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O (neo)fascismo é manicomial e capacitista


Publicado em: 6 de março de 2025

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Saúde Pública resiste

Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;

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Saúde Pública resiste

Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;

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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ouça agora a Notícia:

Por Cláudio Souza MendonçaPedro Henrique Antunes da Costa

Recentemente, o governo de Javier Milei na Argentina, por meio da Agência Nacional de Deficiência, qualificou pessoas com deficiência como “idiotas”, “imbecis” e “débeis mentais”. Tais nomeações foram publicadas no Diário Oficial do país, para não restar dúvidas.

Por vezes, lemos ou ouvimos (des)caracterizações perigosas de figuras como Milei, Bolsonaro, Trump, entre outros, como se fossem loucos, reduzindo (e deturpando) suas escolhas políticas, econômicas e respectivas fundamentações ideológicas a problemas supostamente de cunho mental. Essas análises são extremamente perigosas, primeiro, por reduzirem a complexidade dos projetos societários expressos e desenvolvidos por tais figuras às próprias figuras. Ou seja, são personalistas. Além disso, seu caráter problemático diz respeito também ao fato de psicologizarem ou psicopatologizarem o que é da esfera política, social, econômica, ideológica. 

Por fim, ao contrário do que tais análises possam indicar, os projetos de sociedade defendidos por figuras como Bolsonaro, Milei, Trump, entre outros, não se dão por eles terem problemas de ordem mental, por serem loucos. Na verdade, eles se voltam a segregar, prender, violentar, mortificar justamente as pessoas em sofrimento psíquico, os loucos (e usamos o termo aqui sem nenhum caráter pejorativo) de nossa sociedade – ao considerá-los rebotalhos, pesos mortos. Ou, como o governo Milei denominou, sem nenhuma vergonha: “idiotas”, “imbecis” e “débeis mentais”.

Queremos aproveitar este exemplo para ressaltar uma obviedade que, infelizmente, não só precisa ser dita, como repetida: o fascismo, nas suas “velhas” ou “novas” formas é manicomial e capacitista

Comecemos pelo fato de que o genocídio perpetrado pelo nazismo se deu também contra os ditos loucos, contra as pessoas deficientes. Ademais, inúmeras foram e são as similitudes dos campos de concentração nazistas com os manicômios. Com o final da Segunda Guerra Mundial, a constatação de que o horror nazista dos campos de concentração em muito se assemelhava com o horror manicomial dos hospitais psiquiátricos, foi um dos elementos propulsores para uma série de críticas e movimentos de mudança na psiquiatria e assistência psiquiátrica. Essas ações foram e influenciaram fundamentalmente a Luta Antimanicomial no Brasil e no mundo, que tem como uma de suas conquistas a Reforma Psiquiátrica.

Em nosso país, de particularidade colonial, escravocrata, estes manicômios/campos de concentração também se materializaram nas formas de senzalas, navios negreiros, voltados sobretudo à violência e mortificação da população negra, sinonimizando-a como louca, perigosa – uma das várias caracterizações para construí-la ideologicamente como o inimigo interno. E por meio destas narrativas, temos a desumanização do outro, que neste caso são os ditos loucos e/ou as pessoas com deficiência, enquanto parte do processo de extermínio mesmo destas pessoas e grupos, pois, primeiro, os desumaniza ou aprofunda a desumanização da própria sociedade capitalista a elas. 

⁠No presente, estas narrativas também são parte das políticas neoliberais que, ao desresponsabilizar cada vez mais o Estado na garantia de direitos sociais básicos, de dignidade, casadas com as políticas de extrema-direita que desumaniza mais ainda os ditos outros (loucos, pessoas LGBTs, negras e indígenas etc.), deixa tais indivíduos e grupos mais ainda desprotegidos. Por exemplo, os retrocessos e as tentativas de desmonte das conquistas expressas na e pela Reforma Psiquiátrica brasileira, naquilo que temos caracterizado como Contrarreforma Psiquiátrica, se dão em grande parte à aliança entre a ofensiva do capital contra a classe trabalhadora e seus direitos – concretizados pelas políticas sociais – e a ascensão conservadora, reacionária, quando não (neo)fascista. 

Um dos principais exemplos e catalizadores desse movimento é o ganho de força das chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs), que nada tem de comunidades ou terapêuticas, sendo reatualizações e sofisticações dos “velhos” manicômios em nosso país, ao passo que também trazem em seu bojo elementos das senzalas, por meio do trabalho escravo – bem como os de prisões e de violências religiosas.

Isso serve (ou deveria servir) como uma grande lição para o governo Lula III, que tem sido um grande chancelador das CTs, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), recrudescendo o financiamento público a elas, ao passo que, com isso, deslegitima e enfraquece a Reforma Psiquiátrica e o SUS. E a lição se expande para além do governo, e deveria servir a toda à esquerda ou dito “campo progressista”, em que é também nítido o avanço de posições e setores manicomiais. Por mais que a caracterização esquerda manicomial seja um oxímoro, no qual o adjetivo nega o substantivo, ela concretamente existe em nosso país e tem ganhado força.

Não se combate o (neo)fascismo, e seus braços e ramificações na saúde mental, se aliando a ele, fomentando-o. 

Mais do que nunca, é necessário que nos mobilizemos na construção de um projeto de país e sociedade antimanicomial, anticapacitista – e contra quaisquer formas de exploração e opressão!

Cláudio Souza Mendonça é Doutor em Políticas Públicas e Professor do Colun/UFMA.

Pedro Henrique Antunes da Costa é Professor de Psicologia na UnB.

 


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