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Musk em campanha na Alemanha
Os herdeiros de Hitler podem vencer?
Publicado em: 3 de fevereiro de 2025
Os herdeiros de Hitler podem vencer?
O governo Trump começou! Pelas informações oficiais que chegam até esse momento, em relação a sua política externa, há 5 eixos de atuação principais sendo aplicados de imediato, sem prejuízo para outras movimentações secundárias. Em primeiro lugar, Trump está centralmente ocupado na aplicação radical de deportações e na condução do primeiro ataque tarifário da guerra comercial que já está declarada, que atingiu inicialmente Canadá, México e China. Na outra ponta, Musk está com a tarefa de intervir na UE, e para isso, o objetivo central do momento é a eleição na Alemanha, no qual há um apoio explicito a AFD partido da extrema direita. Em Gaza o acordo entre Israel e Hamas de cessar fogo está em curso, como uma espécie de “parar a bola” para reordenar a rota no Oriente Médio. Trump tem dado declarações sobre deslocar os palestinos para Jordânia e Egito, no qual tal ideia foi totalmente rechaçada até agora pelos governos desses países, o acordo vigente é frágil, mas as negociações e especulações seguem. Ao final dessa semana, foi dado inicio a uma forte movimentação diplomática na América Central e Venezeula, com as visitas de Marco Rubio pelo Caribe, destaque para o canal do Panamá, e de Richard Grenell ao presidente da Venezuela Nicolas Maduro. Dois homens de peso e confiança no governo Trump, que parecem estar operando um projeto de disputa política na região contra a influencia da China. Por ultimo, em relação a guerra da Ucrânia, o governo dos EUA tem feito até agora pressões sobre o governo ucraniano e o governo russo para aceitar os termos de um acordo. Mas tem uma novidade, pela primeira vez Marco Rúbio, secretário de estado dos EUA, disse que o governo de Biden foi desonesto em fazer a Ucrânia acreditar que poderia derrotar a Rússia. Um reconhecimento explicito sobre o óbvio! Os russos venceram a guerra, a Ucrânia não tem chances, e não vale a pena gastar mais recursos, é preciso negociar uma saída já, indicando como será o tom das negociações de um possível acordo.
Nesse artigo vamos nos concentrar no processo eleitoral alemão, que vai acontecer dia 23 de fevereiro próximo e que está sofrendo nas ultimas semanas uma forte influencia de Ellon Musk, membro oficial do governo Trump, que está participando diretamente da campanha da AFD. Mas antes de iniciar nossa análise propriamente dita, e para que o leitor fique um pouco mais familiarizado com o funcionamento da eleição alemã, convém algumas breves informações. O sistema político no país permite até 735 mandatos no parlamento federal, são 299 distritos eleitorais que são divididos de modo que cada um tenha aproximadamente o mesmo número de eleitores, somente ingressam no parlamento federal os partidos que receberem no mínimo 5% do total de votos de legenda e quase 60 milhões de cidadãos tem direito ao voto. Após a eleição, o novo parlamento tem até 30 dias para eleger um novo primeiro ministro, que tradicionalmente acontece assim que um partido ou uma coalizão de partidos formam maioria no parlamento.
O que as pesquisas eleitorais estão revelando?
Antes de mostrar e analisar o resultado das pesquisas de opinião sobre a preferência do eleitor na Alemanha, é preciso fazer um alerta sobre a capacidade das pesquisas de apreender o que realmente está se passando na opinião do eleitor. Em muitas eleições pelo mundo, o resultado acaba sendo diferente do que as pesquisas tinham revelado. Feito o alerta, vamos analisar a media ponderada de várias pesquisas, segundo publicação da euronews, para observar as inclinações da disputa política que está sendo travada no país que representa a maior economia da Europa. Esse gráfico é interativo, e você pode acessá-lo com mais recursos aqui.
A trajetória das sondagens vai do período de outubro de 2023 até 28/01/2025.
São 7 partidos na disputa por espaço no Bundestag, o parlamento federal da Alemanha. A CDU/CSU (União Democrática Cristã) que lidera as sondagens com 30%, foi fundado após a segunda guerra mundial por setores de centro direita contrários ao nazismo, são católicos, conservadores e de visão liberal da economia. Popularmente é conhecido como “a União” e tradicionalmente é o partido mais forte e que por mais tempo governou a Alemanha por diversas coalizões. Seu ultimo governo, foi com Angela Merkel, de 2005 até 2021. Hoje possui 196 deputados no parlamento federal.
