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Para que serve o PSOL? Uma réplica
Publicado em: 28 de março de 2025
O objetivo deste texto é pura e simplesmente sistematizar um conjunto de respostas à análise política elencada em um artigo de opinião no qual a autora procura colocar sua posição sobre os rumos do PSOL a partir da perspectiva de alguém da oposição à linha majoritária.
Acredito que uma análise fria e respeitosa dos argumentos utilizados por ela serve para avançarmos nos debates e fortalecermos nossa amarração para as disputas políticas colocadas no interior do partido.
Vamos aos argumentos!
Sobre o perfil e programa PSOL
O texto começa elogiando a postura de Luciana Genro nas eleições de 2014. De fato, a candidatura de Luciana cumpriu um papel majoritariamente progressivo naquele cenário. Ter um partido com um presidenciável capaz de fazer uma disputa programática anticapitalista e à esquerda do PT naquela época certamente era um diferencial capaz de dar ânimo à vanguarda e pautar propostas mais avançadas.
Pelo que me lembro, Genro foi a única presidenciável a defender abertamente o direito das LGBTs e o aborto em um momento na qual a presidenta Dilma havia assinado a famosa Carta ao Povo Brasileiro como um aceno do PT de conciliação aos setores mais conservadores e reacionários da política brasileira. Certamente, um grande erro petista, uma vez que não cumpriu papel algum para impedir que Dilma sofresse um golpe de Estado.
Entretanto, a autora não cita que, em 2014, ainda não havia uma ascensão do movimento fascista a nível nacional e global. Ainda mais, desconsidera um erro grave que sua corrente — o MES, a mesma de Luciana Genro — cometeu naquela época: a defesa da Operação Lava-Jato.
Pelo ímpeto de superar as claras deficiências da direção petista, não caracterizaram de prontidão o fortalecimento galopante de um movimento reacionário que havia se articulado para prender o presidente Lula e, logo em seguida, interromper o mandato de Dilma para implementar medidas qualitativamente muito piores que qualquer ataque já promovido pelo Partido dos Trabalhadores. Esse movimento desembocou no fenômeno do bolsonarismo, cujas consequências todos sabemos.
A autora, corretamente, reconhece como um acerto o apoio tático do PSOL ao PT nas eleições de 2018 e 2022 para logo em seguida concluir que a unidade com os setores petistas não deve ser confundida com condescendência aos ataques aos trabalhadores. Afirma, ainda, que o PSOL deve ser o partido proposto a buscar alternativas para o conjunto das crises que vivemos.
Até aqui, está correto. Entretanto, salta logo em seguida para conclusões precipitadas. Diz que
Mas o PSOL de hoje não parece estar assim tão comprometido com a criação dessa alternativa. Ao contrário: o setor majoritário do partido – representado por parlamentares como Guilherme Boulos, Erika Hilton, Taliria Petrone e Pastor Henrique Vieira – está comprometido em fazer do PSOL um partido da ordem, tornando-se parte do projeto petista e apoiando o governo Lula incondicionalmente.
Veja bem, esta afirmação está incorreta. O PSOL, hoje, a não ser para os críticos de plantão que ficam à espreita de qualquer fato político para atuarem de maneira desmoralizante enquanto fração pública, segue preservando sua identidade e programa próprios.
Mais que isso, podemos dizer que o PSOL alcançou envergadura política para dirigir grande parte dos processos políticos que ocorrem na conjuntura. Os exemplos mais paradigmáticos dizem respeito à adoção da pauta pelo fim da escala 6×1, o combate à crise climática e a taxação dos mais ricos. Todos esses eixos programáticos foram originalmente propostos pela vanguarda do PSOL e posteriormente absorvidos pela esquerda de conjunto. Mesmo assim, seguem como iniciativas majoritariamente encabeçadas pelas lideranças do PSOL.
Se a camarada e seus companheiros de partido acreditam tanto na necessidade de disputa de direção da classe trabalhadora de conjunto para pautas mais avançadas do que aquelas que giram em torno do programa petista, porque os mesmos se comportam como cegos e se recusam a perceber e valorizar o fato de que o programa do PSOL já está se ligando à consciência majoritária das lideranças de esquerda?
