadas pelo chamado toyotismo nas empresas seguem a lógica do “trabalhador multifuncional”, que recebe por um, mas cumpre a função de vários. O mercado de trabalho chama esse trabalhador de generalista (como se essa fosse uma qualidade dele e não uma exigência do sistema), em contraposição aos especialistas.

Além disso, dentro das empresas e também fora delas, proliferam as ideologias motivacionais, que orientam a pessoa a ser mais produtiva, a “dar o seu melhor”, a “vestir a camisa”, a “crescer junto” com a empresa, a ser um bom “colaborador”. Para isso, treinamentos e gameficações com pequenas recompensas estimulam um “crescimento individual”, em contraposição a uma possível organização coletiva. Enquanto isso, os sindicatos, ferramentas de organização da classe, são desacreditados.

Na indústria é perfeitamente contabilizável o quanto esses mecanismos de exploração funcionam para aumentar os lucros ao longo do tempo: basta verificar o aumento constante da quantidade de produtos que sai no final da linha de produção. Nas mesmas 44 horas.

É também muito nítida a exaustão, quando cada vez mais se percebe que falta energia para fazer qualquer coisa relacionada a lazer no pouco tempo que resta para o descanso. Para as mulheres, e ainda mais para as mulheres negras, que ainda possuem o trabalho não remunerado do cuidado com a casa, os filhos, os idosos, a jornada e o cansaço ainda se prolongam mais. E muitas vezes se somam ao assédio sexual dentro da empresa e/ou à violência doméstica em casa.

Esses mecanismos de exploração, que intensificam a exaustão da jornada de trabalho e a produtividade capitalista, funcionam de forma muito explícita e disciplinada no setor industrial. Mas também são aplicados no setor de serviços (no qual também trabalhei). As metas, os discursos motivacionais, o trabalhador multifunção, tudo está lá de forma adaptada. Mas nesse setor a precarização ainda incorpora a pejotização, deixando milhões de trabalhadores sem as proteções previstas na CLT.

Quando aprendemos na escola o que significa a palavra “trabalho”, ela nos é apresentada como a transformação da natureza e do mundo, a criação de ferramentas e de tudo que a humanidade produziu. É um termo que carrega a criação, a criatividade humana, em diferenciação com as demais espécies. E que, portanto, deveria ser fonte de realização. No sistema capitalista, o trabalho se torna o exato oposto disso. Ele rouba nosso tempo, nossas realizações, nossa criatividade.

Trabalhando na produção, vivi de perto um outro termo, a alienação. Trabalhei sem ver sentido na minha atividade, sem saber pra que servia o produto que eu estava fazendo, sem conhecer todas as etapas de sua produção. Trabalhei sem ter direito a possuir os itens que produzi. Trabalhei sentindo meu corpo como parte da máquina, em movimentos repetitivos, coisificando meus músculos em alta velocidade, deixando de ser eu mesma durante muitas horas por semana, ao longo de anos. Adoeci, deixei parte da minha saúde física e emocional nas máquinas.

A luta pelo fim da jornada 6×1 não é, ainda, a luta por humanizar esse processo, pela desalienação, pela ressignificação do trabalho como algo criativo. Ela sequer vai recuperar tudo que perdemos nas empresas por todos os anos anteriores. Mas a luta pelo fim do 6×1 é parte da batalha pelo tempo. É uma luta imediata, para todas aquelas e aqueles que estão na exaustão completa terem a dignidade de um pouco mais de descanso.


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