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Precisamos nos questionar do porquê existe um desmonte da educação no nosso país


Publicado em: 6 de março de 2025

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Isabelle, do Afronte Suzano (SP)

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Ao longo do ano de 2024, estudantes e o corpo docente enfrentaram diversos ataques e sentiram na pele a violência da polícia do Estado de São Paulo ao se posicionarem contra e questionarem o governador sobre as políticas aplicadas à educação. A educação, sendo um dos pilares mais importantes na formação de um cidadão e um direito básico, frequentemente suscita a reflexão sobre os motivos por trás de sua precarização proposital. Por que essas ações seriam intencionais? Quem se beneficia com isso, e o que se ganha exatamente? É essencial questionar o motivo do desmonte da educação em nosso país e compreender os interesses que sustentam esse projeto, para entender no cerne a luta estudantil. Essa é minha intenção ao longo desse texto, como estudante recém-formada no Ensino Médio de uma escola pública, trazer alguns pontos que talvez ajudem na compreensão desse tema. 

Tarcísio Inimigo da Educação

O ano de 2024 chegou ao fim, e, com isso, cabe a nós relembrar e fazer uma breve recapitulação, ou até mesmo uma retrospectiva, dos inúmeros ataques cometidos pelo governador Tarcísio de Freitas, direcionados de forma explícita a diversos serviços públicos, especialmente à educação. Assim, para começar, apresentamos os principais acontecimentos deste ano em uma linha do tempo, de forma a compreender o desenrolar dos fatos:

21/05 – Projeto das Escolas Cívico-Militares aprovado na ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo). Estudantes foram agredidos e sete presos por policiais militares do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP) ao se manifestarem contra o projeto.

23/05 – Anúncio do leilão de escolas públicas, incluindo a construção e gestão de 33 novas escolas por meio de PPP (Parceria Público-Privada), com concessão administrativa de 25 anos. Também foram planejadas PPPs para reforma e manutenção de 147 escolas existentes. Os leilões ocorreram em 29/10 e 04/11.

→ 33 escolas foram entregues à iniciativa privada, sendo a empresa Engeform Concessões vencedora do primeiro lote de 17 escolas, a mesma que administra sete cemitérios da capital paulista e que aumentou absurdamente o valor do serviço popular em 500%.

27/11 – PEC 09 aprovada na ALESP, retirando quase 10 bilhões de reais da educação e reduzindo o investimento mínimo constitucional de 30% para 25%.

→ Ciências Humanas perdem 35% da carga horária no Ensino Médio de SP. Em 2025, os estudantes da rede estadual terão 466,7 horas de aulas das disciplinas de Ciências Humanas, carga horária menor que a de 2024 — que era de 480 horas. Em 2020, antes da reforma do Ensino Médio, eram 720 horas.

Os planos de ataque de Tarcísio à educação pública paulista não terminam aqui. Se analisarmos desde o início de seu mandato até mesmo os planos para 2025/2026, encontraremos ainda mais absurdos, contínuos e sem precedentes. Contudo, os ataques violentos à comunidade estudantil e docente não são de agora. Voltando ao ano de 2023, lembramos dos debates e manifestações contra o Novo Ensino Médio (NEM), decorrente das contrarreformas do governo Temer e implementado no governo Bolsonaro. Podemos recuar até 2018 e relembrar as lutas contra o Projeto Escola Sem Partido, além do protagonismo e da resistência dos estudantes secundaristas no período de 2015 e de 2016, que ocuparam mais de 200 escolas em resposta às políticas de ataque à educação do ex-governador Geraldo Alckmin na chamada “primavera secundarista”. Nesse sentido, é inquestionável que a educação sempre foi um alvo direto, frequentemente cercado por violência policial contra aqueles que a defendem e lideram as lutas por sua valorização.

Violência a olho nu e escancarada 

Em conjunto com esses ataques, como forma de repressão popular pelo Estado pelo governo de Tarcísio, tivemos como sua principal ferramenta a polícia militar, seu batalhão e cavalaria. A contenção de manifestações públicas foi marcada por extrema violência: além do uso de bombas de gás, as agressões físicas estiveram mais que presentes. Sete estudantes foram presos durante protestos que ocorreram na ALESP, contra o projeto de lei de implementação das Escolas Cívico-Militares. Essas prisões e agressões brutais ocorreram contra estudantes completamente desarmados, sendo isso realizado pela BAEP – o Batalhão de Ações Especiais de Polícia Militar do estado. Os estudantes foram impedidos e expulsos de se opor livremente sobre questões que nos afligem diariamente e diretamente, sendo negada a devida participação no debate na própria ALESP. No dia 04/11, uma manifestação pacífica contra o leilão de mais um lote de escolas públicas estaduais foi reprimida. A ação covarde e truculenta da polícia militar do governo evidenciou, mais uma vez, o desprezo pela opinião de quem é diretamente impactado pelas políticas aplicadas à educação pública.

