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A festa das Comunidades Terapêuticas no DF e a defesa do indefensável
Publicado em: 15 de março de 2025
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Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
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Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Foto: Radis
por Pedro Henrique Antunes da Costa
Nesta quarta-feira, 12 de março, foi lançada a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas da Câmara Legislativa do Distrito Federal. A Frente é encabeçada pelo deputado Pastor Daniel de Castro (PP), sendo também composta pelos deputados Pepa (PP), Rogério Morro da Cruz (PRD), Joaquim Roriz Neto (PL), Robério Negreiros (PSD), Paula Belmonte (Cidadania) e Wellington Luiz (MDB). Segundo seu estatuto, ela objetiva “atuar em defesa das Comunidades Terapêuticas que prestam serviços de acolhimento, em regime residencial, temporário e exclusivamente voluntário, a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
A referida Frente é lançada dias depois do lançamento do Observatório de Violência das Comunidades Terapêuticas, pelo grupo Saúde Mental e Militância no DF da Universidade de Brasília, e que identificou 251 denúncias de violências e violações de direitos das CTs no país só no ano de 2023, a partir do levantamento de notícias e reportagens. E sabe-se que tal número é bastante subestimado, por conta do próprio caráter asilar-manicomial das CTs que, ao segregar as pessoas, esconde também a sua violência por meio de seus muros físicos e simbólicos.
Muito tem sido dito na literatura acadêmica e por inúmeras iniciativas de inspeção e fiscalização, quanto ao caráter asilar-manicomial das CTs e sobre como elas têm configurado alguns dos principais retrocessos na Reforma Psiquiátrica brasileira e no SUS (1). Pautadas também em princípios coercitivos-disciplinares e na violência religiosa, as CTs têm sido denunciadas como uma síntese de manicômios, prisões, igrejas e senzalas – até porque se volta majoritariamente a pessoas negras e pobres, submetendo-as inclusive a trabalho forçado, não pago em condições degradantes, ou seja, a condições análogas à escravidão.
Infelizmente, nada disso tem sido suficiente para conter o avanço das CTs sobre as políticas e sobre o fundo público. Pelo contrário, o que tem acontecido é o aumento de força destas instituições, inclusive com espaços cada vez maiores dentro do aparato estatal e com apropriação cada vez mais substantiva do fundo público. De maneira bastante didática, o avanço das CTs diz da aliança conservadora e fundamentalista com o desmonte das políticas sociais nas especificidades da saúde mental, álcool e outras drogas.
Vejamos, rapidamente, o caso do Distrito Federal (DF). Em consulta ao Portal da Transparência do Distrito Federal sobre o Fundo Antidrogas (FUNPAD) do DF, realizada no dia 11 de março de 2025, constatamos que 11 CTs receberam um montante de R$3.116.968,82 no ano de 2023. A Tabela 1 apresenta as CTs e os respectivos valores recebidos por elas.
Tabela 1: CTs que receberam verba do FUNPAD em 2023 e seus valores
Comunidade Terapêutica | Valor pago (R$) |
Desafio Jovem de Brasília | 287.500,00 |
Associação Beneficente Caverna de Adulão | 526.362,15 |
Instituto Abba Pai | 287.500,00 |
Instituto de Reabilitação da Unidade das Políticas Públicas e Estatísticas (IRUPPE) | 149.500,00 |
Projeto Criação de Deus | 322.000,00 |
Associação para Aux. à Mat. Inf. e à Adolesc. | 172.500,00 |
Instituto de Educação e Assistência Social Crescer | 430.577,52 |
Instituto Maanaim | 103.500,00 |
Rav – Renovando A Vida | 230.000,00 |
ONG – Salve a Si | 350.000,00 |
Despertai Comunidade Terapêutica | 257.529,15 |
Total | 3.116.968,82 |
Fonte: elaborado pelo autor, com dados do Portal da Transparência do DF.
A média de repasse no ano foi de R$283 mil para cada CT, com uma média mensal de mais de R$23 mil. Considerando que cada CT recebe R$1 mil por vaga, isso significa que o CONEN, via FUNPAD, financiou uma média aproximada de 23 vagas por mês e 283 por ano nas 11 CTs.