A AFD (Alternativa para Alemanha), que está em segundo lugar na media das sondagens com 20%, foi fundado em 2013, com um posicionamento à direita do CDU/CSU, são contra a União Europeia, são radicais contra os imigrantes e não acreditam que as crises climáticas são consequências da atividade humana. Possuem 76 deputados no parlamento e entre os seus mais de 40 mil filiados, existem tendencias com forte relação com o passado neonazista da Alemanha, ao ponto da justiça alemã estar monitorando personalidades e grupos da AFD que tem expressado posições cada vez mais anticonstitucionais e extremistas de direita.
O SPD ( Partido da Social Democracia) está na terceira colocação nas pesquisas com 16%, é o partido mais antigo da Alemanha, foi fundado no final do século XIX, possui 207 deputados no parlamento e tem uma posição próxima a centro esquerda. É o partido do atual primeiro ministro, que governava até a implosão da sua coalizão que se dava até dezembro de 2024, entre SPD, os Verdes e o FDP. Esse ultimo, ao romper a aliança por defender uma política de austeridade mais forte, gerou uma crise no mandato de Olaf Scholz, antecipando o processo eleitoral para fevereiro desse ano.
Os Verdes, estão na quarta colocação nas pesquisas com 13,8%, foi fundado na década 80 e se fundiu com outros partidos na década de 90. Estão localizados no espectro político da centro esquerda ambientalista, possuem 117 deputados no parlamento e fizeram parte da coalizão do atual primeiro ministro Olaf Scholz.
Embolados na luta para atingir o mínimo de 5% para poder ocupar um espaço minoritário no parlamento alemão, está o BSW que tem 10 deputados, e é uma organização de esquerda fundada em 2024 fruto de uma divisão do Die Link ( A Esquerda). Outro partido que também luta para atingir a barreira mínima é o “A Esquerda” que tem hoje 28 deputados. E por ultimo, em forte declínio e lutando para não ficar de fora do parlamento está o FDP que tem 90 deputados, esse ultimo é um partido de centro direita liberal, pivô da crise do atual governo do primeiro ministro Olaf Scholz.
A média das sondagens eleitorais representada no gráfico acima, revela um fato novo na situação política da Alemanha, a forte ascensão da direita, em especial da extrema direita no país. Juntos, CDU/CSU e AFD, que são as duas organizações que compõe o espectro mais a direita no país, somam 50% da opinião dos eleitores. Recentemente em votação no parlamento, essas duas forças somaram esforços para votar uma nova lei anti-imigração com o objetivo de fechar fronteiras e deportar o máximo possível de imigrantes.
Quem é a AFD e quais as suas chances eleitorais?
Na tradução para o português, AFD é um sigla que abrevia a frase “Alternativa para Alemanha”. A fundação desse partido se deu num momento de crise do euro em 2013, e um descontentamento em setores mais à direita da CDU com a condução da Alemanha liderada por Ângela Merkel. A primeira ministra alemã tinha posições mais moderadas em relação ao tema dos imigrantes, além de conceder apoio financeiro, através de empréstimos e outras medidas a países mais pobres da União Europeia. Desde então, a AFD, mesmo com disputas internas inflamadas, conseguiu crescer e fortalecer o discurso ultra nacionalista, de ódio aos imigrantes, de combate a União Europeia e negando qualquer política de transição energética para diminuir as consequências da emissão de gases do efeito estufa. Destaque para a sua organização “juventude alternativa”, a ala mais jovem da AFD, que também tem avançado no eleitorado estudantil com um discurso ainda mais extremista.