Podemos saber dos ataques cometidos mas realmente compreendemos o porquê dessa violência?   

 Ao nos depararmos com toda essa violência policial e a repressão extrema contra estudantes e docentes desarmados exercendo apenas o seu direito democrático de manifestação de oposição a políticas que nos dizem respeito, é fácil identificar a violência e os ataques com  projetos de sucateamento. Mas, para além disso, quais são os interesses que estão por trás dessas políticas? Para isso, precisamos voltar um pouco no tempo e nos lembrarmos da história de formação que estruturou a base da sociedade brasileira. Não há como falar da sociedade brasileira hoje sem abordar o processo de colonização, sem focar na realidade material do país, sem narrar pela ferida. 

A (des)educação antes de 1988

Para entendermos o porquê de toda brutalidade contra manifestantes inocentes, das políticas de ataque e sucateamento, das tentativas de calar a voz de quem é oprimido e de toda a violência que vemos e vivemos cotidianamente — e aqui não se trata somente da educação pública —, é preciso entender e relembrar que o Brasil se estrutura sob uma colonização europeia de Portugal, sob a escravidão de povos africanos, sob o genocídio de povos indígenas, sob a imposição de uma doutrina política-cultural, fundamentalista religiosa e patriarcal, sob o estupro, o racismo, fatores esses importantes para o sustento do imperialismo e colonialismo. A educação era privada para uma pequena parcela da sociedade, para uma classe: a classe dominante, a elite burguesa colonial do país. Nessa época em que as famílias mais ricas do Brasil eram contrabandistas de pessoas escravizadas. A grande massa era composta por pobres, escravizados e indígenas, cujo saber foi interrompido pela imposição da catequização. Não tinham acesso à educação, pois esta era privada no país, e o ensino religioso, mesmo após a expulsão dos jesuítas em 1759, com as reformas pombalinas. Uma pequena parcela da população só obteve acesso a uma instrução primária (ou seja, uma alfabetização) e gratuita no final do período imperial (1822-1889), enquanto o ensino secundário e superior profissionalizante permanecia um privilégio dos filhos da elite. A educação permaneceu inerte para poucos para que a ordem que se estabelecia continuasse a reinar. 

Educação pós constituição de 1988 

Após a Constituição de 1988, a educação no Brasil passou a ser reconhecida como um direito de todos e dever do Estado. A nova Carta Magna estabeleceu a universalização do ensino fundamental, gratuito e obrigatório, além da valorização dos profissionais da educação. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, houve a regulamentação do sistema educacional, promovendo a inclusão e a democratização do acesso à escola.

No momento em que surge uma constituição que diz que todas as pessoas, sem exceções deveriam ter acesso gratuito com obrigatoriedade à uma educação pública, e as pessoas socialmente excluídas por questões históricas começam a ocupar minimamente os  espaços que antes não lhe eram dados, quando existe a possibilidade de questionar e discutir questões de gênero e sexualidade, racismo, suas condições socioeconômicas, quando se começa a exigir um sistema que garanta o acesso às universidades e inclusão como às cotas raciais, com um ensino publico de qualidade, e se inicia o questionamento sobre os interesses da elite e várias questões que envolvem a realidade material, ocorre uma luta política para garantia e permanência desses direitos. 

A elite brasileira de hoje é herdeira de famílias que, gerações atrás, traficavam pessoas, acumulando uma dívida histórica e riquezas construídas sobre a morte e a lógica imperialista-capitalista. É preciso entender que a estrutura mudou pouco, que o Brasil nunca foi um país de democracia racial, e que há um ódio evidente contra as populações periféricas, pobres, faveladas e marginalizadas — em sua maioria negras — que foram empurradas para as margens da sociedade, as periferias e os subúrbios. Essa grande massa populacional serve para girar as engrenagens do capitalismo e atender aos interesses da elite, sob a lógica dominante do capital. 