Disputa de direção vs disputa da classe trabalhadora
Nesse mesmo aspecto, surgem outras perguntas sobre as quais os camaradas deveriam se debruçar. Será que, se o partido tivesse seguido a linha de denúncias fracionais permanentes defendida pelo MES, teríamos hoje capacidade de propor e promover grandes ações conjuntas com os setores majoritários em torno de um programa majoritariamente PSOLista? Será que teríamos grande parte da base parlamentar petista assinando um projeto de lei proposto inicialmente pelo PSOL, como no caso do fim da escala 6×1? Será que teríamos a UNE, o MST e a CUT promovendo um plebiscito nacional unificado em torno dessas mesmas demandas? Será que teríamos esses mesmos setores assinando um manifesto contra o corte de gastos do próprio PT?
Acredito que não. Os companheiros do MES seguem cometendo os mesmos erros de quando apoiaram a Lava-Jato. Erraram, por exemplo, quando impulsionaram uma iniciativa fracionista nas manifestações pelo Fora Bolsonaro chamada Povo na Rua. Diferente da defesa da Lava-Jato, a Povo na Rua não cumpriu um papel regressivo na conjuntura. De fato, não cumpriu papel algum. Do outro lado, está demonstrado que a unidade entre as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo segue sendo o que há de mais sólido na luta de massas contra o fascismo, haja vista o lançamento conjunto do plebiscito e convocação dos atos contra a anistia aos golpistas.
Querem disputar o sentimento de indignação da população apelando para palavras de ordem de oposição, muitas das quais são agitadas (de maneira oportunista e falsa, obviamente) pela própria extrema direita. Isso não quer dizer que as críticas estejam erradas, mas a política defendida pela majoritária é ir pela positiva, pelas exigências em torno de um programa mais avançado. É este o papel do PSOL e o balanço é que tal política tem dado certo! Que as palavras de ordem com denúncias aos erros cometidos pelo governo fiquem para a oposição de extrema direita.
Para concluir, parte do sectarismo que cega a esquerda (que se autoafirma) radical no Brasil hoje surge a partir da ideia que a classe trabalhadora não avança por causa da direção petista. Esta afirmação não está de todo incorreta. Lula e seu partido deveriam realmente abraçar com muito mais fervor os processos de luta de classes. Deveriam apoiar seu governo em um programa de profundas mudanças estruturais e anticapitalistas em prol do povo brasileiro.
O incorreto, como buscamos demonstrar até aqui, é acreditar que o modo de disputar a direção da classe trabalhadora na atual conjuntura, em especial a partir do surgimento do fenômeno do fascismo no século XXI, seria através de demarcações e denúncias constantes, ou mesmo através do lançamento de candidaturas presidenciais alternativas. Precisamos da força de todos os setores de esquerda que ainda preservam alguma inserção nas camadas populares. Só assim teremos chance de alcançar o peso social mínimo capaz de colocar a classe trabalhadora em movimento novamente. Isso nos leva ao próximo ponto!
Um debate entre leninistas-trotskistas
A pessoa emite a seguinte afirmação em seu texto:
Atualmente, chegamos ao cúmulo de ouvir dirigentes partidários afirmarem que, diante da extrema direita, precisamos “do Lula moderado, o Lula que negocia com o centrão a governabilidade do Congresso Nacional”, como afirmou recentemente Valério Arcary, dirigente da tendência Resistência. Me pergunto qual o motivo de pessoas como ele ainda construírem o PSOL, e não outro partido.
Como Trotsky também foi citado no artigo, gostaríamos de evocar os ensinamentos do companheiro, assim como de Lênin, para explicar porque este trecho da camarada, além de profundamente deselegante, representa um erro brutal de interpretação do discurso do companheiro Valério Arcary e também do próprio leninismo-trotskismo.
Quando da ascensão do fascismo na Alemanha, tanto Trotsky quanto Lenin contribuíram com suas análises. Embora Lenin não tenha presenciado o surgimento do fascismo em si, suas análises sobre quais eram as tarefas dos comunistas alemães no final dos anos 10 e início dos anos 20 não deixam sombra de dúvida que ambos estariam alinhados sobre o que fazer.