A crise migratória de 2015, levou mais de 1 milhão de refugiados vindos da Síria, Iraque e Afeganistão serem registrados pelas autoridades alemãs. Tal crise dividiu o país, e catapultou figuras políticas extremistas da AFD que criticavam o governo alemão, defendendo o fechamento das fronteiras e uma forte política de deportação. Assim, o tema dos refugiados somado a crise econômica provocada pela Covid-19 em 2020 e a inflação do preço da energia no país devido a guerra entre Ucrânia e Rússia, levou os alemães a amargarem uma recessão econômica que já dura 2 anos. Essa tempestade perfeita levou a crise do atual governo, a explosão da aliança que sustentava Scholz como atual chanceler, a antecipação da eleição e colocou a AFD em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, sigla que a dez anos atrás era irrelevante. Em 2024, a AFD venceu as eleições no estado da Turingia, e ficou em segundo lugar na Saxônia, ambas cidades ficam no leste. Um resultado sem precedentes desde o pós-guerra em 1945, confirmando a consolidação da extrema direita na disputa política do país. O principal líder da AFD na Turingia, é Bjorn Hocke, um dirigente com influencia de massas, mantém relações próximas a grupos neonazistas, participando presencialmente de atos políticos antissemitas e negacionistas do holocausto. Em 2022, teve sua imunidade parlamentar suspensa após encerrar seu discurso com a frase “Alles fur Deutschland” ( “ Tudo pela Alemanha”), expressão usada pela SA nazista, cuja utilização é proibida por lei. Outras figuras dirigentes da AFD tem relações intimas e até familiares com o nazismo, como Beatriz Von Storch, neta do ministro das finanças de Hitler, o senhor Lutz Schwerin von Krosigk, que também foi chanceler alemão, no governo provisório após a morte de Hitler em 1945.
A principal líder e figura publica da AFD atualmente é Alice Weidel, que disputou a eleição federal em 2017, quando o seu partido recebeu 13% dos votos, se transformando na terceira maior força da Alemanha. Em 2021, Alice disputou mais uma vez, mas a AFD não repetiu seu desempenho anterior ficando em quatro lugar, eleição que acabou dando o quarto mandato para Merkel numa aliança entre CDU e SPD. Em 2025, ela está encabeçando a lista de candidatos na atual disputa e está até agora em segundo lugar na maioria das pesquisas eleitorais. Alice é uma figura contraditória, é lésbica e casada com uma imigrante do SriLanka, criando dois filhos em família. Seu partido votou contra o casamento gay e tem uma política radical contra imigração, mas nada disso é motivo para que Alice Weidel se sinta abalada, pelo contrário, ela tem utilizado a sua homossexualidade para ganhar apoio na juventude e combater imigrantes de religião islâmica. Trata-se de uma metamorfose do espectro de extrema direita para criar canais de disputa mais sofisticados na sociedade, sem abrir mão do seu projeto estratégico.
A AFD está em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, expressando uma naturalização crescente de posições extremistas de direita na Alemanha. O apoio de Elon Musk, que está em campanha ativa e participativa em comícios da AFD, não garante a vitória, mas fortalece muito as chances da extrema direita ampliar sua votação em relação as ultimas duas eleições federais. Assim como, não é certeza que o isolamento da AFD será confirmado por todos os outros partidos e que Weidel não estará oficialmente no próximo governo, seja em maioria ou na condição de minoria. Dizemos isso porque após o resultado eleitoral será necessário que os partidos formem maioria no parlamento para eleger o próximo primeiro ministro. Caso a eleição confirme que os partidos de Merz e Weidel sejam as duas siglas mais votadas, existe uma possibilidade real de acordo entre os dois partidos para a formação de uma maioria e eleger o próximo chanceler, com a AFD assumindo vários ministérios. Na semana que passou, o líder da CDU e candidato a chanceler Friederich Merz pactuou votações com a AFD na tentativa de aprovar um projetos de lei anti-imigração, enterrando o acordo democrático histórico em isolar os herdeiros de Hitler. Na sexta feira, dia 31/01, o projeto de lei anti – imigração foi a votação no parlamento federal da Alemanha e foi rejeitado, 350 votos contrários e 338 a favor. Uma votação apertada, que agitou o país, com fortes polêmicas públicas e que acabou gerando um relativo desgaste da figura de Merz em setores de direita que tem algum compromisso democrático em isolar o neonazismo. Por outro lado, acabou fortalecendo sua figura em setores de direita anti-imigração. Além de alguns parlamentares da CDU se recusarem a votar em unidade com a AFD e não participarem da votação. A ex-chanceler alemã, Angela Merkel, rival de Friedrick Merz nas disputas internas da CDU, fez duras críticas publicas contra a aliança com a extrema direita, abrindo uma crise importante no partido que lidera a disputa eleitoral na Alemanha.