Escolas Cívico-Militares e o Controle em massa, um meio técnico e prático da imposição de uma ideologia fascista

O projeto de escolas Cívico-Militares foi a grande proposta do Tarcísio com apoio do secretário da educação – Renato Feder, que estava no mesmo cargo quando o governador Ratinho Junior (PSD) sancionou a lei do programa colégio cívico militar no Paraná em 2022. O governador passou a prometer o modelo em São Paulo depois que o governo Lula anunciou, em julho de 2023, o fim do programa nacional de escolas cívico-militares criado por Bolsonaro. Esse projeto tem como intuito a parceria entre a polícia militar e a Seduc, com a ideia de uma suposta separação entre a atuação dos militares em atividades extracurriculares de natureza militar, e a administração pedagógica permanecendo como responsabilidade da Seduc – Secretaria da Educação, a ideia central é de trazer policiais militares aposentados para desenvolver projetos para trabalhar assuntos como “direitos e deveres do cidadão” e ética de valores e civismo, recebendo um adicional de até R$6.034, valor esse que é 13% maior ao piso salarial dos professores de SP. No mês de agosto de 2024 foi determinado a suspensão da lei que criou as escolas cívico-militares atendendo o pedido da APEOESP  para que o STF julgasse a ação que questionou a constitucionalidade do modelo, apresentada pelo PSOL que ingressou com uma ADI ( ação direta de inconstitucionalidade), a oposição ao projeto tratando de inconstitucional parte do fato de que a militarização de uma escola civil não está presente na LDB – Lei de diretrizes e bases da educação. O governador ainda pretendia selecionar 45 escolas para serem as primeiras a adotar o modelo ainda em 2025 mas devida a todas às polêmicas no julgamento do modelo pelo STF foi adiado para 2026. 

O projeto é apresentado como garantidor da melhoria da qualidade de ensino, de mais segurança, e de formar melhor os valores, e o aprendizado civil do jovem cidadão. Mas quando analisadas podemos notar que não é bem assim. Ter militar dentro da escola não é determinante para a melhoria da qualidade de ensino, e sim investimento, a sensação de segurança pode ser real do lado externo da instituição mas a violência é transferida para o interior onde a negação às diferenças de expressão e diversidade do indivíduo é atacada e violentada, uma educação única para somente obedecer e cumprir ordens não é valor de conduta e aprendizado, é repressão. O projeto da ECM, evidenciou o cerne dos intuitos por detrás dos sucateamentos e precarização e o porquê da escola pública e os professores sempre serem os inimigos principal em tempos que o fascismo surge como o lado cru do capitalismo. 

Desmonte como Projeto  

A educação pública nunca esteve tão abatida. O que temos hoje é um ensino completamente sucateado, com jornadas exaustivas, conteúdos obrigatórios superficiais e itinerários formativos totalmente inúteis, que intensificam as desigualdades e reduzem ainda mais as chances de estudantes da rede pública ingressarem em universidades e no ensino superior. Professores enfrentam salas cada vez mais lotadas, além de estarem exaustos e engessados pela plataformização de suas disciplinas. A infraestrutura das escolas está cada vez mais deteriorada, a ponto de representar um risco para estudantes, professores e funcionários. O ensino público hoje é inteiramente moldado pela ideologia neoliberal: vendido, mecanizado e amordaçado. A capacidade de pensar criticamente, tanto de alunos quanto de professores, está cada vez mais comprometida, enquanto os casos de problemas de saúde mental entre docentes aumentaram significativamente. Nesse cenário, cortes bilionários no orçamento da educação são realizados, leilões de escolas públicas para empresas privadas ocorrem e a implementação de Escolas Cívico-Militares é aceita em diversas escolas públicas sem que a população, alunos, responsáveis e professores sequer sejam informados, entendam o processo ou participem das decisões.