No texto “Nenhum compromisso?”, presente na coleção de ensaios nos quais Lenin elabora uma crítica ao esquerdismo dos comunistas alemães, o revolucionário faz uma análise dialética dos limites do esquerdismo sem se deixar levar pelas marés do oportunismo. Diz o camarada:
Só se pode vencer um inimigo mais poderoso pondo em tensão todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior zelo, cuidado, prudência e habilidade qualquer «brecha», mesmo a mais pequena, entre os inimigos, qualquer contradição de interesses entre a burguesia dos diferentes países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia no interior de cada país; há que aproveitar igualmente qualquer possibilidade, mesmo a mais pequena, de conseguir um aliado de massas, ainda que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional. Quem não compreendeu isto não compreendeu nem uma palavra de marxismo nem de socialismo científico, contemporâneo, em geral.
Importante dizer que Lenin, nessas passagens, defendia até mesmo a aliança pontual com setores liberais, desde que preservando independência político-programática e cujo objetivo final fosse exclusivamente alcançar conquistas para a classe trabalhadora. Já Trotsky, em suas célebres análises sobre a ascensão do fascismo na Alemanha, já na década de 30, traz um ensaio muito pertinente intitulado “O único caminho”.
Além de suas análises brilhantes, assentadas na crítica da economia-política, sobre a dinâmica de ascensão do fascismo e sua diferença do bonapartismo, Trotsky, assim como Lenin, faz uso da dialética para identificar dois caminhos opostos seguidos pela esquerda alemã. De um lado, havia os comunistas sob a direção vacilante de Stalin que, na prática, igualavam a social-democracia aos fascistas, recusando qualquer aliança com os mesmos e acreditando que a derrocada da social-democracia abriria o caminho para que dirigissem a classe em torno da revolução. Do outro, a própria social-democracia, que acreditava em uma via de alianças e concessões aos representantes da grande burguesia.
Fazendo uma síntese entre esses dois opostos, Trotsky escreve:
Pois era, desde o princípio, perfeitamente claro que o capital financeiro e o seu exército fascista iriam empurrar a social-democracia, com murros e pancadas, no caminho da oposição e da autodefesa. Era preciso espalhar essa perspectiva diante de toda a classe operária, tomar para si a iniciativa da frente única e, em cada nova etapa, conservar firme em mãos essa iniciativa. Em vez de se gritar e berrar, devia se ter jogado um jogo calmo e aberto. Bastaria que se tivesse formulado, nítida e claramente, a inevitabilidade de cada próximo passo do inimigo e apresentado um programa prático de frente única, sem exagero e sem concessões, mas também sem fraqueza e condescendência. Como o Partido Comunista estaria bem, agora, se estivesse de posse do abecê da política leninista e o tivesse aplicado com a necessária tenacidade!
Vejam bem, para Trotsky, o único caminho possível para a derrota do fascismo na Alemanha era a aliança entre os revolucionários e a social-democracia! Esta política foi amplamente defendida mesmo antes da ascensão do fascismo. Nos quatro primeiros congressos da III Internacional, a palavra de ordem central da Comintern, ainda dirigida por Lênin, era a busca por compromissos comuns entre revolucionários e reformistas contra a burguesia!
Essas eram as palavras de ordem mesmo em uma época na qual o movimento operário internacional contava com um Estado marxista revolucionário continental (a URSS) e os revolucionários gozavam de um prestígio muito superior do que possuem hoje, dirigindo multidões. Mesmo, pasmem, após a social-democracia ter matado a tiros Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht!
Usando argumentos similares, podemos ainda citar a famosa obra em que Trotsky diz que “na luta contra o fascismo, nós estávamos prontos a concluir acordos práticos militantes com o diabo, sua avó” que Trotsky retoma Lenin e a III internacional ao criticar os estalinistas:
Na maior parte das vezes, os órgãos dirigentes do Partido Comunista se dirigiam aos reformistas propondo a luta comum sobre palavras de ordem radicais não decorrendo da situação e não correspondendo ao nível da consciência das massas. Essas proposições eram tiros em branco. As massas ficavam de fora, os dirigentes reformistas interpretavam a proposição dos comunistas como uma intriga tendo em vista destruir a social-democracia. Em todos os casos, tratava-se de uma aplicação puramente formal da política da frente única, e que não ultrapassava o estádio das declarações; de facto, na sua própria essência, ela não pode dar resultados senão na base de uma apreciação realista da situação e do estado das massas. A arma das ”cartas abertas”, demasiado frequentes e mal utilizadas, encravou-se e foi preciso renunciar a elas.
