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Bolsonarismo tem uma estratégia clara
Publicado em: 1 de março de 2025
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Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
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Valerio Arcary
Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Quando a casa do teu vizinho está a arder, a tua também corre perigo
Provérbio popular português
1. Trump voltou ao poder, com investigação de cumplicidade em tentativa de golpe de Estado, com tudo. O projeto do núcleo duro da extrema-direita permanece sendo uma aposta na disputa eleitoral de 2026 com Jair Bolsonaro candidato até o último momento. Não há segredo algum, Bolsonaro quer voltar ao poder. A estratégia é estabelecer uma polarização do capitão contra Lula. Já foi declarada mais de uma vez, inclusive como medida preventiva de “freio de arrumação” para reprimir os mais afoitos que ambicionam “furar a fila” e substituí-lo. Esta estratégia vai passar por várias manobras táticas ao longo deste ano e meio. A primeira é a atual campanha pela anistia dos condenados pela tentativa golpista de final de 2022 e semi-insurreição de janeiro de 2023, e terá no dia 16 de março uma prova de força. Não ignoram que é muito improvável que Bolsonaro escape de uma condenação, mas procurarão acumular forças para uma redução de danos. Aconteça o que acontecer, Bolsonaro condenado ou na cadeia fará de tudo para poder manter viva a candidatura até o limite máximo legal, deixando como possibilidade a sua substituição para a reta final da campanha eleitoral. O cálculo do bolsonarismo é que, apesar do cerco jurídico e uma possível prisão, sua base social eleitoral se manterá coesa até 2026, fortalecida pelo impulso da vitória da extrema-direita nos EUA. Acreditam que um desgaste do lulismo abrirá o caminho para uma vitória político-eleitoral. Eis o cenário: Bolsonaro é condenado, vai para a prisão, mantém a candidatura à presidência, é substituído por alguém de máxima confiança, se possível carismático, vencem a eleição, aprovam a anistia, e Bolsonaro volta, triunfalmente, ao poder, mesmo com um cúmplice na presidência.
2. Esta estratégia obedece a dois objetivos táticos. O primeiro é garantir com Bolsonaro candidato a contenção de uma dispersão e brigas de candidaturas que dividiriam as simpatias entre o eleitorado da extrema-direita. Nas eleições municipais de 2024 este processo aconteceu em várias capitais. Houve confusão, rusgas e até tumulto de candidatos rivais, mas o perigo não foi muito grande. O segundo é bloquear o espaço para a construção de uma candidatura de centro-direita que, diante da ausência pessoal de Bolsonaro na campanha eleitoral, consiga arrastar a simpatia de uma parcela da base social do bolsonarismo. Os dois perigos são reais, e é difícil com tanta antecedência calibrar qual deles seria o maior. Se Bolsonaro não for candidato a luta para ocupar seu lugar será brutal. Há uma competição entre muitos pré-candidatos, e até pré-candidatos a pré-candidatos: desde governadores como Ronaldo Caiado de Goiás, Ratinho Jr. do Paraná, Zema de Minas Gerais e Tarcísio de Freitas de São Paulo, até aventureiros como o coach Marçal ou o cantor sertanejo Gusttavo Lima, além de membros do clã familiar como Michelle e Eduardo Bolsonaro.
3. Mas o bolsonarismo não pode descartar, tampouco, que uma desagregação de seu movimento abra espaço para uma candidatura de terceira via, simultaneamente, contra Lula e o neofascismo. A classe dominante brasileira permanece dividida. Há uma fração poderosa dos capitalistas que apoiou Simone Tebet em 2022. Girou para um apoio crítico a Lula no segundo turno. Mas alimenta a esperança de que o “espaço do centro” possa ficar mais “robusto”, se o governo Lula não recuperar popularidade. Ao mesmo tempo que pressiona através de denúncias e exigências um “giro à direita” do governo Lula, mantém forte rejeição à extrema-direita. A fração mais concentrada da burguesia observa preocupada a ofensiva de Milei na Argentina e Trump nos EUA contra o regime democrático-eleitoral. O desmantelamento frenético dos freios à concentração de poderes da presidência é uma ameaça bonapartista que sinaliza o perigo de regimes autoritários. Se a extrema-direita viesse a conquistar um segundo governo através da legitimidade de eleições ninguém pode prever o que aconteceria no Brasil.