Esse combo de projetos de deterioração – Escolas Cívico-Militares, Corte de gastos e investimentos públicos e a privatização. É um dos maiores perigos que precisamos nos unir para barrar nesse período porque essa educação apresentada tem explicitamente um caráter ideológico, faz parte do projeto de desmonte da educação brasileira que as escolas sejam controladas, militarizadas, privatizadas, que os alunos que gritam por educação sejam expulsos, que se tenha um modelo que impõe uma disciplina, uma ordem e que quem não se encaixa nesse modelo (periférico, preto, LGBT, deficiente físico ou cognitivo, neurodivergentes), não sirva pra escola pública, cabe a eles fazerem isso por que sabem que a escola que funciona nesse país tem a capacidade de desmontar, desnaturalizar e impedir a conservação da estrutura da sociedade brasileira que é racista, machista, lgbtfobica, misógina, que é socialmente e economicamente desigual, portanto precisam implementar uma forma eficaz como a militarização das escolas, precisam controlar nossos corpos, nossas mentes, o que aprendemos, o que ensinamos. Precisam evitar que a escola pública funcione com qualidade e eficiência porque sabem que isso implicaria na derrubada do sistema conservador elitista do Brasil, por que mexemos com a estrutura desse país . O foco em uma formação mais técnica e instrumental, aliado à exclusão do pensamento crítico e o distanciamento da população das decisões educacionais. A privatização e os cortes de investimento, aliados à repressão das manifestações estudantis, também refletem a mesma lógica de controle social que era feita na política educacional durante a ditadura no Brasil. 

A essencial resistência estudantil no enfrentamento às repressões reacionárias

2025 é um ano decisivo para a política brasileira, a vitória de Trump nos Estados Unidos, impacta diretamente no fortalecimento e organização da extrema-direita no Brasil e tendo em vista que ano que vem haverá as eleições presidenciais e a extrema-direita vem crescendo e o seu fortalecimento já não está presente somente no campo institucional e parlamentar, mas também na mobilização de massas. Com isso, se agarrar às organizações que constroem o movimento social, colocar em prática sua agenda de lutas para os desafios de enfrentamento desse ano e a política de atuação conjunta e unificada do movimento estudantil  demonstrando sua força nas ruas é extremamente importante nesse período. 

Sabemos que, quando as massas se organizam em milhões, unidas pela consciência de luta, elas quebram as barreiras e correntes de contenção. Não há força que se iguale a esmagadora maioria, não há força que contenha a determinação dos movimentos sociais quando lutam juntos por uma mesma causa. O medo da consciência da base tenciona o topo, tenciona a extrema-direita. Ainda que não conseguimos nos somar aos milhões nesse momento, tentar se igualar ao máximo a isso já tensiona as forças de opressão. Se quisermos evitar uma vitória trágica do projeto da extrema-direita no país no próximo ano, precisamos unir as nossas forças pelo o que nos une, e aplicar a política correta neste momento é crucial para disputar com eficácia a consciência perdida no encanto do discurso neofacista e fundamentalista evangélico. Ainda que mesmo com isso não há a garantia de barrar a direita voltar a posse do país , sem a união certamente não haverá meios de força para o enfrentamento, a derrota será certeira. Sejamos realistas, organizemos nossa política e nossas linhas de força para contra-atacar esse sistema que busca manter privilégios.

REFERÊNCIAS

https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/educacao-o-novo-fascismo-com-velhas-taticas/

https://www.parceriaseminvestimentos.sp.gov.br/projeto-qualificado/ppp-educacao-novas-escolas/#:~:text=O%20projeto%20Novas%20Escolas%2C%20qualificado,apenas%20servi%C3%A7os%20n%C3%A3o%2Dpedag%C3%B3gicos

https://iclnoticias.com.br/bandeira-bolsonarista-escola-civico-militar/

https://iclnoticias.com.br/pm-agride-estudantes-votacao-escolas-militares/

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/08/desempenho-do-ensino-medio-de-sp-recua-e-e-menor-do-que-antes-da-pandemia.shtml

Empresa vencedora de leilão de construção de escolas públicas de SP também comanda sete cemitérios da capital paulista | São Paulo | G1 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/10/29/empresa-vencedora-de-leilao-de-construcao-de-escolas-publicas-de-sp-tambem-comanda-sete-cemiterios-da-capital-paulista.ghtml

https://ibetp.com.br/glossario/como-era-a-educacao-antes-da-constituicao-de-1988/

https://www.brasildefato.com.br/2024/12/26/escolas-civico-militares-corte-no-orcamento-e-privatizacao-da-gestao-tarcisio-fragiliza-a-educacao-em-sao-paulo-dizem-especialistas

https://ponte.org/por-que-disciplina-de-escolas-civico-militares-prejudica-o-seu-filho-entenda/

https://iclnoticias.com.br/escolas-de-sao-paulo-perdera-carga-horaria/

https://iclnoticias.com.br/escolas-civico-militares-avancam/

https://iclnoticias.com.br/desembargador-suspende-escolas-civico-militares/

https://iclnoticias.com.br/audiencia-sobre-escolas-civico-militares-de-sp/

 


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