Pois bem, qualquer um que tenha lido com seriedade essas passagens (e tantas outras deixadas por Lênin e Trotsky), ao ouvir Valério afirmar que precisamos “do Lula moderado, o Lula que negocia com o centrão a governabilidade do Congresso Nacional”, entenderá que precisamos de Lula apesar dessas características, mesmo discordando delas. Qualquer outra interpretação seria a mais pura desonestidade. Vejam mais essa passagem de Trotsky:
Tudo que foi dito significa, então, que a social-democracia, como um todo, lutará contra o fascismo? A esse respeito, respondemos: Uma parte dos funcionários sociais-democratas passará, indubitavelmente, para o lado dos fascistas; uma porção mais considerável, na hora do perigo, se esconderá debaixo da cama. Também a massa dos trabalhadores não entrará na batalha em sua totalidade. Adivinhar, antecipadamente, qual parte dos trabalhadores sociais-democratas entrará na luta, e quando entrará, e que parte do aparelho será arrastada por aqueles, é completamente impossível. Isso depende de muitas circunstâncias e, entre elas, da atitude do Partido Comunista. A frente única política tem como tarefa separar os que querem lutar dos que não querem; empurrar para frente os que vacilam; enfim, comprometer aos olhos dos operários os chefes capituladores e fortalecer, assim, a capacidade de luta do proletariado.
Mais que isso, uma leitura atenta de Trotsky nos permite concluir que muitos dos erros que o camarada criticava na atuação dos comunistas alemães possuem análogos na política defendida pelo próprio MES, alguns dos quais já apontamos brevemente acima. Gostaríamos de relembrá-los para concluir este texto.
O PSOL deve ser uma alternativa real ou o partido das “cartas abertas”?
Os erros da política do MES ficam evidentes quando lemos um artigo de opinião no qual um de seus militantes, muito elucidativamente, reivindica como correto tudo o que criticamos acima. O mesmo defende a ideia de que, no momento de golpe contra a presidenta Dilma, o PSOL supostamente perdeu uma “oportunidade” de se postular como alternativa chamando uma linha de “Eleições Gerais” ao invés de defender a permanência de seu mandato.
Acredita que era possível o PSOL disputar o caráter político geral da Lava-Jato, profundamente reacionário, ao mesmo tempo defendendo a operação e denunciando seus abusos contra o presidente Lula. Escreve o autor:
Devemos nos questionar se não teríamos melhores condições de disputar o desânimo do povo com a política e nos apresentar como alternativa se fossemos um partido mais marcadamente visto como contra a corrupção.
Baseado não se sabe em qual aspecto da realidade, diz que uma segunda greve geral contra o governo Temer após aquela do dia 28 de Abril poderia ter derrubado o golpista que, naquele momento, contava com o apoio de toda a burguesia, em uma verdadeira frente única reacionária. Para ele, aparentemente, a correlação de forças era favorável e o problema estava na direção petista dos atos.
Chega a dizer, novamente, que o PSOL perdeu a “oportunidade” de disputar o sentido da greve de caminhoneiros de 2018, um movimento de oposição ao governo Temer que claramente apontava não para uma saída à esquerda (que seria o fim da política de PPI na Petrobrás), mas sim para um fortalecimento das forças contrarrevolucionárias. Tanto é que a redução do ICMS para o diesel foi uma das principais pautas econômicas usadas por Bolsonaro para agitar sua base social contra os governadores, fragilizando as relações federativas e arregimentando um dos mais poderosos setores de trabalhadores nas fileiras da sua tentativa de golpe em 2023.
Afirma que o resultado eleitoral de Boulos em 2018 foi fraco por questões meramente programáticas, ignorando que já naquela eleição havia um sentimento geral dentro das fileiras da esquerda de que era necessário concentrar votos em uma única candidatura. Logo em seguida, o mesmo se contradiz apontando corretamente que, apesar do baixo desempenho de votos na campanha majoritária, o PSOL ainda assim era visto como uma alternativa e que, por isso, deu um salto na sua bancada federal.
Defende, na prática, que o PSOL não deveria ter buscado construir ações conjuntas com o petismo durante o início do governo Bolsonaro porque seríamos “forçados” a aderir ao mote do Lula Livre como eixo central nas manifestações. Para ele, perdemos outra vez uma “oportunidade” de apresentar o nosso partido enquanto projeto alternativo. Acredita na tese de que o PSOL de conjunto deveria ter lançado sozinho um pedido de impeachment de Bolsonaro pura e simplesmente para ter protagonismo! Como dizia Trotsky, são os mestres das “cartas abertas”!
