colunistas
Três notas sobre a conjuntura
Publicado em: 19 de março de 2025
Colunistas
Coluna Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Colunistas
Coluna Valerio Arcary
Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Foto: Gilberto Costa/Agência Brasil
1. A manifestação da extrema-direita em Copacabana por anistia, entre vinte ou trinta mil mais radicalizados segundo diferentes avaliações, com quatro governadores, entre eles Tarcísio de São Paulo e Castro do Rio de Janeiro e dezenas de deputados, quase todos bolsonaristas de “carteirinha”, ficou aquém do que já foram capazes, ufa! Mas não se deve concluir, apressadamente, que a influência política do neofascismo encolheu. A previsão da iminência da decisão do Supremo de aceitar a denúncia da PGR e precipitou a decisão. Embora menor, confirmou a disposição de Bolsonaro de continuar disputando as ruas, e apostando que a mobilização é indispensável para atrair apoio na maioria do Centrão para o projeto de uma anistia preventiva antes de uma condenação no julgamento do Supremo. Esse desenlace é muito improvável, mas a movimentação ajuda a manter posições e ajuda na “redução de danos” ou acumulação de forças. A estratégia de Bolsonaro passa por uma campanha nos EUA de denúncia da “perseguição” de Alexandre de Moraes, pressão dos governadores sobre o Congresso Nacional em defesa de uma “pacificação” reconciliadora, ativismo nas redes sociais onde são beneficiados pelo impulso da arquitetura dos algoritmos dominados pelas big techs, mas não despreza a mobilização, e já anunciaram convocação para abril em São Paulo e Belo Horizonte. Subestimar ou pior desdenhar o perigo que representam seria imperdoável. Os três acontecimentos mais importantes dos últimos seis meses foram todos uma evolução desfavorável: a derrota da esquerda nas eleições municipais de outubro, a vitória de Trump nos EUA em novembro, e a contínua queda de aprovação do governo Lula em sucessivas pesquisas. Tudo muito ruim. A extrema-direita é a força política mais poderosa na oposição, e seria irresponsável diminuir o lugar que ocupam, depois de tudo que aconteceu, inclusive o plano “punhal verde e amarelo”. Bolsonaro inelegível reafirmou em Copacabana que será candidato em 2026 até o último momento. Ninguém deveria desconsiderar sua capacidade de transferência de votos para um substituto de última hora, como Tarcísio ou outro que, eventualmente, possa agregar apoios até maiores na direita ultraliberal contra Lula. O desfecho das eleições de 2026 permanece totalmente, imprevisível.
2. O caminho da luta política no Brasil é sinuoso e até labiríntico, cheio de curvas, subidas e descidas, nunca é uma linha reta. A maioria da direção do PT esperou que a exasperação e fadiga do governo de extrema-direita seria o suficiente para Lula derrotá-lo em 2022. Fez a aposta em uma lenta paciência. Venceu, mas foi por pouco. Desde a posse, o governo Lula, por uma inusitada combinação de excesso de prudência e confiança, perdeu várias oportunidades. Dispensou uma resposta de massas à semi-insurreição em janeiro de 2023, voltou a ignorar a extrema-direita quando da revelação do “punhal verde e amarelo”, tropeçou no PIX, subestimou a inflação dos alimentos em função da pressão dos exportadores, e abraça agora a estratégia de que uma boa gestão através de “entregas” será suficiente para vencer em 2026. Quer governar a “frio”, ao contrário de Cláudia Sheinbaum no Mexico ou Gustavo Petro na Colômbia, que incendeiam as camadas populares com iniciativas de mobilizações corajosas, embora defensivas. Bolsonaro não agirá assim: uma tática quietista de espera. O bolsonarismo é uma corrente de “combate” contrarrevolucionária. A extrema-direita conhece a “patologia” de sua base social. Vai continuar chamando mobilizações. Aposta em uma “ofensiva permanente”. Uma sociedade tão desigual se preserva porque aqueles com privilégios materiais e culturais lutam, furiosamente, quando necessário para defendê-los. Bolsonaro conhece a prepotência da nova geração burguesa à frente do agronegócio que acumula rancores socioculturais contra o mundo mais cosmopolita das grandes cidades que os despreza como brutos machistas e negacionistas do aquecimento global. Conhece a arrogância de uma parcela das camadas médias envenenada pelo ódio racista, homofóbico, e pela perda de prestígio social. Conhece a desconfiança e rancores anti-intelectuais inflamada pelas