4. A estratégia de Bolsonaro é uma cópia da aposta de Lula em 2018, mantendo sua candidatura até ao limite legal, e sendo substituído por Fernando Haddad na última hora para facilitar a transferência pessoal de autoridade. Já foi feito e, portanto, não é impossível. Mas, talvez improvável, pode ser abandonada, porque há dois obstáculos grandes. O primeiro é que Bolsonaro não tem a estatura de Lula. Lula enfrentou de frente a condenação à prisão por nove anos e meio. Não saiu do país e nem se refugiou em uma embaixada, mesmo consciente dos riscos imensos, a rigor, potencialmente, até irreparáveis, que era ir para a prisão. Não podia descartar a hipótese de um assassinato na cadeia. Não é preciso ser lulista para perceber que Bolsonaro não tem a grandeza de Lula. Lula cometeu erros políticos em sua vida, alguns graves como a subestimação do golpe institucional que derrubou Dilma Rousseff em 2016, mas manteve a firmeza inabalável de quem confiava que a luta política e social iria absolve-lo. Bolsonaro pode “fraquejar”, no seu próprio linguajar diante do risco evidente: “apodrecer” na prisão. Esta é a dimensão inescapável do “papel do indivíduo”. Mesmo se sentindo fortalecido pela eleição de Trump, e o apoio internacional do movimento neofascista, não se deve desconsiderar a hipótese de uma desmoralização pessoal. Bolsonaro pode escolher o caminho da fuga ou de refúgio em uma embaixada para “dramatizar” como perseguição a decisão da justiça. O segundo obstáculo é que Bolsonaro não tem um partido. Até hoje esta limitação não foi muito importante. Foi compensada, em alguns momentos até com vantagens, por um movimento político bolsonarista, socialmente implantado e com capilaridade nacional. Mas, sem um comando único, à excepção do próprio Bolsonaro, e ainda assim com limites. Um movimento não tem muita disciplina. A extrema-direita se organiza em mais de dez partidos, em inúmeras organizações sociais, desde lojas maçônicas até as mais diferentes igrejas neopentecostais, além da implantação na oficialidade das Forças Armadas e das Polícias. Diante da prisão do líder, pode se dividir e se “canibalizar” numa luta por distintos candidatos.
5. O problema na esquerda é que o lulismo tem uma estratégia para garantir a reeleição em 2026, mas ela está errada. O nome da estratégia é quietismo, ou não provocar o inimigo, não correr riscos. A fórmula quietista consiste em manter, custe o que custar, a aliança político-social que oferece a frágil governabilidade que foi preservada nos dois primeiros anos de mandato. Ela repousa na aposta de que um crescimento contínuo da economia, mesmo que modesto, ainda que seja menor em 2025 do que foi nos dois primeiros anos, poderá garantir até 2026 entregas suficientes para recuperar uma posição de favoritismo nas eleições. Não será o bastante, Mas deriva do cálculo de que é melhor não engajar o governo na luta política frontal, entrando na luta ideológica, e apresentando medidas que respondam às necessidades populares mais urgentes, como apoio à luta pela redução da jornada de trabalho defendida pela PEC apresentada por Erika Hilton, que incendiou o movimento contra a jornada 6 por 1 nas redes sociais, ou impostos sobre os bilionários, porque não é necessário e não vale a pena. Este será o Carnaval do Sem Anistia, cadeia para Bolsonaro. Lula deveria se unir a este samba bom, e descer na avenida.
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