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A ameaça Donald Trump: O Império contra-ataca
Publicado em: 25 de março de 2025
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Coluna Gabriel Santos
Gabriel Santos
Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi
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Coluna Gabriel Santos
Gabriel Santos
Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi
Olustração: Mar Ned- Red Focus
“A diplomacia sem as armas é como a música sem instrumentos”
Otto Von Bismarck
O novo governo Trump marca por definitivo o momento em que vivemos. O de decadência relativa do imperialismo estadunidense e seus sócios, a ascensão da China e do século asiatico, e também do fascismo como resposta da burguesia para, por meio da violência e da guerra, tentar manter o controle Ocidental sobre o globo.
É um momento único no mundo. Onde vemos uma mudança nas regras. A globalização neoliberal, construída e que ditou a ordem internacional de 1980 até os dias atuais, chega ao fim. Esse mundo que desmorona tinha como sustentáculo: 1) Uma tríade imperialista, Estados Unidos, Europa e Japão, o primeiro tendo hegemonia sob os dois últimos. 2) A ideia de um mercado mundial auto regulado e dirigido pelo capital financeiro norte-americano 3) A democracia liberal como ordem política universal 4) O poder militar estadunidense, com sua face mundial sendo a OTAN, intervindo em nome do mercado e da democracia para produzir mudanças de regimes onde fosse necessário.
O mundo pós segunda guerra se desenha para as potências imperialistas sendo definidas pela tríade: Estados Unidos, União Europeia (com seus conflitos internos entre França e Alemanha, mas dirigido por esses dois países), e Japão. As instituições globais, financeiras, econômicas, de segurança, e etc, como o FMI, a OMC, a ONU e a OTAN, respaldam esse controle. Esse mundo acabou.
No momento que a elite política estadunidense, e a grande burguesia do país, assumem o ato de governar junto de Trump, reconhecem o declínio dos Estados Unidos no mundo que eles mesmos criaram. É uma mudança, não apenas na política externa daquele país, mas principalmente em como ele se apresenta para o mundo. Se durante décadas o principal país imperialista utilizou o discurso de buscar universalizar a democracia liberal, está sendo um espelho de seu próprio modelo, agora as coisas serão diferentes.
A burguesia estadunidense reconhece sua incapacidade de estabelecer várias frentes de conflito, e por meio do poder de seu Estado, impulsiona uma economia política mundial a base de sanções, embargos e taxações para enfrentar as pressões competitivas do mercado mundial, no qual não consegue concorrer.
Desde 2015, vemos o cenário político internacional marcado pelo avanço da extrema-direita e chegada desta ao governo em países centrais do sistema capitalista, e também em países chave da periferia do sistema, como Brasil e Argentina. O governo Trump pretende empurrar ainda mais a correlação de forças entre as classes para a direita, ou seja, a favor da burguesia e do imperialismo.
Existe, ainda, uma mudança de qualidade em como os EUA passa a se relacionar com o restante do mundo ocidental. Independente de Democratas ou Republicanos, os Estados Unidos sempre apresentou que ele e países da Europa, ou seja, o Ocidente, estavam unidos por inimigos em comum (primeiro os comunistas, depois os países financiadores do terrorismo), por meio valores como a democracia liberal e liberdade economia, e pelo poder militar via OTAN. Agora, com o novo governo Trump, a democracia liberal é abandonada como um valor universal.
Trump questiona o significado da OTAN como um bloco de mútua defesa, apontando a aliança como um fardo econômico dos EUA, pressionando mais investimentos militares dos países europeus. Essa corrida armamentista na Europa pode levar o mundo para um beco sem saída. A Europa, sem um projeto de desenvolvimento próprio, e subordinada aos EUA na tríade imperialista, embarcou numa guerra contra a Rússia onde ela apenas tinha a perder.
A economia dos principais países europeus entrou em recessão, em especial a da Alemanha. Agora, a França assume o protagonismo no Velho Continente, e toma a vanguarda no armamento para combater um suposto inimigo, a Rússia.
Os EUA, ao abrirem mão do conflito bélico na Ucrânia, colocam para os europeus o dilema de prosseguir uma guerra que em essência vai contra a integração regional e os interesses de uma soberania europeia. A decadência Europeia é algo que se expressa em forma e velocidade muito mais rápido que a de seu parceiro do outro lado do Atlântico. Em nome de ser um porta-voz dos valores ocidentais, os líderes europeus podem dar um passo à frente na corrida armamentista, e atuar ainda mais concretamente na guerra no leste do continente. Um ataque à Rússia seria uma catástrofe, um suícidio político para a União Europeia, e uma ação que colocaria o mundo à beira de uma guerra de proporções inimagináveis.
O governo Trump, pode assumir a vitória militar russa, e disto surgir um acordo de paz. Caso essa hipótese se confirme, com a derrota militar da OTAN no leste, os russos não aceitarão o mundo unipolar com tutela dos EUA. As placas tectônicas terão se movido. Putin pode estabelecer outro grau de relação com o próprio EUA, mas o principal fator será a intensificação da corrida armamentista. Tanto na Europa, como nos EUA e em outras regiões do globo, os países devem aumentar ainda mais o investimento em armamento.