A segunda CT que mais recebeu verbas do FUNPAD em 2023 foi a ONG Salve a Si. Durante o mesmo ano, ela foi alvo de inúmeras denúncias, resultando em uma decisão do Tribunal de Contas do DF (TC-DF) em agosto para que fosse paralisado o seu financiamento público via FUNPAD. Ou seja, mesmo que o seu financiamento pelo CONEN tenha sido descontinuado pela decisão do TC-DF, até então, as irregularidades encontradas nela e violências cometidas por ela foram financiadas pelo CONEN e, em extensão pelo GDF.
No início de 2024, a Salve a Si, que posteriormente mudou seu nome para Instituto Eu Sou, foi alvo de uma inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Nela, foram encontrados diversos indícios de violações de direitos, ilegalidades e crimes, tais como: falta de Planos Individuais de Atendimento; guarda e estoque de medicamentos sem receita médica; administração de medicações por profissionais não habilitados e sem prescrição médica; indícios da prática do crime de cárcere privado, com restrição de contato externo e de acesso a meios de comunicação e do direito de ir e vir; apropriação de bens e recursos de pessoas acolhidas pela instituição, como o Bolsa Família; coação psicológica de acolhidos para induzir sua permanência e adesão ao programa da CT.
A mesma Salve a Si já tinha sido alvo de inspeção e fiscalização pelo MNPCT e outras entidades federais em 2017, junto de outra CT, a Caverna do Adulão. Essa iniciativa também tinha encontrado inúmeros indícios de violações de direitos e irregularidades. Ou seja, nem mesmo as inspeções e fiscalizações de órgãos estatais têm sido suficientes para deter o avanço e a festa das CTs nas políticas, muito menos para fechá-las.
Quanto ao ano de 2024, na mesma consulta ao Portal da Transparência do DF sobre o FUNPAD, constatou-se três rubricas, a saber: despesas por ação; contratos; e convênios de despesa. Quanto à primeira, temos os valores repassados diretamente às CTs contratadas via CONEN, bem como despesas de pessoal (diárias, passagens etc.). A Tabela 2 discrimina as CTs que receberam verba do FUNPAD em 2024, bem como os valores recebidos.
Tabela 2: CTs que receberam verba do FUNPAD em 2024 e seus valores
Comunidade Terapêutica | Valor pago (R$) |
Centro de Reintegração Deus Proverá | 882.000,00* |
Desafio Jovem de Brasília | 225.627,60 |
Despertai-Comunidade Terapêutica | 121.356,67 |
Instituto Abba Pai | 229.687,50 |
Instituto de Reabilitação da Unidade das Políticas Públicas e Estatísticas (IRUPPE) | 203.309,16 |
Total | 1.661.980,93 |
* Considerar neste valor R$36.750,00 de um Termo Aditivo de 2023, mas que foi pago em 2024.
Fonte: elaborado pelo autor, com dados do Portal da Transparência do DF.
Cinco CTs receberam um montante de R$1.661.980,93. Cabe negritar a discrepância encontrada entre os valores recebidos pelo Centro de Reintegração Deus Proverá e o das outras quatro CTs.
Quanto à diminuição nos valores repassados de 2024 para 2023 e no número de CTs contempladas, é importante sinalizar que, considerando o caráter privado e asilar-manicomial destas instituições, o ideal é que elas não recebam financiamento público e não “apenas” que este repasse diminua. Grosso modo, o ideal de financiamento público às CTs é zero, ainda mais considerando que o DF só possui uma Unidade de Acolhimento para adultos e sete Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPSad), sendo que destes apenas dois são do tipo III, funcionando 24h, durante fins de semana e feriado e com leitos para acolhimento noturno. Mencionamos somente estes dois serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) por serem os dois especializados na assistência às pessoas com necessidades atreladas ao consumo problemático de drogas. Mas a RAPS como um todo no DF é bastante deficitária, com serviços e profissionais em quantidade insuficiente, condições precárias de trabalho e assistência e baixos índices de cobertura.