igrejas-empresas neopentecostais. Explora os ressentimentos acumulados entre parcelas dos remediados contra os muito pobres. Sem mudanças sérias na experiência de vida dos trabalhadores – aumento de salários, empregos decentes, educação de qualidade, SUS mais forte, acesso à casa própria – será muito difícil Lula vencer em 2026. Derrotar o bolsonarismo exige disposição de luta, habilidade para manobras táticas, audácia para giros, coragem para ardis, disposição para confrontos, constância e contenção para ganhar tempo, e depois um novo giro e medição de forças. E uma incansável luta ideológica em que o papel de Lula é insubstituível. Mas, até agora, o governo fez, essencialmente, contemporizações. Apostou na “pacificação”. Poucos passos em frente, e depois muitos passos para trás. A nomeação de Gleisi Hoffman é alentadora, mas trocar lideranças no ministério, se a tática de giro ao centro não mudar não será o bastante. O governo acerta quando afirma o compromisso com o MST e a reforma agrária, quando anuncia a isenção do imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais, ou quando defende o fim da jornada 6×1, mas erra quando não se apoia na mobilização, nem sequer pelo Sem Anistia, para não lembrar do 1º de maio. Não aprendemos nada com a vitória de Milei na Argentina, e de Trump nos EUA? Evidentemente, seria ingênuo imaginar que as dificuldades de mobilização se explicam somente por esta inércia do governo.
3. Ainda que o papel de Lula como agitador popular seja insubstituível, é evidente que a disposição de luta entre os trabalhadores e a juventude é pequena, o que nos remete a avaliações históricas críticas incontornáveis. Mas é assim, e isso conta. Portanto, os três cenários para 2026 – favoritismo de Lula, eleição em disputa acirrada ou favoritismo da oposição- dependem de tantos fatores que não é possível fazer um cálculo de probabilidades com antecedência. É imprevisível, e reconhece-lo já é por si mesmo perturbador. Só que uma análise marxista não pode perder o sentido das proporções. O neofascismo é uma corrente internacional e estão em uma ofensiva. Não se pode explicar como uma coincidência a força simultânea de Donald Trump nos EUA, de Marine Le Pen na França, de Giorgia Meloni na Itália, de Santiago Abascal no Estado Espanhol, de André Ventura em Portugal e Javier Milei na Argentina. As condições de crise do capitalismo e da supremacia da Tríade impulsionaram uma fração das classes dominantes a abraçar uma estratégia liberal de choque frontal: o neofascismo do século XXI. Mas a forma concreta que assumiu a extrema-direita no Brasil dependeu muito do carisma de Bolsonaro. Bolsonaro é tosco, bruto, intempestivo, mas não é um idiota. Bolsonaro não tem muita instrução ou repertório, mas é astuto e velhaco. Se vier a ser condenado e preso, o que é possível, sua autoridade irá diminuir. Este deveria ser o centro da tática da esquerda: sem anistia, punição de todos os golpistas, cadeia para Bolsonaro. Ao mesmo tempo é importante reconhecer que a inelegibilidade de Bolsonaro não deixa a extrema-direita acéfala. Ao contrário, eles estão em condições melhores para substituir Bolsonaro do que a esquerda para substituir Lula. Nada foi ainda decidido. Esse é o drama que vivemos e não é só miopia, é pura “cegueira ideológica” a posição de uma parcela da esquerda radical que insiste na estratégia de se afirmar em oposição ao governo Lula. O projeto do governo Lula é mais do que limitado: mantém de pé o tripé do câmbio flutuante, da meta de inflação e busca de superávit fiscal, titubeia diante da pressão do agronegócio, vacila diante da alta oficialidade das Força Armadas, e muito mais. Mas não há qualquer possibilidade de ser “ultrapassado” pela esquerda. Não é possível, porque não estamos diante de uma “onda de ascenso” das lutas operárias e populares. O “termômetro” da luta de classes confirma não nos favorece. A alternativa real, no marco de uma relação de forças defensiva, é a extrema-direita. Uma derrota de Lula não seria somente uma derrota eleitoral do PT, mas uma derrota política de todos os movimentos sociais.
>> Leia também: Bolsonaro fracassou em Copacabana. Sem anistia para golpistas!
Top 5 da semana

mundo
Notícias da França: excelentes resultados da lista popular de Philippe Poutou, em Bordeaux
brasil
Editorial de O Globo ataca funcionalismo e cobra reforma administrativa
colunistas
Bolsonarismo tem uma estratégia clara
cultura