Se no século XIX, a Rússia czarista foi o inimigo externo que organizou para as potências europeias a estratégia militar. Assim também o foi, no século XX, sob a bandeira vermelha. A União Soviética foi o polo que serviu para organizar militarmente e geopoliticamente a armação externa estadunidense. Agora, no século XXI, a Rússia, agora somada a China, se mantém, pelo olhar das potências ocidentais, como aqueles que ameaçam a estabilidade mundial. É no confronto com a China que Trump e a burguesia estadunidense farão o confronto frontal e determinante para a manutenção do domínio Ocidental sobre o globo. Hoje, este combate contra os chineses está se dando no terreno econômico do comércio mundial, porém, nada determina que não haverá mudanças na forma do combate. A paz na Ucrânia será o início e ponto de partida de uma nova corrida armamentista.
A retomada da guerra comercial com a China por parte de Trump pode elevar as tensões entre os dois países, ainda mais se o governo estadunidense seguir apoiando a divisão do gigante asiatico por meio da interferência em Taiwan e Hong Kong. O problema para Trump, é que a China já detém a capacidade sobre toda rede de cadeia industrial de suprimentos: desde microchips e celulares, à qualquer tipo de material de produção de energia. Algo que os EUA expressam forte dependência do mercado internacional.
Hoje, a China se encontra melhor preparada do que no primeiro mandato de Trump. Enquanto os EUA financiaram guerras, a China aprofundou suas relações econômicas com países vizinhos na Ásia, avançou em suas negociações com países africanos e se tornou fundamental na parceria econômica de praticamente todos os países sul americanos. A guerra da Ucrânia serviu ainda para estreitar os laços da aliança sino-russa, os dois países realizam exercícios militares em comum, além de uma série de mesas de negociações bilaterais e já realizam comércio por meio das moedas locais.
Nos quatro anos de Trump podemos assistir uma disputa sem precedentes na competição tecnológica, na área comercial e também militar, entre esses dois países chaves no sistema global. Com o governo chines avançando no processo de construção de alternativas à unipolaridade, apostando em especial no BRICS, e na tentativa de superação do dólar como moeda para o estabelecimento de taxa de câmbio entre os países do bloco. O governo estadunidense não verá de bom olhos o avanço do país asiatico, e utilizará de todas as formas a pressão monetária e a guerra comercial, além de ação militar e desestabilização interna quando necessário em aliados dos chineses.
O palavreado de Trump não é apenas palavras vazias contra o vento, mas é uma ameaça real à integridade e soberania nacional de diversos países, em especial na América Latina. Vimos o mandatário estadunidense jogar sua ira e chantagear com o uso de força contra Panamá, Venezuela, México, Canadá e o território da Groenlândia.
Ao ameaçar anexar a ilha que pertence a Dinamarca, país que faz parte da OTAN, o governo estadunidense tem em mente um mundo que sofre as mudanças climáticas, porém, ao invés de buscar enfrentar as mesmas e ter políticas de transição energética, Trump busca ver com o degelo uma possibilidade econômica, com a abertura daquilo que tem sido chamado de “Rota Polar do Norte”, além de possibilidades de exploração energética e de minerais no território da ilha dinamarquesa.
É as mudanças climáticas que localizam também a ameaça de Trump ao Canadá. O país vizinho sempre foi parte de um desejo estadunidense, agora, a oferta de minérios e petróleo em solo canadenses, são o alvo da ambição de Trump e das empresas petrolíferas.
Na América Central, Trump busca como objetivo afastar a China das grandes vias de comércio global, e da inserção no mercado local. Seja no Panamá, onde teve êxito, após ameaçar retomar militarmente o Canal do Panamá, ou no México, já que o país que faz parte do Nafta, aceitou a instalação de indústrias chinesas no país, permitindo que essa tivessem acesso ao mercado interno estadunidense
Na visão de Trump, os países latinos devem se submeter ao poder dos EUA como se fosse um processo natural, e vai atuar monetariamente para que governos latinos se curvem a política imperialista, além de seguir realizando ameaças militares. Seu governo será um reforço aos movimentos fascistas e de extrema direita em nosso sub continente. Nisso devemos ficar todos atentos.
Podemos ver uma semelhança com a era Reagan, quando nos anos 80 os EUA buscou desestabilizar economicamente países do Sul Global por meio de políticas monetárias, e em seguida oferecendo programas de resgates econômicos para os mesmos, que eram nada mais e nada menos que uma série de reformas neoliberais e acordos de ajuste econômicos com o FMI.
Os países da América Latina sofrerão consequências do protecionismo econômico de Trump. Um efeito desse protecionismo deve se materializar no aumento da inflação e dos juros dentro dos EUA, atraindo investidores estrangeiros, o que no mercado externo, gera uma alta no valor do dólar, ocasionando em especial em economias endividadas, o crescimento da dívida externa e a desvalorização da moeda nacional.