Com isso, chega ao ponto de questionar a direção da Campanha Fora Bolsonaro por ela não ter sido “eleita” e por barrá-los das reuniões. Assim, busca justificar a criação da chamada Povo na Rua, uma articulação que chamava manifestações esvaziadas e que, ao final, não cumpriu papel algum na conjuntura. Mais uma “carta aberta”!
Conclui, sem lastro algum na realidade, que a direção da campanha fez com que se fechasse “a hipótese de derrota de Bolsonaro pelas ruas”. Desde os dois ou três primeiros atos já era visível que essa hipótese já não estava mais colocada, independente de quem estivesse dirigindo os atos. Para um crítico tão feroz do petismo e seus dirigentes, o camarada parece estar superestimando a força que os mesmos possuem.
Por fim, o autor mais uma vez levanta a tese de que o PSOL deveria ter lançado candidatura própria em 2022 meramente por questões de programa sob a justificativa desconexa de que
Ter apresentado candidatura própria no primeiro turno poderia ter disputado para a esquerda setores do eleitorado que rejeitavam a candidatura de Lula, ampliado a expressão política do PSOL, e dado evidência a elementos centrais do programa do PSOL, como a taxação das grandes fortunas, a legalização do aborto e a descriminalização das drogas, temas que passaram longe dos debates presidenciais.
Está correto dizer que os recuos sucessivos de Lula deixam margem para a cooptação da insatisfação da classe pela direita. Da mesma forma, está correto dizer que é essencial para o PSOL manter sua firmeza programática, tanto para seu crescimento, quanto para a própria dinâmica da luta de classes. O erro é caracterizar ser possível para o PSOL sozinho disputar essa insatisfação, principalmente com extrema direita. Tal concepção, já dissemos, faz com que os companheiros do MES rotineiramente façam coro à oposição bolsonarista.
Outro erro é acreditar que o palanque da disputa presidencial deve estar acima de tudo, como se fosse a única via capaz de disputar a consciência da classe. Também já mostramos anteriormente que o PSOL segue sendo um pólo de disputa programática e com um alcance muito maior do que já teve um dia. Se o camarada está insatisfeito com o resultado eleitoral de Boulos em 2018, tenho a profunda certeza de que uma candidatura de Glauber Braga em 2022 teria um resultado consideravelmente inferior.
Com tudo isso colocado, os companheiros do MES parecem ter perdido a bússola do leninismo-trotskismo, até mesmo no âmbito mais básico da práxis política. Só se pode concluir que a capacidade de fazer caracterizações, especialmente da correlação de forças, aparenta estar se esvaindo de suas fileiras.
Não cometem os mesmos erros que os comunistas alemães, claramente, mas vemos uma analogia muito forte. Colocam, por exemplo, um sinal de igual entre Haddad e Guedes, fazendo coro ao PCBR. Que ambos são neoliberais, todos sabemos! Que devemos criticar Haddad e as alas mais à direita do partido, todos concordamos. Devemos também exigir medidas mais avançadas em prol da classe trabalhadora. Mas essas críticas, repetimos, não podem ser “cartas abertas”. Devemos ser aqueles com capacidade de pautar um avanço programático consequente, mas sem concessões, entre a própria base do petismo.
Mais recentemente, foi correto o abaixo assinado contra o corte no BPC que impulsionaram, mas logo em seguida mostraram seu viés sectário e fracional ao endossar uma campanha de difamação contra a majoritária do PSOL promovida por um assessor. Este, ressentido de ser demitido de um cargo de confiança ao ter chamado abertamente sua liderança de hipócrita, alegava erroneamente que se tratava de um caso de perseguição política.
Conspiracionismos, intrigas, desconfianças, ataques públicos etc. Será que não há motivo algum para eventualmente serem barrados da coordenação dos atos? Chegamos ao absurdo de haver o mesmo assessor que citamos acima criticando Boulos por não ter votado contra o os repasses do Orçamento Secreto sem mesmo dar tempo para que o companheiro apresentasse sua justificativa. Boulos foi um dos proponentes da ação acatada com Flávio Dino contra esses mesmos repasses. O companheiro estava em uma ação política no momento da votação. Por mais que existam críticas justas à majoritária e que os companheiros tenham todo o direito de fazê-las, não podem ultrapassar o limite da honestidade.