A CDU/CSU continuará unificada após essa eleição? Veremos…
Protestos anti-fascistas tem adesão de milhares nas ruas
O crescimento da AFD nas pesquisas e a possibilidade de aliança da CDU com a AFD, gerou uma onda de protestos na Alemanha, multidões estão indo as ruas com adesão de forças de esquerda e setores democráticos denunciar o avanço da extrema direita e suas políticas racistas e reacionárias. As imagens de milhares de pessoas cantando músicas antifascistas expressam que a resistência se levanta em luta para impedir o triunfo dos herdeiros de Hitler nessa eleição. No sábado milhares foram as ruas de Hamburgo, Stuttgart, Leipzig e Colônia, e nesse domingo, mais de 100 mil pessoas protestaram nas ruas de Berlim contra Friedrich Merz e sua aproximação com a AFD. Nas faixas tinham frases como: “Nós somos a barreira de proteção, não há cooperação com a AFD” e “Merz, vá para casa, que vergonha!”
A mobilização de massas contra a extrema direita é um ótimo sinal, revela que a disputa está aberta e que essas reservas anti-fascistas tem potencial para mudar o que as pesquisas vem indicando, impedindo uma vitória eleitoral das forças mais reacionárias da Alemanha. Falta apenas três semanas para eleição, a agitação política é máxima, em muitos momentos existe clima de violência e tudo pode acontecer. O movimento neofascista global sabe que após a posse de Trump, uma vitória na maior economia da zona do euro seria um salto qualitativo do seu projeto estratégico com força para mover placas tectônicas na geopolítica mundial. Não por acaso, Steve Bannon, um dos principais dirigentes da rede internacional neofascista, em reunião recente nos EUA na ocasião da posse de Trump, com a presença de várias representações de partidos de extrema direita, incluindo uma delegação brasileira liderada por Eduardo Bolsonaro, disse: “ Nós tivemos uma grande vitória aqui [nos EUA] e estamos ganhando no mundo todo, certo? A próxima parada é a Alemanha. Posso pedir que a Alternativa Para a Alemanha (AfD) se levante? Queremos saudá-los”
A participação de Elon Musk, utilizando o X (antigo Twitter) como uma rede social a serviço da AFD, fazendo uma live de apoio a Alice Weidel, demonstra a potencia do alcance global de uma plataforma virtual para influenciar um processo eleitoral sem dar condições iguais a todos os candidatos. Trata-se de um membro oficial do governo dos EUA intervindo politicamente na eleição de um país membro do G7 e da OTAN, desequilibrando a disputa, mostrando preferência a um projeto e fazendo campanha explicita para uma candidata de extrema direita. Uma grande novidade nas disputas eleitorais no mundo, todos nós sabemos que as redes sociais são corporações empresariais que tem interesses políticos em todo globo, e que recentemente a maioria das BigTechs norte americanas decidiram alinhamento com Trump. Mas até então, a interferência política ficava nos bastidores, na denuncia de manipulação de algorítimos a favor de um força política ou outra, procedimentos difíceis de investigar e comprovar. Agora o dono da rede social diante da tela de milhões de pessoas de outros países, aparece apoiando partidos e desqualificando outros, incólume a qualquer controle para estabelecer princípios de equidade e equilíbrio na disputa eleitoral.
O movimento anti-fascista alemão está diante de uma tarefa histórica, vão precisar provar que estão a altura do desafio, cantando a “ Bella Ciao” em todas as ruas das principais cidade do país para acender a chama em milhões de corações sobre a importância de derrotar a AFD. Já circulam nas redes imagens de Bannon e Musk fazendo a saudação romana, apropriada pelo nazifascismo historicamente. Oitenta anos após a queda do nazismo, com o triunfo das tropas do exercito vermelho em Berlim, o fantasma de Adolf Hitler assombra a Alemanha, lembrando ao mundo que o sistema capitalista em sua fase imperialista em crise de hegemonia. Pode gerar toda a sorte de demônios, sem qualquer garantia de poder controlá-los, colocando em risco, não só, a própria ordem mundial acordada no pós guerra. Mas também impondo uma ordem que ameaça a existência humana e toda biodiversidade no planeta terra.
Gibran Jordão é historiador e escreve para a editoria Mundo do Esquerda Online
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