A elevação do preço do dólar não é algo que a esquerda pode ignorar, vide nossa dependência econômica do imperialismo, em especial aos bens de capital. É necessário uma política para enfrentar isto, e neste cenário o governo do Presidente Lula tem sido vacilante. Para superar a armadilha do mercado que chantageia o governo, e se segura no poder da moeda estadunidense, o Brasil precisa redefinir sua política externa e encarar de frente a tarefa histórica de encontrar uma alternativa ao dólar. Nosso governo precisa voltar a apostar no fortalecimento dos BRICS, buscar negociações de investimentos estruturais aos países membros do bloco, e substituir parte significativa de nossas importações.
O Brasil se encontra sob forte pressão político-diplomática, e sob ameaças de extorsão econômica, por parte dos EUA. Políticos e burgueses estadunidenses tramam abertamente contra a nossa soberania nacional, pressionam nossas instituições e ameaçam nossa democracia.
É possível afirmar que nos primeiros anos de seu terceiro mandato, Lula viu o Itamaraty, que em certo sentido tem um grau de autonomia grande, atuar de forma subordinada à política externa dos EUA, numa relação de troca ao Partido Democrata por conta do apoio do mesmo ao governo brasileiro. De forma concreta o Brasil não desenvolveu uma política de integração latino americana, pelo contrário, foi um freio na integração de nossa américa ao eixo geopolítico liderado por China e Rússia. Agora, fracassada a política de supervalorização da ONU e do G20, e também indo por terra a aposta na estratégia democrata, uma mudança de rota de nossa política externa será mais do que necessária, mas determinante para o futuro de nosso país.
Trump é uma ameaça à paz mundial, não somente pela sua figura, e seu papel no mundo. Mas principalmente por ele materializar a decadência da potência imperialista mais poderosa que o modo de produção capitalista conseguiu criar, e mostra com todas as cores, que para manter seu domínio sob o globo, o imperialismo estadunidense e a civilização transatlântica, estarão dispostas a recorrer ao fascismo, a guerras e violência.
A luta pela hegemonia da tríade imperialista no sistema internacional de Estados, em outras palavras a recolonização, é o fator principal que organiza a extrema direita e o fascismo internacional. Como resposta para a crise do capital, parcelas significativas da burguesia de países centrais têm adotado o programa política da extrema direita e do fascismo, a violência como forma de esmagar a classe trabalhadora e ampliar a taxa de juros internamento dentro de suas fronteiras, e no âmbito externo a dominação colonial para combater aqueles que ameaçam o domínio Ocidental.
O novo mandato de Trump deixou claro já para o que veio, impor novas condições do domínio do poder estadunidense sob o mundo.
Nessa conjuntura, onde os Estados Unidos, em ofensiva busca impedir sua decadência, reestabelecer sua hegemonia, e impedir a ascensão chinesa, cabe ver quais serão os próximos passos.
O plano de Trump e da burguesia estadunidense de combater a China dará certo? Qual será a resposta do governo chinês diante das ameaças e ações estadunidenses? Os países do Sul Global conseguirão desafiar o monopólio tecnológico e avançar na constituição de um novo sistema financeiro internacional?
Haverá setores da burguesia europeia que em defesa dos valores democráticos e republicanos vão elaborar um projeto de desenvolvimento próprio para seus países, ou irão embarcar de vez no conflito bélico contra a Rússia? Qual será a consequência da guerra no leste caso a Europa insista em negar a possibilidade de paz?
O governo do Presidente Lula irá conseguir se relocalizar no cenário internacional e ter uma política que amplie a integração da América do Sul ao projeto multipolar, garantindo a autonomia e uma visão própria de nosso lugar no mundo e projeto brasileiro de desenvolvimento?
Como os conflitos geopolíticos irão interferir na luta de classes dentro das diferentes Nações? A esquerda do mundo ocidental será capaz de sair da inércia, romper com o eurocentrismo e construir cordões sanitários contra o fascismo? No Brasil, a esquerda socialista vai avançar no rearmamento programático, estratégico e organizativo, superando a fragmentação, a marginalidade, e conseguindo apoiar a construção de um bloco nacional e popular?
Violentos conflitos internacionais e sociais se anunciam, nenhum de nós pode prever os resultados de antemão. O mundo novo que está se aproximando carrega em sua gestação o pior deste, e contraditoriamente o que há de melhor. A única força que determina qual lado triunfará é a da ação humana na história.
As perguntas para este mundo em transformação são diversas, as respostas muito mais escassas. Com fé, a encontramos nas esquinas da luta de classes. Porém, a certeza é que não podemos desmerecer ou fazer pouco caso da ameaça que Donald Trump e o novo momento do imperialismo estadunidense, são para o Brasil, para a paz e para os povos de todo o planeta.
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