Conclusão
Chegamos ao fim deste texto com enormes preocupações. A extrema direita se coloca na ofensiva a nível mundial. O grande império estadunidense é hoje liderado por uma oligarquia de multimilionários abertamente fascistas, cuja principal aliança no Brasil é Eduardo Bolsonaro. O partido neonazista alemão alcançou um número de cadeiras nunca antes visto desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A burguesia brasileira, até então, demonstra resistência a se alinhar completamente a Donald Trump porque reconhece o potencial de sair perdendo. Entretanto, como bem sabemos, essa mesma burguesia não exitará em se apoiar no fascismo mais uma vez, caso não veja outra alternativa.
Para os próximos dois anos, a grande batalha da esquerda será contra a armadilha fiscal imposta pelo Novo Arcabouço (NAF). Simone Tebet e o Centrão já sabem que precisarão espoliar a classe trabalhadora de alguma forma para poderem impedir que as contas públicas alcancem o teto imposto pelo NAF.
Sendo assim, é impossível predizer com certeza quais serão os movimentos da burguesia com relação aos candidatos que apoiarão em 2026. Mas uma coisa é certa: tentarão atacar os pisos constitucionais da Saúde e Educação, além de pressionarem por uma Reforma Administrativa que ataque os direitos dos servidores públicos.
Haddad já sinalizou publicamente que, nesse quesito, está mais alinhado com o Mercado e com a política autodestrutiva do ajuste fiscal do que com a luta de classes. Nesse ínterim, Tarcísio, visto como um técnico e moderado, desponta na conjuntura como uma possível figura para substituir Bolsonaro caso o mesmo abdique do pleito (algo pouco provável mesmo se for preso). Já Lula segue como o único nome na esquerda capaz de vencer qualquer um de seus adversários, mesmo com uma baixa no seu nível de popularidade.
A equação que montamos acima nos permite chegar a uma conclusão óbvia: não serão tempos fáceis para nós. Outra conclusão não tão óbvia, mas central, é perceber como os ensinamentos de Trotsky se mantém atuais, a despeito de tergiversações inúteis. Afinal, Trotsky fundou a Quarta Internacional justamente porque as teses fundacionais da Terceira, como aquelas sobre a Frente Única que citamos acima, já haviam sido abandonadas e o estalinismo falhado em derrotar a ascensão de Hitler.
Mas afinal, o que acontecerá no Brasil em 2026? Uma chapa puro sangue, de esquerda, encabeçada por Lula, seria capaz de vencer as eleições? Gostaria de acreditar que sim. Mas, até lá, é preciso que o governo dê um salto de qualidade. É preciso que Bolsonaro seja preso e que as manifestações de rua consigam barrar a anistia aos golpistas. Isso nos daria tempo.
Caso contrário, talvez não seja prudente tentar uma chapa puro sangue. Seria preciso deslocar setores da burguesia em torno da campanha de Lula, em especial aqueles que já constituem o governo e saíram fortalecidos nas campanhas municipais, como o PSD de Kassab.
Essa é a opção mais arriscada e, infelizmente, a mais provável a ser adotada pela direção do PT, mesmo que Bolsonaro seja preso. Quaisquer setores burgueses que se dispuserem a entrar na chapa de uma próxima candidatura de Lula cobrarão seu preço na hora que a conta do arcabouço chegar. E o PT, caso ganhe as eleições, se verá em uma verdadeira encruzilhada.
Dessa forma, ao contrário do que prega a política do MES, é tempo de sermos os que mais buscam compromissos com o Partido dos Trabalhadores, desde que preservando a independência político-programática do PSOL. Quando Lula ou o PT forem abandonados por seus frágeis aliados burgueses, certamente haverá uma fratura interna no maior partido da América Latina.
Sendo assim, o PSOL não se fragiliza enquanto alternativa quando busca firmar compromissos com o PT. Pelo contrário, ele se fortalece mais e mais. Como bem disse Trotsky, alguns passarão de vez para o lado da burguesia bonapartista ou fascista. Alguns apenas se esconderão envergonhados. Outros ficarão ao lado dos movimentos que ainda preservam sua disposição de luta: o nosso lado. É neste lugar que o PSOL deverá estar. É para isso que o PSOL deve servir.
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