Logo, o financiamento público das CTs, ao invés de sanar lacunas assistenciais, tende a aprofundá-las, ao destinar para tais instituições fatias do fundo público que deveriam ser orientadas para o fortalecimento e a ampliação dos serviços públicos e não manicomiais da RAPS. Soma-se a isto a chancela de um estado que formalmente é laico a instituições majoritariamente religiosas e que se pautam na compulsoriedade de se professar a sua fé, violentando a liberdade de escolha e de crença das pessoas internadas. Além disso, ao fortalecer as CTs e o que elas significam e implicam, o CONEN, via FUNPAD, acaba também por deslegitimar os serviços e propostas calcados no modelo psicossocial, no cuidado em liberdade, realmente comunitários. Nisso, enfraquece a Reforma Psiquiátrica no DF e, em extensão, o próprio SUS.
Além disso, a referida queda no repasse dos valores só pode ser mais bem compreendida se também se analisa a rubrica dos contratos. Nela, consta que foram firmados contratos de cinco anos (2024-2028), nos valores de R$1 milhão e meio anuais com as seguintes CTs: Desafio Jovem de Brasília; Despertai Comunidade Terapêutica; Instituto Abba Pai; Associação de Proteção à Maternidade à Infância e à Adolescência; Instituto de Reabilitação da Unidade das Políticas Públicas e Estatísticas (IRUPPE). Ao todo, serão R$7 milhões e meio, referentes a 25 vagas mensais nas respectivas CTs. Por ano, cada CT ganhará R$300 mil, sendo R$25 mil por mês. Estes contratos têm como início os meses de maio, junho e agosto.
Ou seja, ao invés de cinco, são seis as CTs contempladas pelo FUNPAD no ano de 2024, por mais que o empenho e o pagamento possam ocorrer apenas em 2025 ou em anos posteriores. Por fim, ainda houve o pagamento de um repasse à Associação Beneficente Caverna do Adulão, no valor de R$3 milhões, referente a um convênio celebrado no ano de 2018, aumentando para sete o número de CTs contempladas pelo FUNPAD em 2024.
Em consonância com o Relatório de Gestão de 2023 do DF e com as supracitadas buscas no Portal da Transparência, tanto em 2023 quanto 2024, o CONEN destinou os recursos do FUNPAD somente para CTs. Nenhuma outra modalidade de serviço ou instituição, mesmo público, recebeu verbas do FUNPAD no período analisado. Esse é o modus operandi do CONEN desde pelo menos 2012, conforme constatado em estudo anterior. Ou seja, novamente podemos afirmar que a razão de ser do CONEN é repassar fatias de um fundo público para CTs. Em suma, a razão de ser do CONEN continua a ser financiar, com verbas públicas, as CTs do DF e entorno. O CONEN continua a ser um conselho para e das CTs, operando um controle social às avessas: o controle das CTs sobre o fundo público do DF, mais especificamente o FUNPAD, e, em extensão das políticas sobre drogas (ou antidrogas).
É neste contexto que a referida Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas surge. Para defender o que é indefensável e que nem carece de (mais) defesa, pois já vem sendo amplamente defendido – não só no DF, mas no Brasil todo. Sugerimos aos parlamentares da referida Frente que, se realmente se preocupam com a assistência para pessoas com necessidades associadas ao consumo problemático de drogas, que comecem atuando para que o financiamento público destinado às CTs seja revertido para os serviços substitutivos da RAPS, do SUS, e que comecem a combater quaisquer instituições manicomiais no DF, como é o caso das CTs.
Pelo fim do financiamento público das CTs!
Pelo fechamento das CTs!
Pelo fim de qualquer manicômio!
Pedro Henrique Antunes da Costa é Professor de Psicologia na UnB. Resistência/DF.
Notas
1 Ver, por exemplo, o “Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas” (2018): https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/06/Relatorio-da-inspecao-nacional-em-comunidades-terapeuticas_web.pdf.
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